As mais-valias do resgate de fundos de investimento e o OE 2022

lisboa portugal
Créditos: Aayush Gupta (Unsplash)

TRIBUNA de Rogério Fernandes Ferreira, sócio fundador; Marta Machado de Almeida, sócia; Soraia João Silva, advogada associada; Inês Tomé Carvalho, associada; e José Oliveira Marcelino, associado; da RFF Advogados.)

Rogério Fernandes Ferreira

A Proposta de Lei do Orçamento do Estado (OE) para 2022 prevê uma alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que visa implementar a obrigatoriedade do englobamento dos rendimentos resultantes de mais-valias mobiliárias quando os ativos em causa tiverem sido detidos por um período inferior a 365 dias e o sujeito passivo atinja um rendimento coletável igual ou superior ao valor do último escalão de tributação, que a proposta de lei orçamental reduz para 75.009 euros.

Neste sentido, da proposta de alteração legislativa parece resultar que todos os rendimentos qualificados como mais-valias, no âmbito do Código do IRS, serão suscetíveis de ser reconduzidos ao escopo de aplicação desta norma, uma vez verificados os demais requisitos nela previstos.

Marta Machado de Almeida

Porém, o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) dispõe que os rendimentos provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento – os quais são qualificados como mais-valias para efeitos do Código do IRS – são tributados por retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 28%.

Ora, não existindo qualquer proposta de alteração ao regime de tributação previsto no EBF, e constituindo este diploma, lei especial face ao Código do IRS tem vindo a ser questionada a compatibilidade entre a nova regra de tributação constante da proposta do OE, com o regime previsto para a tributação dos rendimentos provenientes de fundos de investimento.

Resgate de fundos de investimento portugueses

Conforme já referido, o EBF, que permanece inalterado, dispõe que os rendimentos provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento são tributados por retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 28%.

Pelo que, sendo o EBF lei especial face ao Código do IRS – o diploma no qual se propõe que seja introduzida esta nova norma – parece que as mais-valias mobiliárias provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento poderão não estar abrangidos pelo englobamento obrigatório, não obstante, pela sua natureza, serem suscetíveis de ser abrangidos pela proposta que prevê a tributação mediante englobamento obrigatório.

Soraia João Silva

Resgate de fundos de investimento estrangeiros

Outra das questões que tem vindo a ser suscitada em torno da forma como se pretende implementar esta proposta de tributação prende-se com o regime a que serão sujeitos os rendimentos do resgate de unidades de fundos de participação localizados fora do território nacional, os quais não estão sujeitos ao regime previsto no EBF.

Com efeito, apenas os fundos de investimento localizados em Portugal estão sujeitos ao regime de tributação previsto no EBF e, nessa medida, apenas os rendimentos pagos por esses fundos recaem no regime de tributação nele previsto, i.e., sujeição a retenção na fonte a uma taxa definitiva de 28%.

Pelo que, caso os rendimentos provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimentos estrangeiros não sejam pagos através de entidades com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em Portugal, tais rendimentos, sendo qualificados como mais-valias nos termos previstos no Código do IRS, são suscetíveis de recair no escopo de aplicação da nova norma proposta no OE, e nessa medida, ser sujeitos a englobamento obrigatório, uma vez verificados os demais requisitos legais.

Inês Tomé Carvalho

Conclusões

Em suma, as mais-valias mobiliárias provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento portugueses poderão não estar abrangidos pelo englobamento obrigatório, ainda que se verifiquem os critérios previstos para o efeito, atendendo a que o regime do EBF que regula a sua tributação tem natureza de lei especial face ao Código do IRS.

Já no que respeita às mais-valias provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento estrangeiros, auferidas por residentes fiscais em Portugal, uma vez que tais fundos não estão sujeitos ao regime de tributação previsto no EBF, estarão, em princípio, abrangidas pela norma que prevê a tributação mediante o englobamento obrigatório, desde que, claro está, se verifiquem os respetivos critérios aí previstos – caso contrário, aplicar-se-á a taxa autónoma de 28%, que permanece vigente para os casos em que o sujeito passivo que aufere os rendimentos não se encontre abrangido pelo último escalão de rendimento e o período de detenção do ativo seja superior a um ano.

José Oliveira Marcelino

Com efeito, a distinção entre a forma de tributação dos rendimentos provenientes de fundos de investimento residentes em Portugal e os rendimentos provenientes de fundos de investimento estrangeiros poderá ser entendida como uma forma de discriminação positiva do investimento em fundos nacionais.

Ora tal discriminação deve ser proibida pelas regras prevista nos Tratados da União, sendo um entrave quer à livre circulação de capitais, a qual constitui um dos pilares do mercado único, quer a política de auxílios de estado que proíbe o favorecimento, mediante a aprovação de leis fiscais, do investimento em determinados setores de atividade que, no caso, seriam os fundos de investimento nacionais (em detrimento dos fundos localizados noutros Estados-Membros).

Esta discriminação dos rendimentos de fonte estrangeira poderá suscitar, porém, uma eventual desconformidade com o direito europeu, incluindo no âmbito dos auxílios de estado ilegais.