TRIBUNA de Carlos Bastardo.
Outubro é mês de Orçamento de Estado (OE) e em termos gerais, se excluirmos os efeitos do PRR, pouco difere dos anteriores. Todos os anos temos demasiadas horas de análise e negociação de pequenas franjas do OE, uma vez que o tronco do documento é relativamente rígido ano após ano.
Não vou comentar as medidas para as famílias e empresas, pois como habitualmente este é o país do poucochinho. Enquanto existir uma dívida pública elevada, a margem para reduções de carga fiscal e incentivos económicos é reduzida.
As previsões do crescimento do PIB inscritas no OE para 2021 e 2022 são de 4,8% e 5,5% respetivamente. O crescimento em 2022 é bastante influenciado pelo investimento (sobretudo público, via PRR) que deverá crescer 8,1% contra 5,2% este ano.
O consumo privado deverá crescer 4,7% em 2022 (5,2% em 2021). As exportações e as importações deverão crescer 10,3% e 8,2% em 2022 respetivamente, contra 9,1% e 9,4% este ano.
Este valor do crescimento do PIB compara com previsões do FMI de 4,4% em 2021 e de 5,1% em 2022, da OCDE de 3,7% em 2021 e 4,9% em 2022 e da Comissão Europeia de 3,9% em 2021 e 5,1% em 2022. Ou seja, as metas do OE são mais otimistas.
Quanto ao défice público, este será 4,3% este ano e 3,2% em 2022. A inflação (IHPC) prevista é de 0,9% em 2022, o mesmo valor de 2021. A taxa de desemprego baixará dos 6,8% em 2021 para 6,5% em 2022 (dados oficiais).
Tudo aponta para que em 2022 regressemos ao nível económico antes da pandemia. Contudo, existem fatores de risco que poderão dificultar o atingir das metas. É bom relembrar que Portugal depende muito do enquadramento económico internacional.
Num cenário positivo, crescemos menos que a maior parte dos nossos parceiros e num cenário negativo regredimos mais. Em 2020, com a pandemia, a economia portuguesa foi das que mais caiu (8,4%).
Internacionalmente, vivemos uma crise energética. Apesar de o ministro das finanças considerar que o preço do petróleo irá reduzir-se em 2022, as estimativas atuais dos analistas internacionais é que o petróleo poderá atingir os 100 dólares por barril.
A evolução do preço do petróleo é curiosa (especulativa), pois antes da pandemia (dezembro de 2019) o preço do Brent era de 60,60 euros por barril (67,30 USD) e em 15/10/2021 estava em 70 euros (82,40 dólares), quando as economias ainda estão aquém do nível que estavam antes da pandemia.
Mas mais curioso ainda é que em junho de 2014 quando o Brent estava nos 82,25 euros por barril (111,8 USD), ou seja, bastante acima dos valores atuais, o preço do gasóleo simples estava nos 1,411 euros e em 15/10/2021 estava nos 1,636 euros enquanto a gasolina simples 95 estava em 1,658 euros e em 15/10/2021 estava nos 1,806 euros em termos médios.
Quais são as razões de termos os combustíveis mais caros face a junho de 2014, quando o barril do Brent está hoje abaixo dos valores naquela data? São fundamentalmente 2 razões: a excessiva carga fiscal sobre os combustíveis e a elevada margem de refinação que é uma das mais elevadas da União Europeia. Ou seja, 2 razões que deveriam ser objeto de uma intervenção eficaz do Estado, como entidade garante das condições normais de funcionamento em setores vitais para a economia como o setor dos produtos petrolíferos.
Se aliarmos o que se passa nos combustíveis com os preços da energia elétrica (subiram em Portugal nos últimos 12 meses mais de 3 vezes) e do gás natural, é difícil acreditar numa inflação de apenas 0,9%. A inflação em setembro de 2021 era de 1,5%.
Os preços das matérias-primas e de outros bens têm estado a aumentar a nível internacional, condicionando o tão desejado equilíbrio na oferta e pressionando a subida da inflação.
A inflação acima dos 5% nos EUA e dos 3% na Europa vai alterar os programas de compra de títulos e a política monetária em 2022 (mais nos EUA que na Europa). Se as expetativas de subida das taxas de juro aumentarem, tal vai traduzir-se numa subida das yields da dívida pública, como aliás já está a acontecer. Esta situação irá determinar um aumento do custo de financiamento da dívida pública portuguesa e, portanto, um valor dos encargos financeiros superior ao estimado no OE.
Outro fator de risco a ter em conta é o impacto que casos como a Evergrande e outras grandes imobiliárias poderão ter na economia chinesa este ano e em 2022 e consequentemente, na economia e nos mercados financeiros mundiais, dado o peso da China como segunda potência económica.
Também não podemos descartar os atuais condicionalismos nas cadeias de fornecimento de diferentes produtos e bens, consequência da pandemia e que têm provocado significativos desequilíbrios entre a procura e a oferta. Por outro lado, a instabilidade vivida atualmente em alguns setores de atividade do lado da oferta, pode gerar problemas ao nível do emprego.
Finalmente a nível interno, o ritmo de execução do PRR também vai influenciar o investimento. Logicamente que a aplicação dessas verbas não deve substituir a qualidade pela rapidez e desejo de cumprir objetivos. Há que as cumprir, mas bem! E para isso têm que ser devidamente escrutinadas por alguma entidade (Tribunal de Contas ou outra entidade independente).
Portanto, num quadro macroeconómico em que o desempenho depende quase exclusivamente do êxito do PRR e do enquadramento internacional, só me resta terminar com uma frase bastante usada na pandemia: vai tudo correr bem. Oxalá que sim!