São inúmeros os estudos que aprofundam o efeito dos ativos digitais numa carteira diversificada tradicional 60/40. “Se Markowitz fosse vivo, provavelmente a sua carteira de mercado incluiria bitcoin”, afirma Nuno Serafim, managing partner da 3 Comma Capital.
Registe-se em FundsPeople, a comunidade de mais de 200.000 profissionais do mundo da gestão de ativos e património. Desfrute de todos os nossos serviços exclusivos: newsletter matinal, alertas com notícias de última hora, biblioteca de revistas, especiais e livros.
Para aceder a este conteúdo
COLABORAÇÃO de Nuno Serafim, managing partner da 3 Comma Capital.
Não é todos os anos que nasce uma nova classe de ativos. Melhor, nem em todas as décadas sequer temos assistido ao aparecimento de novas classes de ativos. Quando muito, existe, com alguma frequência, uma proliferação de novos instrumentos financeiros que replicam, de forma mais ou menos fel, classes de ativos subjacentes, conferindo-lhes transaccionalidade. É o exemplo dos REIT, ETF, sejam eles de crédito, commodities ou que permitam acesso a mercados privados ou estratégias com perfis de risco e retorno negativamente assimétricas. É o caso dos melhores hedge funds, que se tornaram eles próprios numa nova classe, normalmente identificada como de retorno absoluto. No entanto, todos estes instrumentos têm como objetivo dar acesso e liquidez a classes de ativos naturalmente ilíquidas ou com elevadas barreiras à entrada para a maioria dos investidores.
Os ativos digitais são a primeira classe de ativos, alternativa, primária e com liquidez - sem necessidade de ser transformada num instrumento financeiro ou valor mobiliário (security) para ser facilmente transacionável -, que apareceu nos últimos 80 anos. Todas as classes de ativos primárias existem praticamente desde os anos 50 do século passado, desde que Markowitz publicou o Portfolio Selection e formulou a fronteira eficiente. De lá para cá o asset allocation tem evoluído não porque foram criadas mais classes de ativos, mas sim porque mais classes de ativos passaram a ser investíveis em mercados públicos por via do processo da sua securitização.
Tokenização
E é nesta perspetiva que os ativos digitais são tão inovadores, sobretudo pela tecnologia de base que os suporta. Eles não precisam de mercados públicos para serem líquidos. Na realidade, serão, nos próximos anos, as outras classes de ativos que se transformarão em ativos digitais por via da tokenização para ter acesso a novas pool de liquidez. Em 10 anos, a pool de liquidez proporcionada pela tecnologia blockchain será tão ou mais potente do que aquilo que hoje conhecemos por public markets. Provavelmente, todos os instrumentos de crédito ou dívida serão tokenizados na próxima década, deixando as atuais infraestruturas de mercado de execução, liquidação e custódia, pelo simples facto desta não ter tão eficiente como a tecnologia de blockchain. Mais difícil será isso acontecer, por razões técnicas, com instrumentos e valores mobiliários perpétuos como as ações, mas deixemos isto para futuros artigos.
Os ativos digitais, sejamos claros, são uma classe representada sobretudo por bitcoin (70% do market cap, excluindo stablecoins, ou asset referenced tokes, no contexto regulatório do MiCA), ethereum (15%) e solana (5%), sendo praticamente tudo o resto ruído ou tokens de startups que irão desaparecer e onde os investidores são sobretudo VC ultra especializados ou curiosos com dinheiro. Os ativos digitais são também, desde que existem, a classe de ativos mais bem sucedida da história. Isto é verdade quer em termos de retorno (bitcoin é a melhor classe de ativos em 11 dos últimos 14 anos) quer em termos de penetração, com um market cap de 3,3 biliões de dólares, o que é mais que high yield, linkers, e dentro de pouco tempo, mais que dívida de mercados emergentes. Tudo isto em apenas 13 anos. Nos EUA, 25% dos investidores tem exposição a ativos digitais. Se Markowitz fosse vivo, provavelmente a sua carteira de mercado incluiria bitcoin, pela simples razão de que promoveria a deslocação positiva da fronteira eficiente. Todos os leitores da FundsPeople sabem que num portefólio diversificado o que é importante não é a volatilidade, mas a correlação entre os ativos de uma carteira. Todos também sabemos que é impossível estimar com rigor o retorno futuro. Por outro lado, é fácil estimar, com mais rigor pelo menos, a volatilidade futura. Markowitz só recebeu o seu Prémio Nobel 40 anos após as suas primeiras formulações. Mas os ativos digitais farão um percurso mais rápido. Eles já fazem parte das carteiras dos investidores mais sofisticados do globo.
Os ativos digitais, sejam bitcoin, ethereum ou solana, não serão para todos os investidores. Bitcoin é uma classe macro, uma reserva de valor, relativamente simples de explicar. Quem entender economia monetária vai adorar o conceito bitcoin. É o caso de inúmeros macroeconomistas e estrategas de mercado que atualizaram o seu framework de análise e, por assim dizer, venderam- -se aos ativos digitais - Tom Lee, Lyn Alden, James Bianco, Raoul Paul, Alfonso Peccatiello, só para citar alguns. Quem não entende a dinâmica global da oferta monetária – dará algum jeito saber que a base monetária do dólar aumentou 73 vezes desde 1971 e que esta é a principal razão pela qual os ativos reais sobem de preço mesmo que não tenham um rendimento passivo associado -, ou não gostar de tecnologia, não vai entender bitcoin. Muito menos entenderá ethereum ou solana, cujos conceitos são ainda mais abstratos, embora sejam estes que desencadearão o crescimento dos casos de uso e da adoção da tecnologia blockchain nos próximos anos.
É provável que a bitcoin continue a obliterar recordes e continue a subir a escada do single asset mais valioso, até próximo do market cap do ouro (13 biliões de dólares). Não sei quanto tempo isso demorará, mas sei o preço que bitcoin atingirá nessa altura, pelo facto da sua política monetária ser programada. Vai acontecer, e o mais engraçado é que iremos estar vivos para o testemunhar.
Entretanto, são inúmeros os estudos que aprofundam o efeito dos ativos digitais numa carteira diversificada tradicional 60/40. Seja uma alocação de 2%, 5% ou 10%, o efeito é sempre positivo, seja em retorno, seja em retorno ajustado pelo risco. No final do dia, a grande magia de uma carteira diversificada é que, sobretudo, consigamos estimar com bastante rigor a volatilidade futura e a perda máxima. Quanto ao retorno, o tempo fará o resto.
