Banco Carregosa: "O investimento em obrigações de elevada qualidade com maturidades curtas parece-nos uma boa forma de preservar capital"

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Créditos: Max Saeling (Unsplash)

TRIBUNA de Mário Carvalho Fernandes, Chief Investment Officer, e Tiago Gaspar, responsável pela análise e seleção de fundos do Banco Carregosa.

A inflação revelou-se mais persistente, mais global e mais transversal às economias ocidentais. A reação dos bancos centrais (BC’s) foi forte, tanto no imediato, como no anúncio de futuras subidas de taxas de juro, entretanto já incorporadas nas expetativas do mercado. Até ao final do ano, a generalidade dos bancos centrais deverá ter as suas taxas de referência em território neutral ou mesmo restritivo, pelo que os riscos para o crescimento económico se acentuam.

Mário Carvalho Fernandes

É indiscutível que os bancos centrais têm a capacidade de conseguir desacelerar ou travar a economia. O impacto do menor crescimento económico no controlo da inflação é mais limitado quando, como atualmente nos EUA, a origem da inflação ocorre simultaneamente por via de um choque na oferta e da procura. Tendo em conta alguns sinais de sobreaquecimento da economia norte-americana, o impacto da política monetária deverá conseguir amenizar a inflação, contribuindo para esse objetivo mundial, por via dos preços da energia e outras matérias-primas mais cíclicas.

Caso a inflação revele sinais de moderação, as autoridades poderão conseguir ganhar tempo para, nessa altura, implementar um ajuste mais fino da política monetária. Caso contrário, terão que prosseguir uma política mais apressada, aumentando os riscos para um impacto menos controlado na economia e nos mercados financeiros.

A economia dos EUA vem de um período de forte crescimento e está por isso melhor preparada para absorver os impactos da maior inflação e da política monetária mais restritiva. O risco de uma queda do produto em termos homólogos tem aumentado, mas ainda é um cenário que pode ser evitado. Os sectores mais cíclicos devem sentir mais o impacto do pessimismo dos consumidores e da queda do rendimento disponível das famílias.

A zona euro tem sido alvo de crises sucessivas com bastante recorrência desde a GFC de 2008. As perspetivas para o bloco voltam a ser pouco otimistas, tendo em conta que a proximidade geográfica à zona do conflito também se traduz num elevado grau de interligação e interdependência com a área afetada.

O BCE encontra-se numa posição complicada pois terá que procurar controlar um processo inflacionista que tem origem externa. As subidas das taxas de juro devem ter impactos maiores no crescimento económico do que na inflação. Contudo, é pouco defensável manter uma política acomodatícia, como a dos últimos meses, com a economia em pleno emprego e com inflação muito acima do objetivo. O banco central fará o seu caminho de normalização, que deverá contribuir para colocar a economia numa situação de estagflação. Nessa altura, o BCE terá feito o que está ao seu alcance para combater a inflação. De salientar ainda que é relevante e positivo que os países membros da ZE estejam com os seus ciclos económicos mais sincronizados do que tem sido norma. Essa sintonia facilita a tarefa do Banco Central.

Se o conflito no leste da Europa perdurar, a zona euro deverá enfrentar um período de elevado desconforto social (maior desemprego e inflação elevada) que terá de ser amenizado através do aumento de transferências sociais e subsidiação dos bens essenciais. Esse ónus adicional nos orçamentos dos governos que em larga maioria se encontram limitados e num momento em que a ZE começa a ter necessidade de captar recursos de financiamento no exterior (capital ou dívida) promete lançar um conjunto de desafios nos próximos meses. A monitorização dos termos de troca e da balança comercial europeia será essencial para melhorar as perspetivas para o bloco.

A necessidade de estabilização das economias e evitar riscos de fragmentação da zona euro poderá forçar o BCE a continuar o suporte financeiro dos programas fiscais da zona euro, eventualmente com programas fiscais especiais tipo PEPP, orientados para a Defesa e/ou Sustentabilidade e/ou apoios sociais.

A China desfasou o seu ciclo económico com o resto do mundo quando em 2021 aproveitou o otimismo na generalidade das economias para implementar medidas de correção de alguns excessos, prosseguindo diferentes objetivos, como estabilidade económica de médio prazo (esvaziar as bolhas no imobiliário antes que sejam demasiado grandes para falhar), aumentar a coesão social (crescimento económico inclusivo para todos), preservar os valores da identidade chinesa (afastando-se da cultura ocidental). Os efeitos negativos de curto prazo de algumas dessas medidas na economia e no sentimento dos investidores (nacionais e estrangeiros) foram acompanhados de perturbações ao normal funcionamento da economia pela pandemia e, mais recentemente, pelo conflito da Rússia com a Ucrânia.

O conflito tem um efeito positivo na atividade económica no curto prazo, pois confere algumas vantagens competitivas à China face por exemplo à Europa ou Japão (concorrentes na componente industrial) fruto do acesso à energia em condições mais vantajosas. Mas, conflito tem também um efeito negativo estrutural para a economia chinesa, pois fica associada a um risco político acrescido e agora mais evidente para o mundo ocidental, que sente estar em causa um conflito entre diferentes regimes políticos e de sociedades.

Se do ponto de vista económico e financeiro os ativos chineses se revelam atrativos, pelo seu nível de avaliação e descorrelação com o resto do mundo, existe um risco binário (tail risk), não linear, que recomenda alguma prudência na exposição ao país.

As classes de ativos melhor posicionadas

Os ajustes nos preços dos ativos no 1º semestre do ano fizeram despontar algumas oportunidades. Os investidores passaram a ter alternativa de investimentos com baixo risco e garantia de capital e retorno nominal positivo. As dívidas de curto prazo emitidas por governos e empresas de elevada qualidade creditícia são uma âncora que deve constar nas carteiras diversificadas, a par de uma componente de liquidez tática mais elevada.

A exposição acionista não deve ser descartada. No sentido de proteger o poder de compra, o investimento em mercados e empresas de qualidade com balanços fortes e negócios estáveis, com algum poder de mercado e de pricing power continuam a oferecer uma boa relação rentabilidade e risco. O mercado acionista norte-americano deverá proporcionar um refúgio perante as tensões geopolíticas globais.

Ao longo dos próximos meses admitimos voltar a encontrar reunidas as condições para que o ouro possa voltar a constituir um ativo de refúgio interessante numa carteira diversificada, pois admitimos que as expetativas de subidas de taxas possa ter atingido um ponto demasiado extremado.

Num ambiente em que a volatilidade, o risco e a incerteza permanecem em nível muito elevado, a combinação criteriosa de ativos de qualidade elevada e com níveis de descorrelação nos vários cenários é crucial.

Riscos

Nos próximos meses, a manutenção de elevada incerteza deverá ser uma das poucas certezas entre os investidores. Os ativos financeiros continuam a ser penalizados pela amplitude de previsões para a trajetória da inflação, das taxas de juro e do crescimento económico. A evolução da Covid-19, o comportamento do sector energético e a geopolítica aumentam a complexidade da conjuntura. Níveis de confiança baixos na previsibilidade de variáveis tão relevantes geram volatilidade elevada.

A inflação está a revelar-se mais persistente e forte do que o esperado pela generalidade dos observadores e BC’s. As autoridades monetárias sentiram-se atrás da curva e com uma necessidade de atuar de forma vigorosa, sinalizando que vão garantir a estabilidade de preços “custe o que custar”.

Aumentou assim a probabilidade de um abrandamento económico, possivelmente recessivo. Mais preocupante, aumentou o risco de uma travagem brusca da economia, caso estas subidas de taxas realizadas e anunciadas se venham a concretizar e a revelar-se excessivas.

Neste momento, o cenário mais desejável do ponto de vista dos bancos centrais seria um abrandamento económico ou recessão leve, mas suficiente para esvaziar pressão inflacionista. Neste cenário, a redução da atividade económica conduz a um arrefecimento do mercado energético, dos transportes e os valores de inflação mostram uma clara tendência de reversão. Neste caso, os BC’s poderiam ir afinando a política monetária, tendo feito o grande ajuste no passado recente, e podendo não concretizar todos os aumentos de taxas já descontados no mercado e/ou lançando novas medidas de mitigação dos danos. Nessa fase, os mercados acionistas e de risco de crédito desempenham bem, mas o risco de taxa de juro permanece pouco atrativo.

Alternativamente, dentro de alguns meses podemos deparar-nos com uma combinação de desemprego mais elevada e inflação ainda elevada. Nesse momento será crucial interpretar qual será a função de reação dos BC’s para se identificar o leque de ativos que melhor se poderão comportar.

Os BC’s podem optar por reestimular a economia com inflação ainda acima do objetivo. Essa decisão evitaria a dor no curto prazo, mas passaria uma mensagem errada, que poderia levar a uma ancoragem das expectativas de inflação num patamar superior. Esta decisão conduzirá a taxas mais elevadas e prémios de risco superiores, nos prazos mais longos. Os metais preciosos e as obrigações ligadas à inflação seriam ativos a considerar.

Caso os BC’s optem por continuar com política monetária restritiva até garantir que inflação se realinha com o nível do seu mandato, poderão provocar uma crise económica mais longa e mais profunda. Neste cenário, o risco de crédito será pouco apelativo enquanto que as obrigações soberanas de prazos mais longos voltam a ser refúgio.

Fundo de investimento recomendado

O atual contexto está repleto de eventos complexos que deverão manter a volatilidade elevada nas várias classes de ativos. A subida das taxas de juro faz com que, ceteris paribus, a avaliação dos ativos seja mais baixa em que aqueles com maior duration acabam por ser mais penalizados. Adicionalmente, a subida de inflação fará com que se venha a descobrir os negócios com pricing power.

Somando os dois argumentos, o investimento em obrigações de elevada qualidade com maturidades curtas parece-nos uma boa forma de preservar capital a fim de explorar oportunidades futuras criadas pela geopolítica.

Apesar das yields-to-maturity estarem hoje positivas, a inflação é ainda mais elevada fazendo com que a taxa de juro real seja negativa. Todavia, o investimento em maturidades curtas significa que à medida que a inflação possa continuar o seu caminho ascendente, o investidor em pouco tempo possa fazer o reinvestimento com taxas de juro mais elevadas. Os fundos BlackRock GF Euro Short Duration e Carmignac Sécurité são instrumentos adequados para representar esta classe.

Na componente acionista, as nossas preferências recaem em gestores com um viés para qualidade e empresas menos cíclicas, pelo que tendemos para fundos como: Morgan Stanley IF Global Brands e também o Fundsmith Equity.

Para os fundos mistos, preferimos aqueles com mandatos amplos tanto ao nível de classes, como de sub-estratégias que permitam ter também exposição curta. Isto remete-nos para os fundos alternativos de alocação macro.

Temas de investimento onde procuram alternativas

O atual contexto é terreno fértil para fundos macro. Este tipo de fundos costuma ter poucas restrições ao seu posicionamento e a crescente volatilidade traduz-se num crescente universo de oportunidades. Muitos fundos macro desapareceram na última década pela falta de assimetrias macroeconómicas entre vários blocos e reduzida volatilidade e, portanto, é necessário encontrar aqueles que conseguiram sobreviver com um bom histórico de desempenho. Temos estado satisfeitos com o desempenho do Ruffer Total Return International desde longa data, mas continuamos a procurar gestores neste espectro.