Depois do artigo sobre o efeito placebo dos TLTROs e no seguimento da última reunião do BCE, Jorge Silveira Botelho, CIO da BBVA AM Portugal, aconselha os investidores a não subestimarem a entrada da luz num quarto escuro.
Todos nos lembramos de brincar ao quarto escuro. Era a típica brincadeira simples de quem não tinha muitas opções e juntava uns amigos da escola em casa. Ficávamos dentro de um quarto da casa, apagávamos a luz e depois alguém entrava de olhos fechados e fechava a porta. Depois deslocava-se na escuridão à nossa procura, na esperança de conseguir agarrar e reconhecer alguém. Na altura não havia pokemons para apanhar, mas tratava-se de uma brincadeira económica, virada para a sustentabilidade, onde até na eletricidade se poupava.
Na conferência de imprensa da semana passada, Mario Draghi fez uma alusão ao quarto escuro, não propriamente ao jogo em si, mas usando o ambiente de um quarto escuro para caraterizar metaforicamente a forma como deve ser conduzida a política monetária nos tempos em que vivemos:
- “…Num quarto escuro, nós movemo-nos com passos pequenos, não corremos…”
Não tendo sido esta afirmação uma crítica a Jerome Powell, na verdade é bem apropriada, na medida em que no ano passado o presidente da FED predispôs-se a correr num quarto escuro, até ser precipitadamente barrado pelos mercados financeiros…
Mas se Powell pecou por querer andar depressa de mais no quarto escuro, Draghi pode acabar por pecar por querer mover-se devagar demais. Tal como Powell, Draghi parece ter caído num anacronismo, não propriamente por fingir que só agora é que os riscos surgiram de repente para assombrar o ciclo económico, como fez Powell, mas por ter feito exatamente o oposto, ou seja, por ter escurecido em demasia o quarto, mais do que ele já estava. Esta postura não é necessariamente negativa, contrariamente à inconsistência ou leviandade de Powell, que ainda tem uma mentalidade de que o ciclo económico global roda sobre a economia americana e sobre o valor do dólar, algo que já não é verdade há algum tempo e que vai acabar por se tornar numa evidência.
Mario Draghi teve sempre a noção plena que os atuais riscos económicos, quer pela sua complexa granularidade geopolítica, quer pela sua capacidade de transmissão global, são assimétricos. Nesse sentido, a única forma de lidar com eles é pecar por excesso de zelo, ser preemptivo e não reactivo…
Há mais de dez anos que vivemos na Europa num quarto com pouca luz, onde por vezes a escuridão adensa-se. Mas a grande maioria dos agentes económicos já está semi-anestesiada. Volta e meia sabem que para prosseguirem com a sua atividade têm de brincar ao quarto escuro, relativizando assim os fatores que não controlam.
Mas voltando à reunião do BCE da semana passada, Mário Draghi anunciou a introdução, já para setembro, dos instrumentos de financiamento ao sistema financeiro, os novos TLTRO’s (operações que se estenderão até março de 2021 e terão maturidade de dois anos), com o objetivo de garantir e descongestionar as necessidades de refinanciamento da banca, abrindo espaço para uma importante compressão de spreads, o tal efeito placebo do TLTRO’s. No entanto, quanto à subida de taxa de depósito, o BCE adiou a decisão, mantendo a taxa inalterada pelo menos até final do ano, ao mesmo tempo que reviu em baixa o crescimento este ano para 1,1%. Contudo, ao fazer uma especial ênfase, sobre os riscos não controláveis, como o protecionismo, a China e o Brexit, fica em aberto que a resolução de um destes temas nos próximos tempos pode consubstanciar a realização do forward guidance.
Não é preciso andar muito distraído para perceber que nos últimos tempos, depois da escuridão do final do ano passado, alguns raios de luz ténue têm penetrado no quarto escuro. Apesar do desconforto agonizante do Brexit, a aferição dos riscos e dos diferentes cenários está melhor enquadrada, enquanto os temas do protecionismo e da China, aparentemente parecem melhor encaminhados. Ainda estamos longe de presenciar uma luz radiosa, mas é suficiente para não se ignorar a luminosidade de que o efeito placebo dos TLTRO’s pode trazer ao ciclo económico europeu. Este adiamento de um trimestre da subida da taxa de juro de depósito, pode mesmo ser o último…
Moral da história: Quem quiser brincar ao quarto escuro não corra, mas também não subestime a entrada da luz, porque pode ser facilmente apanhado!