Chart of the Week - Don’t Look Up

Tiago Rabaça
Tiago Rabaça. Créditos: Vítor Duarte

O Chart of the Week é da autoria de Tiago Rabaça, analista na Millennium bcp – DWM.

As primeiras notícias de 2023 sobre a inflação na Zona Euro parecem à primeira vista encorajadoras: por exemplo, em Espanha vimos uma desaceleração de 6.7% para 5.6%, e na Alemanha um abrandamento de 11.3% para 9.6%. 

Discutivelmente, as boas notícias acabam exatamente aí. Os números que fazem manchetes referem-se à inflação headline. No entanto, um olhar mais atento sobre os mesmos dados revela que esse abrandamento foi justificado sobretudo por quedas nos preços da energia; de maneira notável, a inflação core (exclui energia e alimentação) em Espanha disparou de 6.3% para 6.9% – sugerindo que os efeitos de segunda ordem são agora dominantes. Na Alemanha, os detalhes apontam para uma dinâmica similar, enquanto que para a Zona Euro teremos os números em breve para confirmar – ou não – este caminho divergente entre inflação headline e core (sendo esta última a mais relevante para o BCE).

Ao longo de 2023, devemos continuar a assistir a um arrefecimento da inflação headline – ainda que o caminho possa não ser tão direto quanto por vezes julgado, já que a passagem dos preços de mercado da energia para os preços da eletricidade pagos pelas famílias está longe de ser linear. Ao mesmo tempo, parece existir um risco considerável de que a inflação core na Zona Euro continue desconfortavelmente elevada – sendo difícil perspetivar o seu pico, julgando pelas pressões intensas que ainda parecem estar no pipeline dos preços dos produtores (core PPI) após choques consecutivos na oferta. De maneira importante, uma eventual recessão na Europa pode fazer pouco para aliviar este pass-through de produtores para consumidores – o ressurgir da inflação na Europa foi um fenómeno essencialmente supply-driven, ao contrário dos Estados Unidos onde foi maioritariamente demand-driven.

Eventualmente, todos os choques são transitórios. No entanto, quanto mais tempo a inflação core se mantiver superior ao target, maior o risco de que as expetativas de inflação possam deixar de estar bem-ancoradas (sendo este um dos principais drivers da inflação no longo-prazo). Assim, será importante monitorizar a magnitude das atualizações de preços no início do ano, eventuais acordos coletivos salariais acima do esperado, e a evolução das expetativas de mercado para a inflação de longo-prazo (os 5Y5Y Inflation Breakevens para a Zona Euro não estão longe dos respetivos máximos históricos; testando esses níveis, podem surgir dúvidas sobre quão bem-ancoradas estão, de facto, as expetativas de inflação).