Crazy Ivan…

Jorge_Botelho_BBVA
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O “Crazy Ivan” era uma manobra brusca usada pelos submarinos soviéticos durante a IIª Guerra Mundial para limpar o rasto dos seus defletores, a fim de se certificarem que não estavam a ser seguidos. A natureza súbita das correções dos mercados acionistas está muitas vezes associada também a uma “limpeza”, ou melhor, a uma aferição sobre o grau de confiança do investidor sobre os seus investimentos.

Na verdade, deparamo-nos frequentemente com investidores com posições em determinados ativos, simplesmente porque estes ativos se valorizam e não porque tenham a mínima ideia sobre o valor intrínseco do que estão a comprar, deixando-se fascinar pelo status que está associado a uma marca ou simplesmente são assoberbados pelas diferentes fraquezas da natureza humana. Já assistimos a este fenómeno em várias correções dos mercados financeiros nos últimos anos, tendo sucedido também com o preço do ouro em 2012 e no ano passado com as bitcoins.

Nas últimas semanas, assistimos a um “Crazy Ivan” nos mercados acionistas e presenciámos uma correção generalizada das bolsas mundiais. A razão de fundo subjacente a esta correção, está sobretudo associada à existência de algumas métricas financeiras de determinados setores nos EUA, designadamente o setor tecnológico que dificilmente são compatíveis com o pico do ciclo económico americano. Se esta é a realidade para alguns setores de atividade, esta situação não é extensível à grande maioria dos setores nos EUA, nem tão pouco às métricas que estão subjacentes aos outros mercados acionistas mundiais. Por outro lado, temos de enquadrar os efeitos negativos das tensões comerciais, porque para já são contidos e circunscritos, tendo sido a mudança de nome do acordo do NAFTA para USMCA, a maior operação de cosmética desta guerra comercial…

Temos de ter sempre presente que o atual ciclo económico é especialmente caraterizado pela sua durabilidade e pela ausência de sinais de sobreaquecimento. De facto, os riscos inflacionistas encontram-se muito mitigados em face de fatores estruturais como a desigualdade, a digitalização, a demografia e o excesso de dívida. O processo de normalização das taxas de juro reais de longo prazo nos EUA está praticamente terminado, com as taxas de juro reais de longo prazo implícitas na curva de rendimentos a situarem-se na vizinhança de 1%, enquanto que nas outras economias desenvolvidas o processo de normalização ainda se encontra numa fase muito incipiente. Por outro lado, o risco financeiro nunca foi tão escrutinado, e cada vez mais assistimos a uma coordenação eficaz entre os Organismos Internacionais, os Estados e os Bancos Centrais. A prova disso mesmo, advém do facto que esta correção nos mercados acionistas não produziu um recrudescimento digno de registo do risco sistémico, normalmente associado à valorização dos ativos de refúgio e ao alargamento dos spreads de risco de crédito.

Por fim, um pequeno apontamento sobre o comportamento dos mercados acionistas europeus em que os investidores ainda olham para a Europa como se esta fosse “a Caixa de Pandora do mundo”. Os investidores continuam sistematicamente a sobrevalorizar os riscos políticos e subestimam a durabilidade e a resiliência do atual ciclo económico europeu. O projeto europeu está cada vez mais sólido ao fim de quase 20 anos de existência do Euro, com a União Bancária a ganhar um novo ímpeto e sendo visível o espírito de uma maior partilha de riscos. Por essa razão, o Brexit está-se a tornar acima de tudo num problema interno da classe política inglesa, com esta a dividir-se entre um soft Brexit e um segundo referendo, enquanto em Itália, o ruído tem cada vez mais um cariz idiossincrático, onde o autoflagelamento da classe política italiana tem tido um efeito de contágio muito mitigado, visível nas condições creditícias e nos spreads de risco crédito soberano dos restantes países periféricos.

É por isso que vai sendo tempo de deixar de perseguir freneticamente o “Crazy Ivan” e voltar à superfície, onde temos uma vista muito mais desafogada e normalmente conseguimos ver muito mais longe...