João Abrantes, do departamento de Asset Management do ITIC – ISCTE Trading & Investment Club, analisa o atual ambiente macroeconómico.
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TRIBUNA de João Abrantes, membro de Asset Management do ITIC – ISCTE Trading & Investment Club.
Num ambiente onde fazer dinheiro aparenta ser fácil, com os principais índices a gerar +15% de retorno nos últimos três anos ou +120% desde março 2020, a realidade não é tão animadora como parece. Concretamente, o S&P 500 teria retornos desanimadores em 2021 caso as GAMMA+ (Google, Apple, Microsoft, Meta, Amazon + Tesla, Nvidia) não constituíssem 31% de toda a capitalização deste índice, contribuindo em 41% do retorno total observado do índice. Afinal, onde está a diversificação? Outros indicadores apontam para sinais alarmantes observados à priori de uma grande correção nos mercados como o Shiller PE ratio apenas atrás da bolha de 2000 e o indicador de Buffett em 211%, estando este 64% acima da média de longo prazo. Após o começo turbulento dos mercados financeiros, em 2022, é de notar a clara falta de apetite ao risco (risk-off), fomentado pela acumulação de headwinds que se transformaram dos tailwinds que, anteriormente, elevaram esses mesmos mercados em 2021 para novos máximos e valuations estratosféricas.
Não obstante, o que não estava priced-in no sentimento dos mercados era a súbita mudança no guidance pela Fed com a revelação da possibilidade de ocorrer quantitative tightening, simultaneamente com o aumento das taxas de intervenção. Wall Street não surpreendeu, destacando-se com as suas taper tantrums (stress pós-traumático após 2013 e 2018), lideradas pelo aumento de 50% para 90% nas probabilidades das taxas de intervenção aumentarem já em março. Estas probabilidades derivadas dos casinos glorificados a que chamamos de futures, forwards, swaps, options serviram para provocar uma deslocação vertical positiva ao longo da yield curve americana e, seguidamente, um repricing nos ativos de risco, dados os novos prémios de risco.
A lua de mel acabou
O casamento perfeito entre a política fiscal e monetária levado a cabo entre 2020-2021 não foge às estatísticas e (in)felizmente está em processo de divórcio. Por um lado, o estímulo fiscal está previsto para incentivar somente 1,5-2% de todo o PIB americano, já a partir do último trimestre deste ano, caindo gradualmente do pico de 8% no início de 2021. Por consequência, assim que os apoios acabarem, uma grande parte do consumo subsidiado pelos mesmos também não ficará ileso, pondo em risco a economia, que subsiste à base da manutenção e crescimento desse consumo. Por outro, com a chegada inevitável do quantitative tightening e, categoricamente mais importante ainda, a contração das condições financeiras pelo aumento das taxas, a política monetária torna-se hawkish num possível ponto de inflexão macroeconómico, será este o maior policy error na história? É surpreendente a quantidade de vezes que o planeamento central fica atrás da curva sendo forçado a reagir mais vezes do que planear. Vastas quantidades de liquidez em excesso serão retiradas da base monetária, sem se saber ainda se ocorrerá através de um run-off ou da venda em open market do balanço da Fed, sendo o último o pior cenário possível para os mercados financeiros.
Seguidamente, o aumento das taxas de juro irá incapacitar orçamento de governos e a forma de os financiarem, aumentar os custos das empresas relacionados ao serviço das dívidas obrigando-as, ou a aumentar os preços, ou cortar custos para manter as margens e obrigará investidores a diminuir a exposição à alavancagem dada a relação retorno/risco deteriorar, ceteris paribus. Em suma, o outlook para 2022 não é animador na maioria dos indicadores económicos e forças de mercado, pondo-se na mesa um crash à realidade, dada uma provável contração das avaliações por múltiplos quer seja pelos motivos supramencionados, quer pela dificuldade em manter ou melhorar a performance YoY, porque quando os mercados esperam ótimo, bom não é bom o suficiente. Poucos setores têm hipóteses de se aguentarem às rotações de mercado que se devem suceder, contudo, onde há perdedores haverá certamente vencedores como serviços financeiros e energias, setores com margens de contribuição 90-100%.
Cortar a perna esquerda ou a direita?
Com os mid-terms no horizonte, a pressão política virou as costas publicamente a Wall Street: “A Fed deve garantir que a nossa economia funciona para os trabalhadores e para as suas famílias, e não para Wall Street", disse recentemente um Democrata de Ohio. Que escolherá a Fed: subjugar a inflação ou continuar a acomodar os mercados? Fica no ar se consegue ver-se livre de três-cinco subidas nas taxas de intervenção para combater a inflação sem causar uma crise de crédito e/ou uma correção catastrófica nos mercados, quando lhe são cortados o ópio Keynesiano que chamamos de quantitative easing. Futuramente, estar atento à evolução dos OIS poderá prever possíveis intervenções de emergência.
Apesar disso, existe ainda o risco de a Fed habilitar uma crise de crédito análoga à que gerou a Grande Recessão em 2007, dado o aumento desmedido de alavancagem no sistema, tornando-o incomensuravelmente mais sensível às mudanças nas taxas de juro. A Fed, todavia, usufrui de 1,5-2 triliões de dólares de reservas excedentárias em Reverse REPOs. No curto prazo, a FED poderá reduzir o seu balanço até 2 triliões de dólares sem afetar diretamente os net flows nos mercados se, simultaneamente, forçar essas reservas de volta para o sistema. No médio-longo prazo, no entanto, basta olhar para o Japão. A história não se repete, mas rima.