“Dear Panda…”

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Vítor Duarte

Querido Urso Panda, 

Finalmente acordaste e denunciaste o teu mau humor matinal que muitos ainda não conheciam. Rugiste bem alto e em bom som e esvaziaste rapidamente a bolha especulativa que assolava o teu país e que a todos tanto incomodava. Foi também estranho verificar que o teu despertar tão estremunhado tenha prematuramente acordado tantos ursos pardos por este mundo fora, que aparentemente estavam em hibernação, há tanto tempo… 

Infelizmente, estes não se aperceberam que o teu tempo era diferente do deles, nem tão pouco entenderam que estás a preparar os trilhos e a delimitar o terreno de caça para que eles não se percam no caminho e possam conhecer melhor os terrenos que pisam.

Obviamente que os teus primos espartanos do norte, os ursos polares, nem se mexeram! Habituados que estão às provações das terras inóspitas, sabem que as energias não podem ser desperdiçadas tão futilmente, mas desafortunadamente também por lá não existem muitos mercados onde se possa investir... 

O problema agora é que os ursos pardos, a população sempre mais ruidosa, ficaram desassossegados e não conseguem voltar a adormecer. Limitam-se a vaguear efusivamente sem uma direção conhecida, rugindo e gemendo na pradaria, onde os lagos ainda não descongelaram totalmente e não se antecipa que a estação das chuvas que se avizinha, seja muito menos intensa que nos períodos anteriores. 

Felizmente que de sede nenhum animal vai seguramente morrer e quem esperar corretamente pelo seu tempo, terá a oportunidade de se alimentar devidamente, porque a água continua a fertilizar os solos. Mas como tudo na vida, existem fases do seu ciclo em que há que saber viver o dia-a-dia, prevendo que os dias poderão ser anormalmente longos… 

Tal como tu, meu querido Panda, há que ter muita paciência, uma boa capacidade de introspeção e perceber que os fundamentos que nos guiam são muito mais fortes e sustentados do que aqueles que professam os ensonados ursos pardos, que acordaram em sobressalto e fora de tempo. Em face de escasso alimento, estes procuram agora furiosamente alimentarem-se do ar que os rodeia. Não nos deixemos pois, impressionar com os seus soluços… 

Já todos sabemos há muito tempo, que é preciso ter uma certa abertura de espírito quando analisamos as estatísticas do teu país, como é o caso do assertivo PIB publicado tão atempadamente no princípio de cada trimestre e sempre sem ser sujeito a revisões posteriores, bem como a eterna taxa de desemprego na vizinhança dos 4%, entre outros... Mas o importante é que quando falamos da tua China, é preciso analisar as tendências de vários indicadores macro e micros para tentar medir melhor o pulso à economia. 

Uma das mais importantes e recentes tendências tem sido a recuperação do mercado imobiliário, um factor que condicionou muito o comportamento da economia e que foi uma das maiores ameaças à solvabilidade do sistema financeiro chinês.

Uma outra tendência a ter em conta é o bom comportamento do setor dos serviços na China, que de certa forma, tem atenuado o impacto corrosivo do excesso de capacidade gerado pelo setor industrial na economia. No entanto, é bom também ter presente que demasiado endividamento associado a este excesso de capacidade, não se encontra no setor privado, mas está sim concentrado no setor empresarial do Estado, que se encontra num processo importante de reestruturação, não constituindo por isso um risco adicional para o sistema financeiro, nem para a economia. 

Um outro aspeto relevante são as dinâmicas do consumo privado na China, que continuam fortes e o mercado de trabalho que apesar de registar uma desaceleração no crescimento dos salários, continua a absorver mão-de-obra. 

Estima-se que o impacto da queda do mercado acionista no consumo seja marginal, uma vez que a exposição das famílias representa pouco mais do que 5% do total das poupanças chinesas, estando concentradas em depósitos e no mercado imobiliário. 

Dito isto querido Panda, ninguém tem dúvidas que a economia por onde pernoitas vai continuar a desacelerar, mas a questão de fundo a reter é que o ritmo dessa desaceleração não se vai agravar, sendo que o espaço de intervenção das autoridades chinesas para assegurar que isso não suceda, tanto ao nível fiscal como monetário, continua a ser um fator de inveja para muitos e deveria ser um fator de respeito para outros. 

A propósito de respeito, tenho tido notícias do teu outro primo do norte, o Ursus Americanus. Este grande urso negro parece que se agigantou de novo com o já “enjoativo” tema da subida das taxas de juro da Reserva Federal Americana. Tens que ter paciência e falar com ele, explicar-lhe que já tanta tinta foi gasta com esse tema, que no final quando essa subida se materializar a montanha parirá um rato… Ele que se poupe! Talvez a ti ele te oiça, mas atenção, não deixes que o teu governo comece a querer manipular de novo o mercado acionista, porque essas coisas o urso negro não tolera e passa a noite em branco com a cabeça a andar às voltas. É bom que o teu governo se mantenha quieto e coloque a tentação de lado, pois essa é a maneira segura do Ursus Americanus voltar mais rapidamente para a toca

Ainda me vou rir quando chegar em breve o dia de glória da Reserva Federal Americana, que vai ser o maior choque da vida do grande urso negro. Aí vamos ter a prova tangível de que as dinâmicas da economia não só toleram, como agradecem taxas de juro acima de zero e que em última análise ajudam a “suster” as expetativas de inflação de longo prazo. A deflação já não é uma ameaça presente na economia americana, em que a inflação core segue firme acima de 1,5% desde meados de 2011, sendo que agora a taxa de desemprego está em mínimos dos últimos 7 anos e os salários crescem a cerca de 2,85%, em termos anualizados, nos primeiros 8 meses deste ano. O Americanus ainda não compreendeu que a recuperação dos salários e dos preços das casas estão a materializar uma efectiva e desejada redistribuição do rendimento, devolvendo um fulgor próprio às dinâmicas da procura interna. 

Por cá, o urso pardo europeu manda-te cumprimentos, mas coitado anda meio perdido como sempre... Parece-me pouco habituado a nadar nestes lagos mais cheios e ainda não percebeu que a economia europeia está de novo a ter capacidade de olhar para dentro de si. Finalmente aconteceu, os crescimentos dos PIB nominais e o alcance de superavits primários em muitos dos Estados Membros, induzem a materialização da redução natural da dívida pública sobre o PIB, abrindo espaço para uma política fiscal materialmente positiva e dinamizadora para a economia. 

No entanto, continuamos com um problema estrutural ainda para resolver e aqui vou precisar da tua ajuda porque já não sei o que fazer e o nosso “feiticeiro” Mário já não pode inventar muito mais. Nestas terras há um culto qualquer estranho que ainda não entendi muito bem. Há muitos personagens que não são ursos mas portam-se como tal. Creio que deve ter a ver com carências afetivas que vêm de outros tempos. Muitos ainda têm um espírito pouco maduro e, talvez por isso, ainda dormem agarrados a um peluche… por aqui, proliferam ursos de peluche, sendo o mais famoso, um inglês a que chamam “Paddington”, conheces? 

Bem meu querido, tenho que ir, não te tomo mais tempo. Vou ficar atento aos próximos desenvolvimentos, mas creio que o teu trabalho está feito e por isso acho que também chegou a hora de tu pensares em ir descansar. Acabou por ser tudo muito intenso e tenho dúvidas que a bolha que tu sabiamente esvaziaste, venha a inchar de novo tão cedo. Mas não te preocupes, ninguém se vai esquecer de ti, se alguém por aqui tiver saudades, recomendo-lhe que veja aquele filme do Panda Kung Fu que me parece bastante adequado. 

Adeus e até breve, mas não muito…