Desaceleração na recuperação da Zona Euro?

Sixty_Degrees
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(Artigo de opinião assinado pela equipa da Sixty Degrees)

Desde julho que temos vindo a descortinar alguns sinais de desaceleração na retoma económica da Zona Euro, o que a confirmar-se será motivo sério de preocupação uma vez que o nível do PIB ainda se encontra muito longe do valor anterior à pandemia. Por outro lado, um abrandamento no ritmo de recuperação num contexto de elevados estímulos monetários e fiscais torna-se ainda mais perturbante. De recordar que o Banco Central Europeu (BCE) aumentou o seu balanço para 55% do PIB da Zona Euro, em agosto de 2020, o que compara com cerca de 33% para a Reserva Federal e 32% para o Banco de Inglaterra. Ao mesmo tempo,  o BCE mantém em vigor a política de taxas de juro negativas e está a ser aplicado um pacote fiscal equivalente a quase 10% do PIB da Zona Euro.

De  forma  a  compreender  uma  eventual  fraqueza, ao  nível  da  retoma, importa  relembrar  que  as  medidas  de  confinamento  vieram  a revelar-se  muito  gravosas  para  o  tecido  empresarial  das  pequenas  e  médias  empresas,  muitas das quais não sobreviveram ou não sobreviverão a este período. Por outro lado, é preciso recordar que os estímulos implementados  após  a  crise  financeira  global, de 2008/9,  provocaram  um  excesso  de  capacidade  em  muitos setores denominados estratégicos, os quais passaram a ser compostos por empresas zombie, dependentes das baixas taxas de juro e da elevada liquidez disponível. 

Uma vez mais, os estímulos monetários recentemente anunciados também não deverão ser a solução eficaz para a   atual crise. A maioria das empresas que estão a falir não o fazem devido à incapacidade de aceder ao crédito, mas sim porque o nível de vendas registado, mesmo após a reabertura, não permite de todo a manutenção dos custos operativos crescentes e das exigências de pagamento de impostos. 

Apesar  da  situação  acima descrita,  parece  existir  alguma  esperança  de  melhoria  quando alguns países,  como a França, começam a reconhecer que a crise atual vai exigir a tomada de medidas do lado da oferta, nomeadamente a  implementação  de  reformas  ao  nível  dos  impostos  e  da flexibilização  regulatória  que  permitam  atrair investimento,  emprego  e  melhorar  a  competitividade.  Este  tipo  de  reformas  estruturais  são  urgentes,  mas,   até agora, a  Zona  Euro  continua  a  usar a  política  monetária  como  uma  desculpa  para  não  levar  a  cabo  a  sua  implementação.

No segundo trimestre do ano, o PIB da Zona Euro recuou 11,8%,  em base trimestral, após uma queda de 3,7% no primeiro trimestre. Embora a redução do consumo das famílias tenha sido o principal fator explicativo, a verdade é que o recuo do investimento e das exportações líquidas também foi significativo. Após esta queda tão abrupta seria    de esperar uma longa recuperação por forma a conseguir repor o fosso de 21% criado ao nível do investimento e de 16% no consumo,  face aos valores anteriores à pandemia.

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Para percebermos quais os sinais de desaceleração que temos vindo a observar, passamos a uma breve análise de alguns indicadores entretanto divulgados.

O PMI compósito da Zona Euro diminuiu para 51,9, em agosto, versus 54,9, em julho.  A atividade no setor de serviços registou um abrandamento significativo, com o PMI Serviços a diminuir para 50,5, em agosto, versus 54,7, em julho. Segundo a IHS Markit, as empresas de serviços, na Zona Euro, registaram, em agosto, uma travagem na sua atividade, aumentando assim o receio de que a retoma após confinamento tenha começado a desvanecer-se devido às regras de distanciamento social ainda em vigor. Os maiores focos de fraqueza tiveram lugar em Espanha e em Itália, onde o PMI Serviços recuou para 47,7 e 47,1, respetivamente, abaixo da linha de água (dos 50) que define o patamar de continuação da recuperação. Em termos do indicador em geral, as novas encomendas estão a registar um crescimento lento e a procura de exportações permanece fraca.

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As vendas a retalho na Zona Euro diminuíram  1,3%, no  mês  de  julho, face  ao  mês  anterior,  quando  em  junho  tinham apresentado um crescimento mensal de 5,3%. Em termos de países, os maiores recuos foram registados na Alemanha, na Bélgica e na Holanda. Em termos setoriais, destaca-se pela negativa a diminuição mensal de 10,6% nas vendas de vestuário e  de 7,7%  nas  compras  online.  Tal como se observa no  gráfico  abaixo,  após  uma  recuperação  em  V,  as  vendas  a  retalho  apresentam  agora sinais  de  abrandamento  significativo,   em  termos  de  variação mensal.

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Ao contrário dos EUA, o desemprego continua a aumentar na Europa. Apesar do mês de julho ter sido marcado pelo levantamento adicional das medidas de confinamento, a taxa de desemprego na Zona Euro agravou-se para 7,9% versus 7,7% no mês anterior. É verdade que o desemprego se mantém em níveis considerados historicamente baixos, no entanto, tal como se pode observar no gráfico abaixo, estamos perante uma tendência de deterioração. 

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De  salientar  que  o  suporte  governamental  ao  nível  dos  programas  de  layoff deverá  diminuir  ao  longo  dos próximos 6 a 9 meses, tornando previsível a continuação do aumento do desemprego na Zona Euro, uma vez que as empresas poderão vir a prescindir de uma parte dos seus trabalhadores. No limite, devemos questionar até que ponto é que a atual recessão poderá provocar uma perda permanente na dimensão da força de trabalho e, como tal, da capacidade produtiva europeia futura. Será que os indivíduos que se vierem a confrontar com uma situação de desemprego de longa duração (mais de 2 anos), terão capacidade para voltar a ingressar no mercado laboral?

Por seu lado, a inflação na Zona Euro, no mês de agosto, foi negativa, algo que já não acontecia desde maio de 2016.  A  taxa  de  inflação  caiu para -0,2%,  em  agosto, versus 0,4%,  em  julho.  A  inflação  Core  diminuiu  0,8pp  para  0,4%, em agosto, versus 1,2%,  em julho. O mês de julho tinha sido positivamente influenciado pelo adiamento dos saldos em Itália e em França, o que impulsionou a inflação da componente de vestuário, sendo por isso expectável uma  correção  em  agosto.  Por  outro  lado,  o  governo  alemão  reduziu  temporariamente  o  IVA,  de  19%  para  16%,  levando a cabo também uma descida deste imposto, de 7% para 5%, nos bens de primeira necessidade. As novas taxas de  IVA  estarão  em  vigor  durante  a  segunda metade de 2020.  A  redução  do  IVA  na  Alemanha  terá  tido  um  contributo  negativo,   de  0,2pp,   para  a  inflação  Core  da  Zona  Euro,   em  agosto,  algo  que  irá  persistir  até  janeiro  quando o corte for revertido.

Apesar destes fatores mais técnicos, importa salientar que a inflação no preço dos serviços recuou efetivamente para 0,7% versus 0,9%,  em julho. Se tentarmos isolar os fatores de maior volatilidade, a taxa de inflação Core  na  Zona Euro parece estar de facto a abrandar, o que poderá levar o BCE a recuar um pouco na mensagem comunicada após a  sua  última  reunião.  De  recordar  que  a  Presidente  Lagarde  não  se  mostrou  preocupada  com  os  dados  de  inflação  de  agosto  e  afirmou  que  não  estaria  a  planear  aumentar  o  programa  PEPP.  A  evolução  dos  dados  de  inflação até dezembro será crucial para o rumo de ação do BCE.

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Durante o confinamento, o  excedente  da  balança  comercial  de  bens  da  Zona  Euro,  ajustado de efeitos sazonais, praticamente  desapareceu,  tendo  passado  de  25,0  mil  milhões  de  euros,  em  fevereiro,   para  0,9  mil  milhões  de  euros,  em  abril.  No  entanto,  apesar  de,  em  julho,  esse  excedente ter  sido recuperado  para  20,3  mil  milhões  de  euros, este valor ainda esconde a fraqueza vigente. O valor somado de exportações e importações ainda se situa 12% abaixo do nível anterior à crise. Até julho, as exportações para os EUA e Reino Unido ainda apresentavam quedas  de  10%  e  21%,  respetivamente.  A  incerteza  em  torno  do  desfecho  do  Brexit  traz  ainda  riscos  acrescidos  para a evolução do excedente comercial da Zona Euro com o Reino Unido.

Relativamente à evolução da pandemia, é de realçar que os novos casos verificados na Europa voltaram a aumentar, desde meados  de  julho,  no  que  se  entende  poder  ser  o  início  da  segunda  vaga da  pandemia.  A  incidência  deste  acréscimo de casos tem tido lugar sobretudo em Espanha e em França, embora também estejam a aumentar, mas mais lentamente, na Alemanha, em Itália e na Bélgica. Em França, o aumento das hospitalizações levou ao apertar do  nível  de  restrições,  com  as  primeiras  infeções  entre os  mais  jovens  a  despoletarem  o  contágio  dos restantes membros da família. De qualquer forma, o número de mortes diárias, verificadas no continente europeu, situam-se perto dos 100 casos, acima dos 30 registados no final de julho, mas ainda muito abaixo do pico de 3000 mortes diárias, registado em meados de abril.

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Em suma, nos últimos meses,  têm sido divulgados alguns indicadores económicos que parecem apontar para uma desaceleração na retoma europeia, situação que continuaremos a monitorizar de perto para antecipar o seu reflexo sobre  os  mercados  financeiros. Não  podemos  deixar  de  alertar  para  a  necessidade  urgente  de  implementar  reformas estruturais que permitam sair desta crise de forma mais vigorosa, evitando ao mesmo tempo os custos de uma estagnação económica causada por níveis excessivos de dívida e de gastos do Estado.