Do novo normal ao normal de novo?

Rui Alpalhão
Rui Alpalhão. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Rui Alpalhão, presidente da FundBox Holdings e professor no Instituto Universitário de Lisboa.

O ano que se aproxima do fim foi um ano de transição, de uma conjuntura com taxas de juro muito baixas, políticas monetárias acomodatícias e inflação reduzida, para uma conjuntura com taxas de juro mais altas, políticas monetárias hawkish e inflação a níveis registados pela última vez na década de setenta. Esta transição fez-se sob o impacto conjugado de fatores altamente disruptivos: a invasão da Ucrânia pela Rússia e a disrupção das cadeias de abastecimento globais criada pela pandemia de COVID-19, geradora de uma recessão tão curta quanto severa que criou uma legião de arautos de um novo normal imperfeitamente definido. 

A inflação e as políticas monetárias

Estes dois fatores provocaram uma subida rápida da inflação, de níveis persistentemente baixos, e abaixo dos objetivos de longo prazo dos grandes Bancos Centrais, para valores não vistos desde os anos setenta, e, portanto, nunca vistos por grande parte dos atuais intervenientes nos mercados financeiros. Mais do que o mítico novo normal, tivemos uma dose intensa do velho normal, servido de novo.

A coincidência destes fatores disruptivos provocou uma inversão das políticas monetárias, trazendo as taxas diretoras para cima num curto espaço de tempo e criando um alto potencial recessivo, eventualmente com regresso da estagflação, termo introduzido nos idos de 1965 que indica um mal que não vem só, com a recessão a fazer-se acompanhar de inflação. A resposta a esta conjuntura, e a uma série de fatores específicos (regionalização das cadeias de distribuição em resultado de um mundo mais polarizado, busca da eficiência climática e da sustentabilidade, recomposição das fontes de energia) exigirá elevadas despesas de capital, paradoxalmente logo após a reversão de uma década de capital barato, que não foi canalizado para investimento produtivo, mas para aplicações em títulos líquidos e de baixo risco.

Sistema bancário

Paradoxalmente, o sistema bancário entra no potencialmente aziago novo ano numa posição relativamente sólida. Em termos de efeito preço, as margens financeiras subirão, ainda que haja motivos para preocupação quanto ao efeito quantidade, na medida em que os mutuários sofrerão com o potencial recessivo, que, adivinha-se, será majorado por um aperto das condições de análise de risco de crédito. Nesta conjuntura, é de esperar contração nas atividades de M&A e dias difíceis para angariar capital, continuando os bancos comerciais a enfrentar competição crescente (por negócios e por talento) de casas de private equity e de hedge funds, mais disponíveis para lidar com os riscos mais altos que a conjuntura de 2023 gerará, e destes beneficiar.

Mercados de ativos

Os mercados de ativos, após a correção de 2022, apresentam provavelmente o melhor potencial de retorno a longo prazo desde 2010, combinando preços mais baixos à partida com yields mais altos. O asset pricing partirá de taxas de inflação historicamente altas, suscetíveis, para a maioria dos analistas, de retornar a níveis que não causem alarme num par de anos. Mesmo assim, é de esperar alguma contenção dos investidores, pois a crescente tribo dos falcões da inflação tem um argumento sólido, ainda que não consensual, no facto da tendência para a desglobalização criar inflação de longo prazo mais alta, e mais semelhante à realidade dos anos setenta. 

Obrigações

As obrigações deverão apresentar rentabilidades interessantes, e os rendimentos das ações deverão subir depois do bear market de 2022. Os alternativos (financeiros e reais) deverão ser procurados, não só pelo alpha e pela diversificação que proporcionam, mas também pelo efeito de cobertura contra a inflação, em que não têm rival. 

A intensidade das trocas de bens deverá continuar a baixar, provável e desejavelmente compensada pela subida das transações de serviços, uma tendência anti-inflacionista baseada na transição tecnológica. As empresas que consigam aceder ao escasso capital disponível deverão prosperar, ao contrário das que se apoiam em trabalho barato, que tendem a sofrer com a relocalização de unidades produtivas mais perto dos consumidores.