Eduardo Monteiro (BPI GA): “2022 será mais desafiante do que 2021 porque será mais volátil”

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Eduardo Monteiro. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Eduardo Monteiro, head of discretionary portfolios of HNWI na BPI Gestão de Ativos.

Apesar do ano de 2021 terminar com valorizações expressivas dos mercados acionistas, importa não desvalorizar os perigos e os obstáculos que ao ano longo do ano os investidores foram obrigados a superar para poder tirar partidos dessas valorizações.

Por um lado, tivemos continuamente novas variantes do vírus que foram condicionando a atividade económica, nomeadamente a variante delta do segundo semestre de 2021 nos EUA e agora recentemente a variante Ómicron no último mês do ano.

2021 foi igualmente um ano marcado por elevados preços de energia fruto de uma combinação de fatores imprevisíveis. Ao mesmo tempo tivemos pouco sol e pouco vento, o que fez com que as energias renováveis produzissem menos energia que o normal, e o aumento das ambições de sustentabilidade e de um mundo mais verde têm originado um sub-investimento crónico nos combustíveis fósseis. Adicionalmente, a China, com o objetivo de melhorar nesta métrica e apresentar ao mundo céus mais limpos nos jogos olímpicos de inverno, reduziu a sua dependência do poluente carvão em favor do menos poluente gás natural. Esta tempestade quase perfeita no gás aumentou o preço da eletricidade industrial, condicionando as empresas.

Por último, tivemos um forte racionamento dos cada vez mais importantes semicondutores, o que levou à produção automóvel mundial a diminuir em 2021 cerca de 10% face 2019 e a diversos sectores terem de gerir de forma muito rigorosa para poderem fazer face a encomendas crescentes fruto de uma procura maior que o esperado.

Estes últimos dois fatores condicionaram a última reunião da reserva federal nos EUA, pelo que foi anunciado o término do quantitative easing em março de 2022 e foram incorporadas nas estimativas dos analistas três subidas de taxas em 2022 e mais três em 2023.

Se ficássemos por aqui, provavelmente anteciparíamos um ano de 2021 difícil para os ativos de risco, nomeadamente os mercados acionistas. Então o que terá impedido este desfecho.

No início do 2021, perspetivava-se uma subida dos resultados das empresas norte-americanas de 23% e das europeias de 36%, no entanto, apesar de todas as adversidades acima descritas, as empresas norte-americanas subiram os seus resultados 48% e as europeias 70%!!!

Adicionalmente a taxa real de juro a 10 anos nos EUA manteve-se em cerca de -1,2% e na Europa ficou ainda mais negativa de -1,4% para os atuais -1,8%.

Em resumo, foi o custo de oportunidade dos ativos sem risco e os fortes resultados das empresas que permitiram os ganhos acionistas e não a ausência de desafios e obstáculos.

Perspetivas para 2022

Tendo por base o que conhecemos de 2021, a principal incógnita é se os dois fatores que permitiram ter bons resultados dos ativos de risco em 2021 se vão alterar em 2022.

A nível da taxa de juro real, a perspetivas dos analistas é que a inflação em 2022 poderá surpreender pela positiva, nomeadamente nos EUA, uma vez que o mercado de trabalho encontra-se perto do pleno emprego. Nesse sentido, é previsível que a expectativa de inflação de longo prazo se mantenha elevada nos EUA (atualmente nos 2,7%). As taxas de juro a 10 anos nos EUA conseguiram incorporar as três subidas de taxas de juro em 2022 e 2023 e mantiveram-se em torno nos 1,5%. Deste modo, mesmo que as taxas de juro longas nos EUA possam subir um pouco, deveremos assistir a taxas de juro reais negativas próximas de -1%. Na Europa, a previsão de uma taxa de juro real negativa em torno dos -1.5% tem uma maior probabilidade de ser conservadora pelo atraso a nível do ciclo económico, sendo que não se perspetivam subidas de taxas em 2022.

Em termos de resultados das empresas as expectativas são de uma subida nos EUA de 9% e de 6% na Europa, o que à primeira vista num ano em que se perspetiva um crescimento económico de 3.9% nos EUA e de 4.2% na Zona Euro, parece não ser uma perspetiva muito agressiva.

Adicionalmente, é provável que em termos marginais as empresas sofram menos com a falta de semicondutores durante 2022 e dependendo da duração dos contratos de energia possam não ter preços mais elevados ao longo de 2022. Por último, será igualmente uma previsão com uma boa probabilidade de acerto que o dano económico do vírus será menor em 2022 do que foi em 2021.

Em resumo, apesar de todos os riscos que iremos seguramente enfrentar em 2022, parece difícil acreditar que estão reunidas as condições para um ano de 2022 negativo, quer pela ausência de alternativas, quer pela robustez dos resultados das empresas. No entanto, com menor suporte por parte dos bancos centrais deveremos assistir a um mercado mais volátil.

Em termos acionistas

Como foi referido anteriormente, espera-se em 2022 que as ações tenham um desempenho positivo, sendo um ativo essencial para um investidor conseguir gerar retornos positivos. Uma vez mais a expressão “TINA – There Is No Alternative”, um acrónimo que traduzido para português significa “não há alternativa”, parece ser um bom resumo sobre a atratividade do mercado acionista. No entanto, com menor suporte por parte dos bancos centrais deveremos assistir a um mercado mais volátil.

Ao contrário do que se perspetivava para 2021, os mercados emergentes tiveram uma performance desapontante. Existiram algumas razões para este comportamento. Por um lado, esta geografia tem dificuldades em lidar com um dólar forte e este valorizou no ano quase 10%. Por outro lado, o importante governo chinês teve uma postura muito intervencionista no mercado com medidas que são difíceis de entender para os investidores institucionais ocidentais, como a quasi nacionalização da educação privada e tentativa de limitar o poder dos monopólios de alguma empresas chinesas. Para 2022, é possível que exista uma reversão destes fatores e os mercados emergentes possam comportar-se melhor, até porque atualmente quase todos os investidores estão positivos no dólar (margem para desiludir?), existe muito pessimismo incorporado no preço das empresas e a política monetária na China está a ficar mais expansionista ao contrário dos países ocidentais.

Na classe acionista, em termos setoriais pode-se assistir a uma melhor performance relativa dos sectores mais cíclicos e mais alavancados à economia.  Algo que se previa em 2021 mas não se materializou de forma muito vincada devido à excecional performance das grandes tecnológicas norte-americanas, pelo que o estilo Value teve uma performance algo semelhante ao Estilo Growth.

Apesar desta visão, consideramos que alguns sectores que foram uma desilusão em 2021, nomeadamente a Tecnologia Verde e a Tecnologia Disruptiva possam reverter a underperformance de 2021 e beneficiar da tendência secular positiva. Provavelmente, no final de 2020 eram consideradas apostas demasiado consensuais, no entanto, no final de 2021 estarão no espectro oposto do consenso. Este facto é mais difícil de perceber quando os atuais investimentos anunciados em tecnologia verde nem sequer chegam para o objetivo de limitar o aquecimento do planeta a 2ºC quanto mais à ambição da Europa de limitar a 1.5ºc. Como consequência, estas empresas deveriam ter melhorado a sua perspetiva de crescimento.

Por último, importa realçar que parte das razões da subida de resultados resulta da produtividade crescente das empresas e do facto de elas estarem mais magras e eficientes, pelo que é possível que consigam lidar com os vários imprevistos que seguramente vão surgir ao longo de 2022.

Em termos obrigacionistas

No campo obrigacionista, em termos marginais irá existir um menor suporte porque as compras dos bancos centrais em percentagem da dívida emitida será menor, pelo que a menor pressão compradora poderá levar a subidas de taxas. No entanto, a dívida acumulada dos dois lados do atlântico é muito elevada e, por outro lado, as compras por parte do Banco Central Europeu são uma forma “escondida” de redistribuição entre países, o que é essencial para uma moeda única como o euro. Deste modo, as subidas de taxas deverão ser graduais e contidas na sua dimensão.

O maior risco encontra-se no mercado norte-americano, uma vez que a inflação tende a ser mais persistente, porque está mais avançada no ciclo, o mercado de trabalho está em pleno emprego e o aumento do preço das casas está apenas agora a começar a “verter” para o índice de preços. Este é um dos principais riscos, que poderemos observar nos mercados como um todo e especificamente na dívida pública norte-americana.

Neste sentido, na classe obrigacionista, existe uma preferência por obrigações de menor rating e menor duration, de forma a que o cupão consiga eventualmente acomodar algumas perdas na vertente taxa de juro.

O que se recomenda para 2022 em termos de gestão de portefólio?

Provavelmente, o ano de 2022 será mais desafiante que 2021 porque será mais volátil e um dos principais riscos que iremos enfrentar é uma inflação mais forte que o esperado. Deste modo, a componente amortecedora das obrigações deverá ter um papel menos importante do que na última década.

Em qualquer instância, na gestão de um portefólio, recomenda-se uma exposição diversificada a diversas classes de ativos, adequada à situação do Cliente e ao seu perfil. Contudo, no próximo ano, a construção de um portefólio de asset allocation tem uma dificuldade maior.

No contexto de taxas baixas supracitado, surge, portanto, uma maior necessidade de procurar novos ativos que confiram capacidade de diversificação e retorno esperado positivo além de, naturalmente, ter uma maior componente de liquidez, quer seja para aproveitar as oportunidades que seguramente irão surgir, quer para garantir uma maior estabilidade dos portefólios.

O ouro poderá ser um bom hedge caso exista um risco relativo ao crescimento económico e assim se possa antever um novo retorno à impressão monetária. No entanto, caso o risco seja de subida de taxas, esse papel de hedge estará comprometido.

Os investimentos alternativos market neutral, isto é, em que a sua performance é independente da direção do mercado e apenas proporcional à habilidade do gestor, poderá continuar a ser uma boa forma de adicionar rentabilidade às carteiras sem acrescentar demasiado risco.

Riscos para 2022

O risco mais previsível é uma subida da inflação por mais tempo e mais duradoura que o esperado. O segundo mais previsível é uma nova variante que preocupe os cientistas. No entanto, os verdadeiros riscos são aqueles que não antecipamos e, por isso, o importante é estar alerta, ter uma carteira diversificada, controlar o risco, ter uma componente de liquidez e nos momentos mais difíceis acreditar que nas últimas crises foram criados instrumentos de gestão do ciclo económico poderosos por parte dos bancos centrais como é a impressão monetária.