Eduardo Monteiro (BPI Gestão de Ativos): “O mercado acionista deverá balançar entre as notícias sobre a inflação e dos resultados das empresas”

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Eduardo Monteiro. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Eduardo Monteiro, head of discretionary portfolios of HNWI na BPI Gestão de Ativos.

Após um ano de 2020 histórico a vários níveis, o primeiro semestre de 2021 trouxe igualmente algumas surpresas, com particular destaque para a rotação de estilos no mercado acionista.

Com os programas de vacinação nos países desenvolvidos a decorrer melhor do que o previsto, a atividade económica tem vindo a surpreender pela positiva. Esta surpresa tem sido mais evidente nos EUA, com o valor do crescimento económico do primeiro trimestre a atingir um valor de 6,4%, sendo esperado para o segundo trimestre uns excecionais 10%.

Esta surpresa positiva tem-se feito sentir na subida das taxas longas nos EUA (10 anos), as quais subiram no primeiro semestre cerca de 65bps, tendo-se inclusivamente aproximado dos 1,75% face aos 0,91% do final de 2020.

Estes fatos levaram a uma grande outperformance do estilo valor a partir de meados de fevereiro de quase dez pontos percentuais. Apesar desta outperformance nos últimos quatro meses, é o estilo crescimento que continua a apresentar uma performance mais elevada num horizonte temporal mais alargado - nos últimos cinco anos de cerca de 8%/ano e nos últimos 10 anos de cerca de 5%/ano.

Perspetivas para 2.º semestre de 2021

Provavelmente, três fatores que deverão marcar a evolução do segundo semestre de 2021 serão: a transitoriedade da atual subida da inflação, a dimensão do abrandamento do crescimento económico chinês e o eventual aparecimento de uma variante do vírus COVID-19 que possa diminuir a eficácia das atuais vacinas.

A forte subida da inflação que assistimos atualmente nos EUA para valores de cerca de 5% no mês de maio resultou essencialmente de fatores pontuais excecionalmente elevados. Uma análise mais profunda dos dados económicos dos EUA revela que os fatores que suportam as recentes surpresas de inflação são de natureza essencialmente transitória. Na generalidade, o que está a acontecer é uma pressão para a subida de preços decorrente do facto de a oferta macroeconómica não ter antecipado uma recuperação tão rápida da procura. Exemplo disso é o preço dos carros usados, que tem explicado cerca de metade da variação mensal do índice de preços excluído de bens energéticos e alimentares. Esta forte subida resulta das empresas se terem desfeito dos seus inventários e agora veem-se obrigadas a subir preços para conter a retoma de procura. Adicionalmente, a subida dos salários parece ser pressionada pela necessidade das empresas em retomar a produção (principalmente no sector de alojamento e restauração) quando os trabalhadores ainda se encontram relutantes em voltar ao mercado de trabalho. Esta relutância tem parte da sua origem nos generosos subsídios de desemprego, mas este apoio especial pós-covid termina no início de setembro. Se esta subida da inflação é ou não transitória deverá ditar a dinâmica dos preços dos ativos no segundo semestre.

Contrariamente à Europa e aos EUA, a China não teve uma contração da riqueza em 2020, tendo o produto interno bruto apresentado um crescimento de cerca de 2.3%. Deste modo, a China procura que o crescimento económico em 2021 e 2022 seja de maior qualidade e menos assente nas tradicionais infraestruturas, intensivas em capital e na construção. Esta forma de crescer passada, tem levado a que a China acumule uma elevada dívida total sobre o PIB de cerca de 250%. Apesar de ser um valor elevado, este não dista de forma significativa da zona Euro e dos EUA, o problema tem sido a sua progressão, uma vez que há 10 anos atrás este valor era de 180% enquanto que os outros dois blocos se mantiveram nos 250%.

Tendo noção do eventual problema resultante de crédito malparado, a China tem vindo a procurar reduzir o crédito que disponibiliza à economia para resolver este problema através do crescimento. O crescimento do impulso de crédito à economia reduziu-se no final do ano de 2020, de um crescimento de cerca de 8% para os atuais valores negativos de -3.4%. Apesar deste movimento ser necessário para corrigir problemas estruturais da economia chinesa no curto prazo, deverá abrandar o crescimento económico chinês e igualmente o mundial, pelo que as atuais surpresas positivas poderão ser menores no futuro.

Por último não podíamos fugir ao Elefante na Sala, as variantes mais transmissíveis e mais resistentes às atuais vacinas. Em teoria é sempre possível que surja uma nova variante que torne as atuais vacinas menos eficazes e que consequentemente leve a confinamentos e restrições da atividade económica. Este é o maior risco que os mercados financeiros enfrentam, pelo que deverão reagir de forma particularmente negativa caso se materialize.

Ainda assim, mesmo que ocorra uma forte reação inicial, a prazo, o mercado deverá estabilizar. Agora estamos muito melhor preparados para lidar com variantes do que no início da pandemia, até porque as vacinas mRNA mensageiro podem ser alteradas em 3 semanas e o reforço de vacina será apenas de uma dose. Isto implica que este worst case scenario seria limitado no tempo.

Em termos acionistas:

No segundo semestre de 2021, o mercado acionista deverá balançar entre as notícias sobre a inflação e dos resultados das empresas.

A inflação é um fenómeno essencialmente monetário e de difícil análise, uma vez que variações contidas, entre 1%-2,5%, não tem grande capacidade para influenciar as expectativas de inflação e consequentemente as negociações salariais, mas fora destes intervalos a inflação pode entrar num círculo vicioso de risco de deflação ou de risco de inflação elevada.

Importa deste modo perceber e analisar a forma como os fatores conjunturais vão desvanecendo os seus impactos na inflação e como os fatores mais persistentes como as rendas vão evoluindo.

A forma como a Reserva Federal Americana irá interpretar a inflação será essencial para as suas decisões de redução de quantitative easing e consequentemente de subida das taxas mais longas. Caso as taxas mantenham a atual tendência de subida, é possível que o estilo valor aumente o diferencial para o estilo crescimento. Apesar desta possibilidade, importa realçar que existem alguns temas de investimento como a mudança climática e a revolução tecnológica que sofreram um forte de-rating no primeiro semestre, mas mantêm intactas as suas perspetivas de crescimento. Deste modo, se continuarem a surpreender pela positiva poderão igualmente ser uma boa aposta para este segundo semestre, agora que são investimentos menos consensuais.

No primeiro trimestre de 2021 observamos uma das melhores épocas de resultados da histórica, a qual obrigou a algo anormal nas expectativas de resultados - uma revisão em alta para os trimestres subsequentes. Caso esta tendência se mantenha para os próximos trimestres, alicerçado numa reabertura da economia acima das estimativas dos analistas, poderemos assistir a um re-rating dos principais índices, mas com subidas de preços decorrentes dos fortes aumentos dos resultados das empresas.

Em termos obrigacionistas:

No campo obrigacionista, existe atualmente uma elevada incerteza decorrente de na última reunião de Jerome Powell o mercado ter ficado com a sensação de que a Fed não irá deixar a inflação subir acima do objetivo de 2% durante um período prolongado de tempo. Esta tentativa da Fed ficar menos acomodatícia surpreendeu o mercado, nomeadamente a nível de expectativas de inflação as quais surpreendentemente caíram nos prazos mais longos 30bps para apenas 2,2%.

Equilibrar dois mandatos distintos (emprego e inflação) no período de maior emissão monetária da história, conjugada com uma expansão fiscal igualmente sem precedentes, é uma tarefa particularmente difícil uma vez que não existe template na história para nos guiar.

Apesar do risco de sobreaquecimento da economia, subida das yields e de aparecimento da inflação, como referiu Jerome Powell, é importante não esquecer que vivemos cerca de 25 anos de fortes pressões deflacionistas, envelhecimento da população e constantes disrupções tecnológicas, as quais trazem sempre fortes reduções de preços.  

Deste modo, e acreditando que as vacinas vão continuar eficazes contra as variantes do vírus COVID-19, recomenda-se uma duration mais baixa e uma preferência por créditos de menor rating, nomeadamente enquanto que os spreads se mantiverem numa tendência lateral e o BCE permanecer um importante agente no mercado das obrigações.

O que se recomenda para 2021 em termos de gestão de portefólio?

Apesar de não parecer, o ano de 2021 está a ser difícil em termos de gestão de portfolio, uma vez que os benchmarks estão a ter uma performance acima da gestão ativa, em virtude da forte outperformance do esquecido estilo valor.

Adicionalmente a correlação entre as obrigações e as ações tem vindo aumentar pelo que as obrigações são em 2021 mais um fator de risco e não um verdadeiro diversificador.

O ouro tem conseguido ser um elemento mais diversificador numa carteira com risco, isto porque sustos de crescimento económico deverão levar a novos estímulos e a impressão monetária e, consequente, à valorização do metal precioso. No entanto, mesmo num ano de forte impressão monetária, a performance do ouro é por agora desapontante.

Por último, pensamos que os investimentos alternativos, nomeadamente os fundos UCITS Long/Short Market Neutral poderão ser uma boa componente nos portefólios, uma vez que procuram entregar retorno independentemente da direção do mercado. Tendo ultrapassado as crises dos últimos anos, os que sobreviveram, têm mostrado uma capacidade de acrescentar retorno a um portfolio balanceado sem grande aumento de risco.

Riscos para 2021

Os principais riscos que observamos atualmente nos mercados financeiros são, curiosamente, materialmente distintos, o que mostra a dificuldade de gerir no atual ambiente.

Por um lado, poderá existir uma inflação mais persistente que conduza a uma retirada dos estímulos monetários mais cedo que o previsto, podendo criar situações difíceis nos mercados de menor liquidez e/ou de convicções mais consensuais.

Por outro lado, o atual otimismo quanto ao crescimento económico poderá ser colocado em causa quer pelo abrandamento económico auto-infligido na China, quer pelo o aparecimento de variantes que coloquem a eficácia das atuais vacinas em risco.