Eleições no Brasil: volatilidade até à 2ª volta não deve desviar o foco dos fundamentais

Carla Brito Fonseca BPI GA
Carla Brito Fonseca. Créditos: Vitor Duarte

TRIBUNA  de Carla Brito Fonseca, gestora sénior de Portefólios e responsável pelo Investimento no Mercado Brasileiro e Africano, da BPI Gestão de Ativos.

O Brasil prepara-se para eleger o seu presidente, naquele que será um dos atos eleitorais mais polarizados de que há memória no país. Após nenhum dos quatro candidatos que se apresentaram à primeira volta ter logrado obter a maioria dos votos válidos, realiza-se a 30 de outubro a segunda volta entre os dois candidatos mais votados, o atual presidente Bolsonaro (43.2% na primeira volta) e o ex-presidente Lula da Silva (48.4%). As sondagens deram consistentemente vantagem a Lula, tendo algumas apontado mesmo uma eleição à primeira volta. Contudo, todas subestimaram a votação no atual presidente. O ex-presidente parece estar em vantagem para a segunda volta, ainda que a distância para Bolsonaro se tenha vindo a estreitar. Um dos aspetos que tem marcado a eleição é a elevada taxa de rejeição de ambos os candidatos, que se aproxima dos 50%.  O atual presidente tem a taxa de aprovação mais baixa de todos os que se candidataram a um segundo mandato, em parte devido à gestão da pandemia e apesar da forte recuperação da economia e do mercado de trabalho no período pós-pandémico. 

As propostas económicas dos candidatos

As propostas económicas concretas dos dois candidatos são ainda pouco detalhadas, desconhecendo-se também a constituição das futuras equipas económicas. A campanha tem-se centrado sobretudo na avaliação da gestão da crise pandémica por parte do atual presidente e no passado dos governos Lula, nomeadamente no tema da corrupção. O candidato do PT tem expressado a intenção de que o Estado volte a ser um ator-chave da economia, afastando a possibilidade de privatizar totalmente empresas como a Petrobras e o Banco do Brasil ou de abrir o capital da Caixa Económica Federal ou dos Correios. Reiterou também a intenção de implementar aumentos anuais do salário mínimo ao longo do seu mandato. Quanto a Bolsonaro, apesar de ter sido eleito com uma agenda reformista, o seu governo ficou aquém do esperado pelo mercado nesta vertente. A muito necessária reforma da Previdência foi aprovada no primeiro ano do seu mandato. Em 2021, entrou em vigor a Lei da Autonomia do Banco Central. Contudo, quer a reforma administrativa, quer a tributária ficaram pelo caminho, face à resistência do Congresso às propostas do presidente e, mais recentemente, à prioridade dada por este à reeleição. As referidas reformas permitiriam simplificar o complexo sistema tributário brasileiro e tornar mais eficiente a máquina administrativa do Estado. Outra das preocupações do mercado prende-se com a influência governamental nas empresas de capital pública ou parcialmente público. Estão ainda bem presentes na memória dos investidores as consequências profundamente negativas da interferência do governo Dilma na política de preços da Petrobras. Esta é frequentemente usada como arma de arremesso entre os atores políticos, particularmente em período eleitoral. A liderança da empresa alterou-se quatro vezes durante o mandato de Bolsonaro, ainda que a empresa tenha conseguido manter o pricing com base no Preço de Paridade de Importação instituído no governo Temer. 

Responsabilidade fiscal

Outro tema central é o da responsabilidade fiscal, uma das principais preocupações do mercado durante a pandemia. O teto de gastos, criado com o objetivo de limitar a despesa pública, deveria vigorar até 2037. Contudo, o princípio de disciplina orçamental foi sucessivamente contornado durante e após a pandemia. Face à praxis do atual presidente e ao posicionamento político de Lula, parece improvável que o teto se mantenha em vigor nos termos em que está definido atualmente. Acreditamos que a regra será, de alguma forma, reformulada por forma a compatibilizar algum equilíbrio orçamental e a agenda política do novo presidente

Constituição da Câmara dos Deputados e do Senado

A nova Câmara dos Deputados continua fragmentada, com 23 partidos políticos representados. A primeira volta das eleições consolidou o Partido Liberal, que apoia o atual presidente, como maior força política neste órgão (99 deputados). A coligação que o apoia controla 38% dos lugares deste órgão legislativo. Os partidos que apoiam Lula têm 144 deputados. Desta forma, o futuro presidente necessitará sempre do apoio dos partidos não alinhados para aprovar propostas que exijam maioria absoluta dos votos. Este resultado eleitoral faz crer que, qualquer que seja o presidente eleito, as derivas populistas serão contidas e a governação terá de fazer-se ao centro. O apoio de vários economistas considerados pro-mercado a Lula pode ser prenúncio disso. No Senado, a vantagem dos partidos que apoiam o atual presidente aumentou face à eleição anterior mas a maioria dos eleitos é não alinhada.  A reação positiva do mercado ao resultado eleitoral e à não contestação dos resultados pelo incumbente é testemunho da redução da perceção do risco político. Ainda assim, a volatilidade deverá manter-se até que os resultados da eleição sejam conhecidos e aceites por ambos os intervenientes.

Economia brasileira mostra sinais de dinamismo

Apesar dos desafios que enfrenta, a economia brasileira mostra sinais de dinamismo. O desemprego reduziu-se de 14.7% em meados do ano passado para 9%, o valor mais baixo desde finais de 2015. O país beneficia do facto de ser um grande exportador de matérias-primas agrícolas e industriais, bens que têm visto os seus preços valorizados no atual contexto geopolítico. Estes fatores têm impactado de forma positiva as finanças públicas, permitindo a redução do rácio de Dívida Pública sobre o PIB em mais de 10pp para 78%. Depois de ter implementado uma política monetária fortemente contracionista, levando a Selic de 2% para 13.75%, o banco central deverá ter concluído o ciclo de subida de taxas. A forte performance do mercado acionista brasileiro contrasta com a das restantes Bolsas em 2022. Apesar da sua valorização, a Bolsa brasileira continua a transacionar a múltiplos historicamente baixos e a claro desconto face aos restantes emergentes. Num contexto internacional de forte incerteza, a resiliência dos resultados das suas empresas e a redução do risco político são ventos a favor do mercado local.