Empréstimos Participativos: o dia em que o príncipe de Falconeri sorriu…

Bruno Azevedo Rodrigues e João Lupi. TELLES
Bruno Azevedo Rodrigues e João Lupi. Créditos: Cedida (TELLES)

TRIBUNA de Bruno Azevedo Rodrigues, sócio coordenador, João Lupi, associado, da TELLES Financeiro, Projetos e Mercado de Capitais.

O Decreto-Lei n.º 11/2022, de 12 de janeiro foi um dos diplomas que marcou o início desde ano de 2022, tendo entrado em vigor no dia seguinte ao da respetiva publicação. O diploma veio introduzir na ordem jurídica nacional o conceito de empréstimo participativo e estabelecer o respetivo regime jurídico.

Um empréstimo participativo pode assumir a forma de mútuo ou sob a forma de títulos representativos de dívida e encontra-se definido como um contrato de crédito oneroso, cuja remuneração e reembolso ou amortização dependam do resultado da atividade do mutuário, ainda que parcialmente, e cujo valor em dívida possa ser convertido em capital social do mutuário.

Estes empréstimos participativos serão considerados instrumentos de capital próprio sempre que a respetiva remuneração se encontre, ainda que parcialmente, indexada aos resultados do mutuário, e o respetivo reembolso ou amortização fique sujeita às limitações de distribuição de bens aos sócios, designadamente a manutenção de reservas e relação entre capital próprio e a soma do capital social e reservas.

No entanto, apesar de se apresentar como um conceito jurídico novo, este instrumento corresponde a uma solução de financiamento que já se encontrava amplamente difundida e utilizada no mercado. Com efeito, as suas características enquadram-se numa modalidade de investimento em dívida júnior que vem sendo tratada ao abrigo da liberdade contratual e nos termos gerais do direito, sendo que já se mostrava possível qualificar os respetivos montantes como capital próprio.

Resulta patente deste novo regime jurídico que se pretende reservar em exclusivo o recurso a este modelo contratual na qualidade de mutuantes a instituições de crédito, sociedades financeiras e quaisquer outras habilitadas à concessão de crédito a título profissional, a organismos de investimento alternativo especializado, nestes se incluindo os de créditos, de capital de risco e de empreendedorismo social, as sociedades de investimento mobiliário para fomento da economia e os fundos de capitalização e resiliência.

A bondade da limitação deste instrumento ao elenco de mutuantes acima descrito é questionável, sobretudo atento o desígnio de diversificação das fontes de financiamento e redução da sua dependência do sistema financeiro convencional, invocado na exposição de motivos do diploma.

Por outro lado, prevê-se que a documentação de suporte deve mencionar expressamente a sujeição a este regime, independentemente da forma que venha assumir, designadamente sob a forma de mútuo ou de instrumentos representativos de divida.

O incumprimento desta exigência aparenta ter como única consequência o afastamento do regime imperativo que consta do mesmo, o que se revela inconsistente com a intenção do legislador. Com efeito, ao proceder esta interpretação, o elenco de agentes económicos cujo recurso a este instrumento na qualidade de mutuantes se pretende limitar ficaria esvaziado e o instrumento continuaria a ser admitido nos termos gerais do direito e - com ressalva da natureza assessória / profissional - a estar disponível para os diferentes agentes económicos ao abrigo da liberdade contratual e sem as limitações previstas.

O regime em causa contempla diversos preceitos imperativos e algumas soluções supletivas, entre as quais o processo de conversão dos créditos em capital que se afigura excessivamente complexo e moroso, impondo importantes limitações que visam acautelar o crédito dos mutuantes, designadamente a proibição de o mutuário reembolsar suprimentos ou outras prestações de sócios ou deliberar a redução do seu capital social sem o prévio consentimento do mutuante, bem como de alterar as condições de repartição de lucros previstas nos seus estatutos, amortizar ou atribuir privilégios a participações sociais existentes. Este reforço da posição creditícia é também prosseguido por intermédio de direitos que lhes são conferidos, tais como a possibilidade de exigir uma auditoria à situação financeira do mutuário e de converter os créditos em capital social sempre que o órgão de administração do mutuário não apresente comprovativo da aprovação de contas e depósito na Conservatória do Registo Comercial após 12 meses do termo do prazo legal.

Apesar de se definir limitações que visam acautelar o crédito dos mutuantes, o regime também contempla soluções que tornam esta solução menos atrativa para a respetiva posição creditícia. Com efeito, de acordo com o regime agora em vigor os créditos emergentes deste instrumento serão graduados como subordinados, acima dos créditos de sócios e pessoas especialmente relacionadas com o mutuário, o que implicará a extinção das garantias reais com a eventual declaração de insolvência do mutuário nos termos da legislação aplicável.

Em qualquer caso, parece-nos que a introdução deste conceito poderá originar um novo segmento de negócio no setor financeiro, enquanto solução que se aproxima da modalidade de Project Finance e que porventura se pode apresentar atrativa para determinados perfis de mutuantes/investidores.

No entanto, notamos que o legislador manteve inalterado o disposto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, designadamente a proibição das instituições de crédito deterem uma participação numa sociedade que lhes confira mais de 25 % dos direitos de voto de sociedades comerciais por prazo superior a três anos, o qual se vê aumentado para cinco anos no que respeita participações indiretas que sejam detidas através de sociedades de capital de risco e de sociedades gestoras de participações sociais. Prevê-se, aliás, no anteprojeto do Código de Atividade Bancária que esta limitação seja mantida, vendo o limiar reduzido para 20% e admitindo-se a prorrogação pelo Banco de Portugal mediante pedido fundamentado da instituição de crédito.

Também se reconhece o mérito de divulgação de mecanismos de investimento que porventura não fossem conhecidos por parte do tecido empresarial, composto na sua grande maioria por Pequenas e Médias Empresas, criando maior awareness junto das que pretendam financiar-se sem prejudicar os ratios financeiros.

No entanto, além de não ser uma novidade, o novo regime peca por pretender limitar a sua utilização a investidores sofisticados e, na sua grande maioria, considerados contrapartes elegíveis nos termos e para os efeitos da legislação dos mercados financeiros, pelo que encaramos com alguma reserva o efetivo resultado prático.