Pedro Guedes, consultor externo do Banco Best, explica-nos porque vai estar de olho no rácio 10y/2y, que atualmente parece estar a passar por uma zona de teste.
O Esta semana vou estar de olho… é da autoria de Pedro Guedes, consultor externo do Banco Best.
O rácio 10y/2y, célebre por prever recessões quando entra em terreno inferior a um (ou seja, quando o numerador tem um valor inferior ao do denominador), é um dos indicadores preferidos dos analistas económicos que tentam ler o futuro algures - quando as bolas de cristal estão embaciadas e os astros não estão alinhados…
Comparando a yield das treasuries a dois anos com a de 10 anos, é senso comum que um indicador probabilístico de recessão nos EUA é o facto de os investidores aceitarem taxas mais baixas a longo prazo (10 anos) do que a curto-médio prazo (dois anos), ou, por outras palavras, verem mais risco (e exigirem o respetivo prémio) no futuro próximo do que no longínquo – isto entre diversas outras leituras, das mais simples às mais elaboradas tecnicamente.
Seja porque as expectativas de recessão são o que a pode provocar de facto, num processo circular ou em espiral, seja porque apenas antecipam de facto uma realidade alheia às mesmas, o que é certo é que se pode constatar, ao longo de décadas, uma alta correlação empírica entre as duas realidades (10y < 2y e uma queda do PIB nos EUA durante vários trimestres seguidos, não muito tempo depois).
Analisando a evolução gráfica deste diferencial nos últimos 40 anos, vemos que os mínimos relativos do mesmo ocorreram, de facto e em boa medida, antes dos memoráveis períodos recessivos verificados nessas décadas – desde os anos 80 até hoje.
Por outro lado, esses mínimos foram invariavelmente seguidos de fortes e rápidas inversões em alta, iniciadas até mesmo antes de a economia americana entrar formalmente em recessão.
Curiosamente, verifica-se que os valores mais baixos deste diferencial nos últimos 40 anos (próximo de -1,10) ocorreram exatamente este ano - o primeiro deles há exatamente 4 meses, e o segundo na semana passada.
Logo após este 2º mínimo de curtíssimo prazo, o diferencial disparou 20 bps em 3 dias, recuperando toda a perda das 3 semanas anteriores (em março disparara mais de 50 bps), parecendo querer formar um double bottom - figura associada a momentos de inversão de tendência em alta, para os analistas gráficos.
Ou seja, parece estarmos numa zona de teste, na qual tanto se pode continuar a acentuar a queda do diferencial para os baixíssimos valores do final dos anos 70 (inferiores a -2,00) - os mais veteranos ainda se lembrarão do que foi o início dos anos 80 na economia mundial… -, o que poderá avolumar os receios e aumentar a probabilidade de uma acentuada recessão nos EUA em 2024, como poderemos estar num crítico ponto de inflexão do rácio, com a respetiva recuperação da yield a 10 anos contra a de dois anos, o que reforçará a convicção otimista do grupo do copo meio-cheio, que se diverte a dizer que os pessimistas já previram oito das últimas cinco recessões, sem aprenderem com a experiência…
Seja qual for a forma que cada um de nós tem de ver o copo, creio que este é um interessante e mais do que simbólico rácio, que vale bem a pena acompanhar nos próximos dias e semanas, pois o momento atual, creio, é histórico e, em certa medida, sugere um certo déjà-vu.
Jan ’80 – Jul ‘23
YTD