Finalmente, a auditoria conjunta (joint audit)?

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(A opinião de José Rebouta, partner da Mazars, sobre a possibilidade de implementação em Portugal da auditoria conjunta). 

A auditoria conjunta (joint audit) está prevista nas regras europeias que saíram da denominada reforma do mercado da auditoria, e a sua adoção é mesmo incentivada, considerando-se que a nomeação por uma entidade de interesse público de mais do que um revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas reforça o ceticismo profissional e contribui para melhorar a qualidade da auditoria.

Além disso, o legislador defende que esta medida, combinada com a presença de sociedades de revisores oficiais de contas de menores dimensões no mercado de auditoria, cria zonas de investimento e potencia o desenvolvimento dessas sociedades, alargando assim a escolha de revisores oficiais de contas e sociedades de revisores oficiais de contas à disposição das entidades de interesse público.

As entidades de interesse público acedem, assim, a maior diversidade e conhecimento técnico. Os mercados e a informação associada são beneficiados. São este os objetivos últimos.

Por isso, o regulamento europeu refere, explicitamente, que as entidades de interesse público deverão ser encorajadas e incentivadas a nomear mais do que um revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas para realizar a revisão legal das suas contas.

Ora, na transposição das regras europeias para a legislação portuguesa, não foi acolhido o modelo, perdeu-se o incentivo à adoção da auditoria conjunta e nunca se adaptou o edifício regulamentar para que esta seja uma realidade concreta em Portugal, tornando-a impraticável.

Uma lei mais exigente

A transposição da diretiva europeia para a legislação portuguesa foi feita ainda no ano passado e é, em alguns aspetos, mais ambiciosa do que o standard europeu. No entanto, considero que ficou aquém do que podia e devia na questão fundamental da auditoria conjunta, pela qual a Mazars tem batalhado arduamente.

Um dos aspetos em que a legislação portuguesa é mais extensiva é, por exemplo, na classificação das entidades de interesse público, englobando mais agentes do que a diretiva sugere. Está lá, também, a rotatividade obrigatória de firmas – além da rotatividade de partners/sócios, que já existia. Porém, temos de ter em atenção que a rotação é obrigatória após três mandatos de três anos ou de dois mandatos de quatro anos, o que, considerando algum período de transição, nos faz olhar, na prática, para um período de adaptação do mercado de oito ou nove anos.

Mas com falhas

Agora, considero que falta um incentivo claro, uma opção determinada pela auditoria conjunta, um processo diferente, que é visivelmente mais rico, sem ser mais oneroso, no qual podem participar mais entidades, a diferentes níveis e fases de auditoria, no planeamento, na recolha, na validação e na prestação de informação. Todos os agentes têm de prestar boas contas, completas e relevantes. O mercado assim o exige.

Estou convicto que este é o mecanismo que, com provas dadas, permite a entrada de novos operadores no mercado da auditoria e que estimula a concorrência entre um maior número de empresas de auditoria de diferentes contextos culturais e técnicos, o que resulta numa maior inovação e numa melhor resposta às necessidades do mercado.

Além disso, permite às empresas de menores dimensões entrarem na dinâmica dos investimentos, tanto do ponto de vista da cobertura geográfica, como do conhecimento especializado por sector ou dimensão.

Depois, e não menos importante, reforça a independência do auditor, sobretudo no que respeita à aceitação devida de serviços distintos de auditoria; reforça a capacidade dos auditores de defenderem a sua posição no caso de desacordo com a entidade; e promove o diálogo saudável entre duas sociedades de revisores oficiais de contas nomeadas, o que reforça o olhar crítico sobre o trabalho de cada auditor.

Temos verificado a procura por diferentes entidades ou a solicitação por grupos de stakeholders da nomeação de um auditor independente, além do auditor estatutário.

Isto quer dizer que o mercado procura acomodar, na prática, o princípio dos “quatro olhos”, pelo que, é relevante que o legislador preveja e crie condições para acomodar a auditoria como uma solução.

Pela qualidade da informação

A mensagem subjacente à diretiva europeia para a reforma da auditoria é a qualidade e, no limite, fazer com que o uso da palavra auditoria seja valorizada e imediatamente apreendida e compreendida pelo mercado como um sinal de confiança.

Do processo para concretizar esta ideia faz parte a adoção da auditoria conjunta, porque é parte do esforço para reforçar a qualidade da informação que é disponibilizada ao mercado, fortalecendo-o. Para que isso aconteça em Portugal, é preciso que a abertura mostrada pelo ministro das Finanças na alteração da lei se traduza numa real intervenção.

O próprio Relatório do auditor vai ser diferente e alinhado com as necessidades do mercado. Porque não introduzir o modelo de auditoria conjunta no ecossistema?

Todos os agentes no mercado vão agradecer.