Francisco Falcão (Hawkclaw Capital Advisors): “O BCE deverá manter uma política muito mais acomodativa face ao seu congénere americano”

Francisco Falcão_Hawkclaw
Francisco Falcão. Créditos: Cedida (Hawkclaw Capital Advisors)

TRIBUNA de Francisco Falcão, CIO da Hawkclaw Capital Advisors.

No ano de 2021 assistimos a uma recuperação económica forte em termos globais e a emergência de níveis de inflação superiores aos registados nas últimas décadas. Para melhor entender esta dinâmica será necessário recuar a 2020, ano em que a pandemia de COVID-19 assolou o mundo provocando uma paragem brusca da economia devido à imposição de normas sanitárias e restrições à mobilidade necessárias para conter a disseminação do vírus. A disrupção foi atroz e os efeitos sociais e económicos graves, conduzindo os governos e os bancos centrais a lançar medidas excecionais de apoio, fiscal e monetário, por forma a evitar o colapso. Estas medidas de apoio conjuntamente com o amenizar da crise que aconteceu já em 2021 permitiram algum grau de normalização da vida social e da dinâmica industrial e comercial contribuindo para uma forte recuperação económica em todas as geografias.

Em nosso entender, o crescimento económico deverá manter-se em 2022, mas a um ritmo mais lento à medida que os benefícios governamentais e apoios extraordinários de política monetária se desvanecem. Nos EUA, Biden conseguiu a aprovação do seu plano de investimento em infraestruturas sendo expectável que o crescimento beneficie de mais investimento público e de uma política monetária balanceada, mesmo que esteja à vista o fim da expansão do balanço da Fed e o início do ciclo de subida das taxas de juro.

Na Europa, o investimento público via iniciativas de sustentabilidade e digitalização (Next Generation EU) serão também suporte de crescimento sendo que neste caso o BCE deverá manter uma política muito mais acomodativa face ao seu congénere americano. No caso dos países emergentes, os países mais vulneráveis sofrerão dos efeitos de um Dólar americano forte.

Na China, o tema do mercado imobiliário e a queda do gigante Evergrande aportam riscos significativos dado o peso do sector na economia, mas como habitualmente o governo deverá implementar medidas de suporte para suavizar o impacto. O crescimento deverá ser superior ao das economias desenvolvidas, embora inferior ao do ano anterior sendo a inflação certamente menor.

Por fim, no Japão o crescimento deverá manter-se positivo à medida que as iniciativas de Kishida são implementadas, o que poderá provocar um aumento da procura no curto prazo.

Em termos globais, consideramos que o crescimento económico poderá atingir os 4,0%-4,5% e a inflação os 3,5%-4,0%. A procura de bens e serviços deverá manter-se forte dado que temos hoje um nível de poupança forte e uma situação privilegiada de acesso ao crédito, com um sistema financeiro robusto. Os níveis de taxas de juro deverão subir globalmente, mas concluímos que os instrumentos de política monetária não convencionais serão os privilegiados pelos bancos centrais de modo a garantir flexibilidade aos governos no que toca às suas políticas de investimento público expansionistas. Além disso, o avanço dos programas de vacinação, os efeitos de imunidade de grupo e o surgimento de terapias para a COVID-19, tais como Paxlovid ou Molnupiravir continuarão a permitir algum grau de normalização, enquanto aguardamos pela transição da doença do seu estado pandémico para o estado endémico. Deveremos ainda assistir a um abrandamento da inflação com o desaparecimento dos efeitos base, a estabilização dos preços das matérias-primas e dos preços da energia, o aumento da participação no mercado de trabalho com a cessação dos benefícios de emprego e ainda a redução da disrupção das cadeias de produção e logística.

Considerando o nosso enquadramento macroeconómico, julgamos que o risco de aumento das yields em termos globais (nomeadamente EUA, Canadá, Austrália, Noruega, Brasil) é hoje superior ao de anos anteriores dado que os bancos centrais estão na iminência de ciclos de subida de juros e por tal os investidores devem manter uma duration curta nas suas posições obrigacionistas. A par disto, os spreads de crédito estão em níveis historicamente baixos tendo em conta o cenário de recuperação económica sendo que haverá pouco suporte via contração de spread para investidores em dívida corporativa. Por tal consideramos as seguintes possibilidades, posicionamento em dívida pública de médio-longo prazo apenas após movimentos significativos na cauda da curva (eg. apenas se a yield EUA a 10 anos exceder os 2,15%), visão oportunística no investimento em dívida high yield e emergente hard currency, posicionamento em senior loans dado o mecanismo de rendimento variável, manutenção das posições em global inflation-linked e exposição a breakeven rates of inflation.

Quanto ao investimento na classe acionista, consideramos que o próximo ano deverá continuar a ser positivo com os resultados das empresas a registarem um crescimento ligeiramente abaixo de dois dígitos sendo de esperar que aquelas entidades com mais pricing power consigam navegar incólumes o atual ambiente de aumento dos custos de produção e redução de margens dado que têm a capacidade de passar este acréscimo para o consumidor final. O setor financeiro, industrial, matérias-primas, saúde e de consumo de serviços são os preferidos, sendo que favorecemos Europa e Japão em termos regionais.

Em termos de mercados emergentes, temos convicção que tendo em conta os indicadores de avaliação, faz sentido manter uma posição generalista na Ásia. Para ganhar exposição a tendências seculares como digitalização, cibersegurança, tecnologia metaverse e blockchain, cloud computing continuamos a preferir os EUA sendo que para temas como descarbonização, eletrificação da mobilidade e energias renováveis existem também oportunidades na Europa em nosso entender. Quanto a estilo, vemos valor nas estratégias value e em cyclicals. Quanto a matérias-primas, vislumbramos uma estabilização nos metais industriais embora cobre, níquel e alumínio continuem suportados devido à transição energética e novas tecnologias. No complexo energético, as ações da OPEP+ e gestão das reservas deverão estancar grandes movimentos em alta sendo que o preço do gás depende da resolução das tensões geopolíticas com a Rússia. Em termos de produtos agrícolas, os elevados custos de produção, transporte e armazenamento deverão continuar a suportar preços elevados, mas será de esperar algum alívio à medida que caminhamos no ano. Quanto à componente cambial consideramos que o Dólar americano deverá manter-se estável ou mesmo com uma tendência de apreciação sendo que os diferenciais de taxas de juro, a evolução das balanças de conta-corrente e as divergências de política monetária serão chave. Quanto à inclusão nas carteiras de ativos considerados reserva de valor continuamos a preferir o ouro em detrimento de ativos digitais, como criptomoedas, tendo em conta o seu perfil de volatilidade e de transacionabilidade.

Quanto a riscos consideramos que qualquer reversão da evolução positiva da pandemia, o desenvolvimento de uma dinâmica inflacionista elevada acompanhada pela contração de crescimento económico (stagflation), a subida aguda das taxas de juro reais devido a movimentos extremos das yields nominais e tensões geopolíticas (Rússia-Ucrânia-Nato e China-Taiwan-EUA) são efetivas ameaças ao nosso cenário base.

A Hawkclaw Capital Advisors continua a advogar a utilização de um processo de investimento rigoroso e equilibrado por forma a beneficiar das várias fases do ciclo económico, privilegiando uma abordagem que alinha os interesses do investidor com a sustentabilidade do meio ambiente e o desenvolvimento da sociedade.