Segundo Tom Willman, regulatory lead da Clarity AI, “a interoperabilidade é essencial para abordar eficazmente os desafios globais, como as alterações climáticas, a perda de biodiversidade ou as violações de direitos humanos”.
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COLABORAÇÃO de Tom Willman, regulatory lead da Clarity AI.
No cenário complexo e em evolução da regulamentação em matéria de sustentabilidade, a interoperabilidade tornou-se uma prioridade-chave para os gestores de ativos. Embora seja frequentemente apresentada como uma forma de reduzir custos e simplificar os encargos administrativos, a sua importância vai muito além disso. A interoperabilidade é essencial para abordar eficazmente os desafios globais, como as alterações climáticas, a perda de biodiversidade ou as violações de direitos humanos. Um quadro regulamentar fragmentado desvia recursos que poderiam ser utilizados para contribuir para a transição ou para gerar um impacto sustentável significativo, dificultando assim o progresso em direção aos objetivos de sustentabilidade.
Dito isto, alcançar uma interoperabilidade total continua a ser mais um objetivo ambicioso do que uma realidade prática. As diferenças entre mercados, contextos políticos e prioridades nacionais influenciam inevitavelmente a conceção e a implementação da regulamentação, tornando inevitável um certo grau de divergência.
A nível mundial, ainda estamos longe de conseguir uma interoperabilidade completa. Embora a União Europeia seja líder na regulamentação de finanças sustentáveis, mercados da Ásia, como Hong Kong, Japão, China e Singapura, juntamente com o Canadá, a Austrália, a Suíça e o Reino Unido, estão a desenvolver os seus próprios quadros regulamentares com prioridades e abordagens únicas.
À medida que o mercado antecipa o próximo regulamento omnibus, os requisitos para que as empresas fora da UE divulguem informações de acordo com a Diretiva da UE sobre Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSDR) aumentam significativamente as expetativas normativas. Atualmente, as filiais com sede na UE que ultrapassem os limiares de dimensão têm de cumprir os requisitos da CSDR, enquanto as operações do mesmo grupo noutras jurisdições podem estar sujeitas à apresentação de relatórios ao abrigo das normas do International Sustainability Standards Board (ISSB).
Nos EUA, a ausência de um quadro ESG normalizado agrava estes desafios. As empresas devem equilibrar cuidadosamente as suas obrigações de informação ao abrigo do ISSB no estrangeiro com o risco de parecer que estão a omitir informação importante nos documentos apresentados à SEC, o que gera incerteza e possíveis riscos de cumprimento. Esta multiplicidade de regulamentações representa um desafio significativo para as empresas.
Embora os desenvolvimentos regulamentares em matéria de transparência e gestão de riscos ou impactos relacionados com a sustentabilidade representem um avanço, também sublinham a necessidade urgente de uma maior harmonização que garanta a coerência e reduza a complexidade tanto para as empresas como para os investidores.
Os riscos de uma regulamentação fragmentada
A falta de interoperabilidade na regulamentação da sustentabilidade gera riscos significativos não só para as empresas, como também para a sociedade em geral.
Em primeiro lugar, uma regulamentação fragmentada pode originar uma utilização ineficiente dos recursos. As empresas multinacionais que operam em regiões como a UE, Ásia e América do Norte enfrentam requisitos contraditórios, o que desvia a atenção e os fundos das áreas onde são mais necessários, como a inovação para resolver os desafios globais. Em vez de investirem em tecnologia para mitigar riscos climáticos ou melhorar a transparência na cadeia de abastecimento, as empresas são obrigadas a dedicar recursos a tarefas administrativas, como ajustar nomes de produtos ou modificar as descrições para cumprir diferentes regulamentações. Além disso, a necessidade de cumprir múltiplos requisitos de informação implica muitas vezes realocar pessoal e recursos de iniciativas de elevado impacto para tarefas burocráticas, dificultando a sua capacidade de enfrentar desafios climáticos complexos.
Em segundo lugar, esta fragmentação prejudica os consumidores. Ainda existe uma surpreende falta de clareza em relação a termos-chave da sustentabilidade, como sustentável, impacto ou material. Os consumidores precisam de confiar que estes conceitos têm significados consistentes, independentemente de onde são utilizados. Sem essa confiança, os consumidores são deixados em território incerto, tomando decisões baseadas em informação incompleta ou enganosa. Sem um mínimo de interoperabilidade na nomenclatura, corremos o risco de comprometer a confiança nas finanças sustentáveis.
Avanços e desafios na regulamentação dos investidores
No domínio da regulamentação dos investidores, os progressos no sentido da interoperabilidade têm sido desiguais. Embora em alguns aspetos se tenham registado progressos importantes, noutros a fragmentação persiste.
Por exemplo, o Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR) da UE estabeleceu uma base para o investimento sustentável, mas difere notavelmente dos Requisitos de Divulgação Sustentável (SDR) do Reino Unido. Nos Estados Unidos, embora não exista um equivalente direto, as normas propostas pela SEC em 2022 para a categorização de fundos ESG também apresentam diferenças significativas. Cada enquadramento tem as suas particularidades, complicando ainda mais o panorama global.
Não obstante, existem motivos para um otimismo moderado. A FCA, ao desenvolver o SDR do Reino Unido, parece ter aprendido com alguns dos primeiros desafios do SFDR, e o esperado SFDR 2.0 poderá, por sua vez, incorporar elementos das melhorias do SDR. Por outro lado, as taxonomias, como a Taxonomia Verde da UE, representam uma potencial ponte para a interoperabilidade, embora a sua complexidade e a sua abordagem regional tenham sido objeto de críticas.
Em particular, o Reino Unido está a levar a cabo consultas sobre a sua própria taxonomia, o que constitui um ponto de viragem fundamental: irá alinhar-se com a abordagem da UE ou continuará um caminho independente? Esta decisão terá significativas implicações para a interoperabilidade, quer seja fomentando uma maior harmonização, quer contribuindo para uma fragmentação ainda maior do panorama regulamentar. Para que estas taxonomias cumpram o seu propósito, terão de evoluir para uma visão mais global e harmonizada.
Relatórios de sustentabilidade: uma história de duas normas
Os relatórios de sustentabilidade enfrentam desafios semelhantes. O ISSB foi concebido como uma norma global para garantir a coerência dos relatórios a nível internacional, mas a sua aplicação pode variar em função dos contextos locais de cada país. Além disso, o ISSB e a CSRD da União Europeia representam abordagens divergentes em relação a um mesmo objetivo. Enquanto o ISSB se foca na materialidade financeira, a CSRD adota uma abordagem de dupla materialidade, abrangendo tanto os impactos sociais e ambientais como os riscos financeiros.
Apesar destas diferenças, há sinais encorajadores. Em particular, o ISSB e o European Financial Reporting Advisory Group (EFRAG) estão a trabalhar para resolver a falta de interoperabilidade. Contar com o apoio das entidades reguladoras para orientar as empresas na preparação de relatórios que cumpram simultaneamente as normas ISSB e CSRD seria um avanço significativo. No entanto, mantém-se o risco de uma implementação incoerente entre jurisdições.
O caminho a seguir: desenvolvimentos futuros
Os progressos no sentido da interoperabilidade não serão isentos de desafios, mas duas áreas-chave que são promissoras: a harmonização das taxonomias e os avanços tecnológicos.
Já estão em curso iniciativas para harmonizar as taxonomias entre regiões, como a Plataforma Internacional de Finanças Sustentáveis (IPSF), que está a trabalhar numa taxonomia comum entre a UE, a China e Singapura. Embora este processo seja complexo e demore algum tempo, alcançar uma taxonomia alinhada a nível global poderá proporcionar uma base sólida para a interoperabilidade nas finanças sustentáveis.
A tecnologia também se perfila como um facilitador essencial para o avanço da interoperabilidade. As ferramentas e plataformas avançadas, incluindo a inteligência artificial (IA) e a aprendizagem automática, estão a transformar como as empresas gerem os relatórios de sustentabilidade. Estas tecnologias simplificam a recolha de dados, a análise e o cumprimento de vários quadros regulamentares, reduzindo tanto a complexidade como os encargos operacionais. Por exemplo, algumas empresas que trabalham em conformidade com o SFDR conseguiram reduzir em até 80% o trabalho recorrente relacionado com os relatórios dos Artículos 8º ou 9º, uma mudança significativa para os gestores de fundos que gerem grandes carteiras.
A interoperabilidade não é negociável
A sustentabilidade é uma questão intrinsecamente global. À medida que o mundo enfrenta desafios urgentes, como as alterações climáticas e desigualdade social, alcançar um maior nível de interoperabilidade na regulamentação da sustentabilidade é essencial para facilitar a transição. Uma regulamentação fragmentada não só gera ineficiências, como também mina a confiança dos consumidores e dos investidores.
No entanto, embora estejam a ser feitos alguns progressos, é provável que as empresas e os investidores tenham de se adaptar a operar num contexto com um certo grau de fragmentação regulamentar. Entretanto, dispor de dados sólidos e transparentes sobre os resultados em sustentabilidade das suas operações, cadeias de abastecimento ou investimentos é passo fundamental para navegar neste complexo panorama.