João Marques (Caixa Gestão de Ativos): “As classes de ativos de cariz pró-cíclico e de rendimento variável apresentam-se melhor posicionadas”

João Marques
João Silva Marques. Créditos: Cedida (Caixa Gestão de Ativos)

TRIBUNA de João Marques, responsável da Direção de Estratégia da Caixa Gestão de Ativos.

O próximo ano deverá ser caracterizado pela continuação da retoma económica, na sequência da crise pandémica que originou a quebra de atividade global mais significativa das últimas décadas. Ao nível das principais economias, a conjugação do progresso da vacinação, gerador de contenção dos efeitos negativos da pandemia, com os estímulos fiscais ainda em curso e as políticas monetárias acomodatícias, de taxas diretoras historicamente baixas e ampla liquidez proporcionada ao sistema financeiro, confere um enquadramento mais favorável aos agentes económicos comparativamente à saída de episódios recessivos anteriores. Para 2022, é expectável que as maiores economias registem naturalmente taxas de crescimento abaixo das verificadas em 2021, mas acima do potencial estimado. Tal deverá acontecer num contexto de alguma restritividade ainda em vigor e de permanência dos desequilíbrios entre procura e oferta, embora o mesmo se deva desvanecer com o decorrer do ano.

No caso dos EUA, após as medidas fiscais significativas de apoio à economia, onde se destacaram as transferências diretas de liquidez para o setor privado, associadas ao efeito de riqueza advindo dos mercados de capitais e à rápida recuperação do emprego, poder-se-á verificar um forte ritmo de consumo ao longo do próximo ano. O investimento deverá, de igual forma, contribuir positivamente para o crescimento, dadas as condições macroeconómicas favoráveis, em especial para a recuperação da componente de bens de capital, e a necessidade de aceleração da produção para responder à procura e para o reequilíbrio de inventários. Transversalmente, apesar do impulso fiscal negativo esperado em 2022, isto é uma menor magnitude de medidas de apoio face às de contingência decretadas em 2020 e 2021, o plano de infraestruturas deverá constituir também um fator positivo para a continuação de retoma americana. Por outro lado, apesar de a Reserva Federal estar mais adiantada no processo de calibragem monetária, ao ter já iniciado em 2021 a redução das compras de ativos e, provavelmente, a encetar subidas de taxas diretoras em 2022, a política deverá continuar acomodatícia, expressa em taxas reais negativas.

Já na Europa e no Japão, o contexto de recuperação espera-se igualmente sólido e alicerçado no setor privado, com ambas as economias a apresentarem uma estrutura mais cíclica e exportadora e, assim, a beneficiarem também da retoma do comércio internacional. Em ambos os casos, as políticas monetárias deverão permanecer mais expansionistas que nos EUA e, sobretudo, no Japão, uma tração suplementar para o crescimento advirá do novo pacote de estímulo económico a ser implementado em função do contexto pandémico e da saída recente do estado de emergência.

Por sua vez, a China deverá apresentar uma evolução algo contra-cíclica face aos restantes blocos, motivada pelo enquadramento de políticas macroeconómicas e regulatórias em curso. Concretamente, as autoridades têm expressado objetivos estruturais que abrangem o controlo de setores e industrias com maior endividamento, que por sua vez constituíram o motor para o crescimento pronunciado das últimas décadas, e maiores níveis de equidade económica e social. Assim, é esperado que o país registe um abrandamento para um ritmo aproximado ao seu potencial e que o efeito negativo de medidas restritivas concretas seja contrabalançado com políticas monetárias direcionadas para outras vertentes da economia. Já no bloco emergente, o cenário perspetivado incorpora contextos distintos. Os países asiáticos, cujas autoridades monetárias não têm sido forçadas a remover estímulos de forma significativa como noutras geografias, em função da inflação, poderão beneficiar do seu elevado grau de abertura, da integração nas cadeias de valor e, deste modo, com a retoma global.

No espectro oposto, os países da América Latina, em particular o Brasil, deverão demonstrar baixos registos de PIB real, por contraste a valores de inflação relativamente elevados, com as autoridades fiscais e monetárias a intervirem para conter subidas mais significativas dos preços e, consequentemente, a depreciação das suas moedas e a saída de capitais. 

Classes de ativos melhor posicionadas

O ano de 2022 iniciará com as principais classes de ativos em níveis de valorização absoluta elevados, embora numa ótica relativa persistam prémios de risco tradutores de valor atrativo. Por outro lado, tendo em conta um cenário base de crescimento real acima do ritmo potencial, nos principais blocos, e de inflação em patamares superiores aos verificados na última expansão, as classes de ativos de cariz pró-cíclico e de rendimento variável apresentar-se-ão melhor posicionadas.

Neste âmbito, destacam-se as ações, em que, apesar dos retornos significativos de 2020 e 2021 e dos múltiplos altos atingidos, o enquadramento fundamental de continuação do crescimento das receitas e dos lucros poderá suportar não só rendibilidades positivas na classe mas também melhores performances face aos ativos de rendimento fixo. Em paralelo, os mercados acionistas poderão beneficiar de um ambiente de inflação mais elevada pois, perante uma procura robusta, as empresas terão capacidade de refletir nos preços dos bens e serviços finais o aumento de custos intermédios. Embora tendo presente a unicidade do contexto atual, a experiência de ciclos passados demonstra que só em regimes de fraco crescimento real, de inflação substancialmente acima dos valores presentes, ou seja de estagflação, e de taxas de juro de mercado bastante superiores é que os múltiplos desceram para níveis consideravelmente abaixo dos atuais e o comportamento dos principais índices acionistas não compensou os retornos dos investimentos sem risco.

No que respeita às obrigações do tesouro de referência, tal como no final de 2020, a classe volta a não exibir atratividade, tanto do ponto de vista absoluto como relativo. Apesar da tendência de subida em 2021 das taxas a 10 anos americanas e europeias, as yields permanecem extremamente baixas, o que implica um fraco rendimento ex-ante face ao histórico. Por outro lado, a decomposição das taxas nominais entre yields reais e prémios de risco de inflação demonstra que a primeira componente, ao situar-se em valores extremamente negativos, continua a incorporar um elevado prémio de refúgio. O mesmo poderá ser encurtado com a continuação da expansão económica e a mudança do paradigma de políticas monetárias, para redução das compras de ativos e posterior início de subida gradual de taxas diretoras. Em relação à dívida privada (crédito), apesar do seu viés cíclico, os spreads, tanto de investment grade como de high yield, chegaram a registar um forte movimento de compressão, aproximando-se dos níveis mais baixos do ciclo anterior. Embora não se perspetive, a curto prazo, uma inversão no momento do crédito, e, deste modo, um forte alargamento dos spreads, as valorizações da classe incorporam um cenário bastante otimista e, consequentemente, poder-se-á verificar uma assimetria negativa entre o ganho marginal advindo de algum estreitamento dos prémios de risco e a maior perda inerente à magnitude de um hipotético alargamento. Adicionalmente, a perspetiva de redução das compras de dívida privada por parte dos bancos centrais, nomeadamente do BCE, retira um considerável suporte técnico, vigente nos últimos anos, para a classe. Em paralelo, dado o valor relativo mais favorável vs. as taxas de juro sem risco, as ações deverão melhor refletir o contexto fundamental esperado e apresentar rendibilidades ajustadas pelo risco mais atrativas face às do mercado de crédito.

No que concerne às matérias-primas, os segmentos mais cíclicos, como energia e metais industriais, deverão continuar favorecidos pela retoma global em curso, embora, nalguns casos, as valorizações extremas recentemente atingidas, em função dos choques ocorridos na oferta, retirem algum potencial de apreciação, tendo, por sua vez, presente uma tendência de normalização das referidas disrupções. Já os metais preciosos, como ouro, que tipicamente denotam incrementos de preço em cenários de aversão ao risco, a subida das taxas de juro de mercado, a inflação alta, mas em tendência de desaceleração, e a ausência de perspetivas de recessão reduzem a atratividade relativa deste segmento.

Riscos

A evolução da pandemia continua a ser um dos principais riscos para recuperação económica e de mercados em curso. No entanto, com os progressos atingidos ao nível da vacinação, regista-se uma menor relação entre a mobilidade dos agentes económicos, que já se situa próxima da verificada antes da eclosão da COVID-19, e o agravamento da situação epidemiológica. Por outro lado, apesar do recente incremento do número de novos casos para níveis semelhantes aos de picos anteriores em determinados países, a percentagem de hospitalizações e de fatalidades é substancialmente menor. Deste modo, apesar de constituir um risco menos severo face ao início de 2021 e tendo em conta a maior adaptação ao contexto pandémico, as suas possíveis consequências qualificam-no ainda como um dos fatores negativos mais proeminentes no decorrer do próximo ano.

Ao nível macro, a persistência da inflação elevada, a respetiva subida para níveis acima dos atuais, especialmente em função da continuação das disrupções da oferta, e o surgimento de uma espiral de expectativas de aumentos de preços constituem também um dos principais riscos. Tal poderá condicionar o poder de compra e a confiança dos consumidores e catalisar uma reação intempestiva por parte dos bancos centrais, culminando em subidas pronunciadas de taxas de juro e constituindo um entrave à retoma económica e à valorização dos mercados mais cíclicos.

Finalmente, no foro geopolítico, deverão ser monitorizados os eventos eventualmente indutores de risco sistémico, como as relações comerciais e diplomáticas entre os EUA e a China e a evolução das tensões entre a China continental e Taiwan e entre a Rússia e a Ucrânia. Na Área Euro, para além da continuação da instabilidade com o Reino Unido em torno do acordo pós-Brexit, destacam-se as eleições presidenciais francesas onde, tal como em 2017, a possibilidade de mudança de presidente poderá acarretar volatilidade ao nível dos prémios de risco das obrigações de dívida soberana e dos mercados acionistas da região.

Fundo de investimento destacado

Os fundos de investimento e os PPR/OICVM multiativos de Caixa Gestão de Ativos, com diferentes graus de risco adequados a diferentes perfis de investidores, apresentam-se como soluções equilibradas de exposição ao mercado de capitais, não só para o contexto do ano que se avizinha mas, sobretudo, para horizontes temporais de médio e longo prazo.

Ao consistirem em carteiras amplamente diferenciadas por classes de ativos, geografias e moedas, permitem aos participantes a captura do efeito de diversificação, através da mitigação do risco específico dos ativos, e uma proposição de valor mais eficiente do que a generalidade dos investimentos mais concentrados. Apesar da perspetiva de alteração do paradigma de políticas monetárias, as mesmas deverão continuar ainda expansionistas. No caso concreto do Banco Central Europeu, embora as compras de ativos devam ser ajustadas para um ritmo menor, num cenário previsional, para os próximos anos, de inflação abaixo do objetivo de 2% é expectável que, em 2022, as taxas diretoras se mantenham inalteradas e os indexantes de mercado monetário subsistam em níveis negativos. Assim, não só as aplicações tradicionais e de mais baixo risco deverão gerar retornos reais negativos, quando ajustados pela inflação como, na consecução do cenário fundamental perspetivado para 2022, um investimento multiativos tenderá a atingir rendibilidades mais atrativas do que as referidas aplicações. Paralelamente, a alocação de capital aos veículos diversificados possibilita uma exposição ao ciclo económico global, alguma proteção face ao impacto das quedas de mercados específicos, pelo simultâneo melhor comportamento de outros ativos não correlacionados, e a rendimentos e potenciais valorizações com o decurso do tempo.

Finalmente, esta exposição pode ser complementada com a alocação a outros fundos de investimento monoativos, também disponibilizados pela Caixa Gestão de Ativos, associados às principais classes, como ações e obrigações, ou a classes alternativas de cariz mais temático como imobiliário, infraestruturas e private equity, a qual poderá ampliar o grau de diversificação e de eficiência do investimento.    

Inflação

O fenómeno de transitoriedade da inflação tem-se tornado mais persistente com a continuação das disrupções no domínio da oferta e da subida dos preços energéticos. Tendo em conta as evidências históricas de contextos pós-recessão, de desalinhamento imediato entre a recuperação da procura e o não ajuste instantâneo da produção, uma tendência de normalização será esperada a curto/médio prazo. Do mesmo modo, a informação mais recente é demonstrativa de algum alívio nos desequilíbrios verificados, com os níveis de produção das maiores economias exportadoras a recuperarem, em particular no setor automóvel onde se confirma uma retoma da atividade.

Apesar da melhoria do contexto descrito e da rotação esperada do consumo de bens para serviços, eventualmente indutora de menores pressões inflacionistas, o crescimento robusto, acima do potencial, e a forte recuperação do mercado de trabalho, inevitavelmente acarretam taxas de evolução dos preços que se poderão perspetivar acima da média do ciclo anterior à pandemia. No entanto, na hipótese de recuperação das cadeias de valor e de plateau dos preços das matérias-primas, associada à maior maturidade da expansão do ciclo, é expectável que, ao nível do bloco desenvolvido, as leituras sequenciais dos índices de preços desacelerem, entre o final de 2021 e o início de 2022, e que as respetivas variações homólogas possam também atingir um pico na mesma altura, registando posteriormente uma tendência decrescente ao longo do ano.   

Temas de investimento

No seguimento do ano transato, o contexto da COVID-19 permanece ainda bastante volúvel, em especial no que respeita a novas variantes e à eficácia das vacinas e dos tratamentos atuais. Deste modo, para além da evolução do número de novos casos, é crítica a monitorização das hospitalizações, dos internamentos em cuidados intensivos e das fatalidades. Esta informação é particularmente importante no conjunto de países que apresentam as taxas de vacinação mais elevadas. Tal permitirá aferir a probabilidade de implementação de novas medidas de restritividade que afetem a expansão económica e o comportamento dos mercados.

Por outro lado, no que diz respeito à temática da oferta, é relevante o acesso a indicadores avançados e coincidentes que permitam distinguir o sinal do ruído no que concerne às dinâmicas da produção, dos tempos de entrega, dos inventários e dos custos de transporte ao nível dos países mais expostos às cadeias de valor internacionais. A dimensão deste tópico prende-se com as implicações que as disrupções associadas podem ter em termos de abrandamento económico, por diminuição de procura, e de inflação mais persistente e significativa que a atual.  


Podem ser obtidas informações sobre os Fundos da Caixa Gestão de Ativos, tais como o prospeto e as informações fundamentais destinadas aos investidores, nos locais e meios de comercialização e no sítio de internet da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) www.cmvm.pt. Esta é a visão da Caixa Gestão de Ativos, SGOIC, S.A., que não deverá ser interpretada como uma recomendação de investimento. Para tal, seria necessário considerar objetivos de investimento, situações financeiras ou necessidades e circunstâncias específicas do investidor.