João Paulo Silva (novobanco): “As expetativas dos investidores são de uma queda acentuada nos resultados das empresas”

João Paulo Caldeira da Silva
João Paulo Caldeira da Silva. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de João Paulo Silva do departamento de Desenvolvimento e Marketing do novobanco.

As perspetivas para 2023 passam por um vislumbre de uma luz ao fundo do túnel que deve ser encarada com cautela, uma vez que a  inflação ainda tem um longo caminho a percorrer.

Mercados Financeiros em 2023: uma andorinha não faz a Primavera

Em vésperas de 2023, convém recordarmos que há um ano a convicção generalizada dos bancos centrais e dos investidores era de que o aumento da inflação para níveis bem acima dos 2% se tratava de um fenómeno temporário.

Avançando para o presente, a divulgação de que, em outubro, as taxas de inflação nos EUA e na Zona Euro tinham diminuído em relação às de setembro criou a expetativa (ou a esperança) de se ter atingido um pico de inflação. A confirmarem-se estas boas notícias em relação à inflação, ganha corpo a perspetiva, que se encontra atualmente refletida nas previsões dos investidores para a evolução das taxas de juro de referência nas principais economias, de uma alteração na política monetária dos respetivos bancos centrais algures no 2º Trimestre de 2023.

Esta perspetiva tem vindo a alimentar o debate em relação à possibilidade de já termos atingido o fundo nos mercados financeiros em geral e no mercado acionista em particular e se não faria sentido entrar em 2023 assumindo um posicionamento otimista nas ações. 

Conscientes, não só de como a opinião prevalecente no início de 2022 se revelou totalmente errada, mas também do ditado popular uma andorinha não faz a Primavera, vamos iniciar 2023 cautelosamente céticos em relação a uma mudança, no curto prazo, do ciclo no mercado acionista pelas seguintes razões: (i) a inflação continua extremamente elevada e está a ser impulsionada pelo sector de serviços; (ii) a inversão da curva de rendimentos norte-americana aponta para uma recessão.

Assim sendo, a nossa preferência vai, para já, para as obrigações em detrimento das ações. Ao mesmo tempo, permanecemos atentos aos sinais que, historicamente, têm assinalado a inversão de um ciclo negativo para um positivo no mercado acionista.

Mercado Acionista: roses are red, violets (earnings) are (feeling) blue

A correção, superior a 20%, verificada desde o início do ano no mercado acionista foi causada por aquilo que os investidores designam como derating. Esta designação significa, que a atual correção no mercado acionista resultou de um movimento de queda nos preços, ou cotações (P), das ações, enquanto que os resultados (E) permaneceram estáveis. Ou seja, o rácio P/E do mercado voltou aos níveis médios (cerca de 15), exclusivamente pela queda do numerador (P).

Olhando para 2023, as expetativas dos investidores são de uma queda acentuada nos resultados das empresas (E), causada pela recessão (ou desaceleração significativa) na economia global. Isto não é um bom presságio para os mercados acionistas, porque os preços (as cotações; P) teriam que cair juntamente com os resultados, apenas para manter os níveis atuais de P/E, que estão sensivelmente alinhados com a sua média de longo prazo.

Em conclusão, preferimos esperar por rácios P/E mais atrativos (mais baixos), antes de nos tornarmos decididamente otimistas em relação ao mercado acionista.

Obrigações Governamentais: my name is Bond, Government Bond

A postura claramente agressiva da generalidade dos bancos centrais teve dois efeitos principais: (i) as obrigações apresentam, agora, valorizações mais atrativas e oferecem um nível de rendimento (yields) superior ao das ações; (ii) taxas de juro de referência mais altas parecem, finalmente, estar a começar a ter um impacto positivo em termos de combate à inflação.

Admitindo que a inflação nos EUA e na Zona Euro atingiu, de facto, o seu pico, isso significaria menores aumentos dos juros no futuro (por exemplo: de 75 pb para 50 pb) o que, por sua vez, resultaria numa menor volatilidade nas yields. Yields mais altas e menos voláteis significam, que esta classe de ativos está pronta para retomar, desde já, o seu papel tradicional em carteiras de investimento diversificadas: proporcionar rendimento e estabilidade.

Em termos de alocação tática, preferimos as obrigações governamentais dos EUA às da Zona Euro, por causa do seu papel como ativo de refúgio – importante num início de ano marcado por uma guerra e por uma confrontação geopolítica entre os EUA e a China – e devido aos receios quanto a uma possível fragmentação na dívida pública europeia.

Obrigações Corporativas (Crédito): Gonçalo Ramos e Diogo Costa* ainda estavam na pré-primária da última vez que o crédito esteve tão atrativo

Há 16 anos, que o argumento favorável às obrigações de empresas e à dívida dos mercados emergentes, sobretudo no que diz respeito às obrigações de grau de investimento não era tão convincente:

As yields encontram-se em níveis extremamente interessantes, tanto em termos absolutos como relativos (em comparação com as ações);

Esta classe de ativos também está atrativa do ponto de vista macroeconómico, uma vez que as obrigações tendem a comportar-se bem em períodos de inflação elevada e de desaceleração económica.

As obrigações de grau de investimento estão particularmente atrativas, por três ordens de razão: (i) a sua alta qualidade torna-as mais resistente ao atual ambiente macroeconómico do que as obrigações de grau especulativo e as de mercados emergentes; (ii) nos últimos 20 anos, só estiveram tão baratas em apenas 20% do tempo; (iii) a sua taxa de incumprimento implícita está bem acima da sua média histórica.

Conclusão: vemos luz ao fundo de um túnel extremamente longo

A divulgação de taxas de inflação, referentes a outubro, em queda, deu aos investidores esperança de se ter atingido o pico da inflação e de estar para breve (1º Semestre de 2023) o fim do movimento ascendente das taxas de juro de referência. A nossa convicção para o 1º terço de 2023 é de que esta perspetiva de luz ao fundo do túnel deve ser encarada com cautela, uma vez que estamos a falar de uma luz ao fundo de um túnel bastante longo: (i) a inflação ainda tem um longo caminho a percorrer até atingir o objetivo de 2% estabelecido pela generalidade dos bancos centrais; (ii) as taxas de inflação estão a ser impulsionadas pelo sector dos serviços e pelo mercado de trabalho, o que torna a tarefa dos bancos centrais bastante mais complicada e prolongada; (iii) tendo falhado completamente os seus mandatos de controle da inflação, os bancos centrais estão determinados a recuperar a sua credibilidade, mesmo que para tal seja necessário manter uma postura demasiado restritiva e causar danos visíveis no crescimento económico.

Esta combinação de um ciclo de subida de taxas a decorrer em simultâneo com uma desaceleração do crescimento económico é tóxica para os ativos de risco, como as ações, as obrigações de grau especulativo e a dívida de mercados emergentes, e aponta para um prolongado período de recuperação para o mercado acionista: em termos históricos, o ciclo de bear market só inverte para um de bull market na 2ª metade de um período de recessão económica.

Em conclusão, para a primeira metade de 2023 mantemos a nossa atual preferência geral pelo mercado monetário e por obrigações de alta qualidade (obrigações governamentais e de grau de investimento).

*Jovens jogadores da seleção portuguesa em destaque no campeonato do mundo de futebol de 2022.