Legislação num minuto – Distribuição Transfronteiriça de Organismos de Investimento Coletivo (Diretiva (UE) 2019/11601) – O agente pagador e a proteção dos investidores

Maria Carvalho Martins. Créditos: Cedida (Sofia Leite Borges & Associados)

(Esta semana, a rubrica 'Legislação num minuto' é da autoria de Maria Carvalho Martins, associada da Sofia Leite Borges & Associados)

Os principais objetivos da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009 (Diretiva UCITS IV), incluem assegurar aos investidores: (i) uma escolha diversificada de produtos a custos mais baixos através de um mercado de Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliário (OICVM) mais eficiente na UE; (ii) uma melhor informação; (iii) uma supervisão mais eficiente dos fundos; e (iv) a manutenção de um setor de investimento da UE competitivo mediante a adaptação das regras à evolução do mercado.

Neste contexto, o artigo 92.º da Diretiva UCITS IV, dispunha que: “O OICVM deve, nos termos das disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor no Estado-Membro em que as suas unidades de participação são comercializadas, tomar as medidas necessárias para que os pagamentos aos participantes, o resgate ou o reembolso das unidades de participação e a difusão das informações que o OICVM deve prestar, sejam assegurados, nesse Estado Membro, aos participantes”.

Todavia, a transposição para o ordenamento jurídico interno dos Estados-Membros, desta disposição correspondeu em Portugal, a uma interpretação do artigo 199.º (correspondente na Lei nacional ao artigo 92.º da Diretiva) do Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC), de que quando um OICVM da UE tivesse a intenção de comercializar naquele território unidades de participação ou ações desses fundos:

  • Se a comercialização fosse desenvolvida em Portugal por uma entidade comercializadora (subdistribuidor) sujeita à supervisão da CMVM, nos termos do contrato celebrado por essa entidade com a sociedade gestora, o distribuidor principal ou o promotor desse fundo, estaria preenchido este requisito por via contratual, uma vez que os contratos de comercialização preveem cláusulas relativas à comercialização propriamente dita e às atividades de agente pagador requeridas pela Diretiva.
  • Se a comercialização fosse desenvolvida em Portugal ao abrigo da livre prestação de serviços (pela própria Sociedade Gestora do OICVM da UE, por uma Sociedade Gestora de Organimos de investimento Alternativo da UE, por uma Instituição de Crédito ou por uma Empresa de Investimento da UE - todas elas beneficiárias “ex ante” de um passaporte UCITS, AIFM ou MIFID) – exige-se que o OICVM da UE, encontre em território nacional um terceiro (uma Instituição de Crédito) com quem celebre um contrato de agente pagador, por forma a assegurar o preenchimento do disposto na Lei Nacional, procurando assegurar a proteção dos investidores no seu território nos termos da Diretiva.

De facto, o agente pagador, é designado por um OICVM da UE para atuar como "hub” (centro) para as ordens de subscrição, resgate e conversão obtidas pela rede de distribuição do fundo. O agente pagador centraliza as ordens e envia-as em seu nome (por isso atua como nominee em relação aos investidores não profissionais), ao administrador do Fundo. Adicionalmente, o agente pagador (que é uma Instituição de Crédito) presta serviços de pagamento à sociedade gestora e ao fundo, que normalmente têm contas abertas junto deste, para receber ou pagar o dinheiro (liquidação financeira) proveniente das subscrições ou dos resgates, e ainda no caso de um OICVM com forma societária, proceder ao pagamento de dividendos, previamente aprovados em assembleia-geral do Fundo. Os contratos de agente pagador prevêem, que o terceiro que preste esses serviços, tenha direito a uma contraprestação pecuniária (remuneração).

Ora, o considerando (5) da Diretiva (UE) 2019/11601 (Diretiva), sublinha que a forma como foi transposta para o ordenamento jurídico interno dos Estados-Membros a Diretiva 2009/65/CE, que determina que os OICVM são obrigados a facultar infraestruturas aos investidores, acabaram por impor encargos demasiado pesados (fruto da interpretação deste desiderato e no intuito de conferir protecção aos investidores, por parte dos Estados Membros de acolhimento), acrescentando que o método de contacto preferido dos investidores com a sociedade gestora dos fundos, passou a ser a interação direta ou telefone. Ao passo que os pagamentos e operações de reembolso são efetuados por outros canais.

Deste modo, o legislador comunitário, determina que devem ser atualizados e especificados os requisitos relativos às insfraestruturas a facultar a investidores não profissionais, e os Estados–Membros não deverão exigir uma presença física local para facultar  essas infrestruturas, sendo que tais regras deverão garantir o acesso dos investidores a todas informações a que têm direito, valendo esta esta exigência “mutatis mutandis” para os gestores de Organismos de Investimento Alternativo (OIA), sempre que estejam autorizados pelos Estado-Membros a comercializar, no seu território, unidades de participação ou ações de OIA a investidores não profissionais (cf. Considerando (6) da Diretiva).

A nova redação do artigo 92.º operada pela Diretiva, quando se refere no seu n. º 1 ao facto de os Estados-Membros deverem assegurar que um OICVM disponibilize infraestruturas para a execução de determinadas tarefas, não define se se trata do Estado-Membro de origem ou de acolhimento, o que aquando da transposição para o ordenamento jurídico interno dos Estados comporta um risco de “gold-platting”, limitado porém nos termos do disposto no n.º 2 deste preceito, ao facto de os Estados -Membros não poderem exigir que o agente pagador tenha presença física no Estado-Membro de Acolhimento.

Assim, este preceito requer a existência de infraestruturas para que seja dada execução nomeadamente às seguintes tarefas:

  • Processamento de ordens de subscrição, de recompra e de resgate e efetuar outros pagamentos aos detentores de unidades de participação do OICVM, conjuntamente com o requisito de difusão de informação e procedimentos e tratamento de reclamações dos investidores conforme dispõe o novo n.º 3 do artigo 92 – estas funções atualmente são desenvolvidas por um subdistribuidor local em Portugal ou por agente pagador com presença física no território nacional.
  • Informar os investidores sobre o modo como as ordens mencionadas na alínea a), podem ser efetuadas e sobre as modalidades de pagamento das receitas provenientes de operações de recompra e de resgate – esta informação consta atualmente do Prospeto, do Documento com as Informações Fundamentais destinadas aos Investidores (IFI) e do Documento com as Condições Particulares de Distribuição, a disponibilizar aos investidores profissionais e não profissionais nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 196.º do RGOIC.
  • Pôr as informações e os documentos exigidos nos termos do capítulo IX à disposição dos investidores nas condições estabelecidas pelo artigo 94.º da Diretiva, para efeitos de consulta e obtenção de cópias.
  • Fornecer aos investidores, num suporte duradouro, informações relativas às tarefas executadas pelas infraestruturas.

Relativamente, às alíneas c) e d), os OICVM já disponibilizam as referidas informações nos seus sítios na Internet e nos sítios da internet dos seus subdistribuidores ou agentes pagadores, através dos quais os investidores podem obter de forma gratuita esses documentos e informações num suporte duradouro.

A interpretação deverá ser no sentido de que os destinatários da nova redação do artigo 92.º da Diretiva são os Estados-Membros de Acolhimento (como por exemplo, a Alemanha, a Itália, a França, a Polónia e Portugal). Com efeito, estas jurisdições podem criar regras nos termos do disposto no n.º 1 deste novo artigo 92.º. As únicas restrições às regras locais (previstas no n.º 2 deste artigo) serão garantir aos OICVM a opção de escolher que a execução destes deveres se processe a partir do seu Estado- Membro de Origem, incluindo o processamento das ordens, sem ter que designar terceiros (agente pagador local) para lhes dar cumprimento.

Aguarda-se com expectativa, que aquando da transposição novo artigo 92.º para o ordenamento interno dos Estados-Membros, os legisladores nacionais, ao criarem as regras necessárias para permitir que sejam asseguradas as infraestruturas destinadas dar cumprimento, nesta sede, aos deveres que impendem sobre os OICVM e os OIA, contribuindo para uma efetiva proteção dos investidores, não recorram ao “gold-platting”, fazendo soçobrar dois objectivos fundamentais da Diretiva UCITS IV, que são: o de proporcionar aos investidores uma escolha diversificada de produtos a custos mais baixos através de um mercado de OICVM mais eficiente na UE e a manutenção de um setor de investimento da UE competitivo mediante a adaptação das regras à evolução do mercado.

Diretiva (UE) 2019/1160 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, que altera as Diretivas 2009/65/CE e 2011/61/UE no que diz respeito à distribuição transfronteiriça de organismos de investimento coletivo.

Diretiva 2009/65/CE, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento colectivo em valores mobiliários (OICVM)

Aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 23 de fevereiro tal como sucessivamente alterada até à presente data.