Legislação num minuto... Local do compromisso – uma interpretação (semi)dinâmica

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Hélder Frias. Créditos: Cedida (Uría Menéndez - Proença de Carvalho)

TRIBUNA de Hélder Frias, counsel, da área de Bancário, Financeiro e Seguros da Uría Menéndez - Proença de Carvalho.

O Estado membro do compromisso constitui um conceito chave do Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora ao consubstanciar o Estado membro com o qual um determinado contrato de seguro de vida (como os seguros de vida ligados a fundos de investimento) apresenta uma conexão mais próxima.

Neste caso, o Estado membro do compromisso constitui o Estado membro em que se situa a residência habitual do tomador do seguro. Dado que a letra das legislações nacional e comunitária não o esclarece, tem sido discutido se o Estado membro do compromisso deverá ser fixado em função da residência habitual do tomador do seguro com referência à data de celebração do contrato de seguro - interpretação estática - ou, pelo contrário, tal residência habitual deverá ser apurada ao longo da vigência do contrato - interpretação dinâmica.

A resposta a esta questão reveste-se de especial importância para diversos efeitos, nomeadamente para a eventual necessidade de aplicação do regime do passaporte comunitário e para a determinação da lei aplicável ao contrato e do respetivo regime fiscal.

O Tribunal de Justiça da União Europeia já se havia pronunciado sobre esta questão em 2011, tendo na altura concluído por uma interpretação dinâmica. Importa, contudo, salientar que tal decisão judicial prendeu-se essencialmente sobre uma questão de natureza fiscal, tendo o Tribunal abstido de se pronunciar sobre se essa interpretação deveria também valer para efeitos da aplicação do regime do passaporte comunitário.

A nível interno, a Autoridade de Supervisão de Seguros e de Fundos de Pensões (“ASF”) perfilhou até muito recentemente uma interpretação estática, considerando que a residência habitual deveria ser aferida apenas com referência à data da celebração do contrato de seguro, uma vez que é em tal data que são fixados os termos e pressupostos do contrato. Logo, havendo apólices a transferir cujos segurados residem em Portugal, mas que, à data da celebração da apólice, tinham residência habitual num outro Estado membro, a ASF entendia que não existem compromissos em Portugal a transferir.

A ASF aprovou, no dia 15 de março de 2022, um novo entendimento sobre esta matéria, de certa forma em linha com a decisão judicial acima referida. O local do compromisso será agora definido, nos seguros do Ramo Vida, com referência não só à data da celebração do contrato mas também em função da “nova” residência habitual do tomador na data da sua renovação.

Este entendimento tem implicações práticas para as empresas de seguros que comercializem contratos de seguro de vida sujeitos a renovação. Com efeito:

- os contratos de seguro deverão estabelecer a obrigação de os tomadores do seguro informarem o segurador de qualquer alteração da sua residência habitual;

- em caso de transferência de carteira, as empresas de seguro terão de apurar o local da residência habitual dos tomadores do seguro dos contratos de vida a transferir, não só no momento da sua celebração, como também à data da última renovação, para efeitos da determinação dos requisitos legais aplicáveis para a obtenção da necessária autorização regulatória à transferência projetada; ou

- no caso de renovação do contrato de seguro após uma alteração da residência para outro país, a empresa de seguros terá de conhecer o regime fiscal local, as obrigações de reporte e as condições fundadas em razões de interesse geral aplicáveis no país da nova residência. Alternativamente, as empresas de seguro deverão reservar o direito de recusar a renovação.

Não obstante, estamos em crer que este novo entendimento não se limitará a determinar um acréscimo de inquietações para as empresas de seguro. Pelo contrário, este entendimento poderá também representar uma oportunidade de expansão geográfica e/ou de desenvolvimento de novos produtos mediante a oferta de produtos de seguro mais eficientes, mais atrativos e melhor adaptados às especificidades locais do novo país de residência habitual dos seus tomadores do seguro.