Luís Andrade, do Departamento de Multiativos, afirma que não antevê a emergência de vulnerabilidades que justifiquem riscos relevantes de recessão ao longo dos próximos trimestres.
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COLABORAÇÃO de Luís Andrade, CFA do Departamento de Multiativos da IM Gestão de Ativos.
As dinâmicas que presenciámos no primeiro semestre de 2024 foram bem distintas do último trimestre de 2023, o que justifica um cenário mais otimista do que o inicialmente previsto para 2024. No nosso último exercício de outlook vínhamos de indicadores de confiança deprimidos, indicadores de atividade com crescimentos modestos e a área do euro ainda uma situação económica muito frágil.
Atual contexto económico nos EUA e na Europa
Aquilo que os primeiros meses de 2024 nos trouxeram foi um nível de criação de emprego nos EUA muito forte, uma retoma dos indicadores de confiança à escala global e até alguns sinais de recuperação das trocas comerciais, que deixam um perfil mais saudável da economia mundial. Para os EUA, o principal alvo das revisões em alta, a perspetiva continua a passar pelo abrandamento do ritmo de atividade comparativamente a 2023, embora marginal e consistente com a evolução que assistimos ao longo do primeiro semestre deste ano.
Na Europa, projetamos alguma aceleração do ritmo de crescimento ao longo de 2024. Embora os detalhes do PIB no primeiro trimestre revelem que o crescimento dos salários e o retrocesso da inflação ainda não se materializaram em termos de crescimento do consumo privado e que o investimento permanece débil, mantemos a convicção que tal deverá ocorrer no ano, com as rubricas de procura doméstica a beneficiarem dos cortes de taxas diretoras pelo BCE e da recuperação dos índices de confiança. A área do euro deverá ainda beneficiar da melhoria dos termos de troca e do crescimento das trocas comerciais mundiais, no âmbito da intensidade exportadora da região.
Medidas estatais, recuperação e crescimento na China
O PIB da China surpreendeu em alta no primeiro trimestre de 2024, o que motivou revisões em alta das perspetivas de crescimento anual. Não obstante, a trajetória dos principais indicadores de atividade foi descendente, em particular no que se refere aos indicadores de mercado imobiliário. Se por um lado vemos as políticas estatais anunciadas no passado recente a contribuir para a estabilização do ritmo de crescimento no decorrer do segundo semestre de 2024, esta é uma trajetória que carece ainda de confirmação, pelo que continuamos na expetativa, fruto dos desafios estruturais e conjunturais que a economia chinesa ainda tem pela frente.
Mercado de trabalho
No que diz respeito especificamente ao mercado de trabalho, continuamos a ter uma visão muito construtiva, cimentando a visão de que continuará a ser um dos principais pilares da resiliência económica das economias desenvolvidas, o que suporta os níveis de confiança, se reflete no crescimento salarial e, em última análise, beneficia as perspetivas para o consumo privado.
Apesar de reconhecermos que algumas particularidades pós-COVID impulsionaram o nível de emprego nas economias desenvolvidas, como as expetativas de forte crescimento da procura e os níveis de horas trabalhadas ainda substancialmente abaixo do exibido até 2019, vemos a robustez do mercado laboral enquadrada num crescimento ainda saudável dos lucros das empresas, que continuam a reportar grande dificuldade para contratar mão de obra qualificada face aos níveis ainda elevados da procura, o que nos dá alguma garantia de continuidade desta solidez. Por outro lado, vemos sinais progressivos de arrefecimento e projetamos uma continuidade destes, embora ainda em patamares que ainda não inspiram níveis de vulnerabilidade que comprometam a continuidade do ciclo económico.
Uma das repercussões mais imediatas da situação ainda sólida do mercado laboral continua a ser os níveis de inflação nos serviços ainda algo pressionados, próximos de 4% nos EUA e na área do euro e de praticamente 6% no Reino Unido.
Inflação ainda deverá permanecer acima do objetivo
Após surpresas em alta da inflação nos primeiros meses do ano, que atribuímos, pelo menos em parte, a fatores sazonais, o que antevemos é uma continuidade do processo desinflacionista nos próximos meses, embora com um abrandamento mais lento do que o observado até aqui. Para acompanhar esta evolução será importante olhar além das variações homólogas da inflação, uma vez que estas, devido a efeitos de base, irão estabilizar até ao final do ano.
Antecipamos, por isso, que a inflação irá permanecer acima do objetivo durante mais algum tempo, certamente ao longo dos próximos nove a 12 meses. No médio prazo, as tensões geopolíticas, a desglobalização e os custos da transição energética devem significar níveis de inflação mais elevados do que no passado.
Políticas monetárias até ao final do ano
No âmbito da política monetária, assistimos a cortes de taxas diretoras por várias economias desenvolvidas no decorrer do primeiro semestre de 2024, e antecipamos uma continuidade deste processo na segunda metade do ano. O Banco Central Europeu deverá cortar as suas taxas de juro pelo menos uma vez neste período, à semelhança do Banco de Inglaterra. O nosso cenário central aponta para um corte de taxas pela Reserva Federal dos EUA até ao final do ano.
Antecipamos igualmente mais alguns cortes de taxas diretoras ao longo de 2025, embora se antecipe níveis ainda historicamente elevados durante mais tempo, o que se deverá prolongar até à iminência de um abrandamento económico mais acentuado ou mesmo de uma recessão económica.
Bancos centrais têm margem para alguns cortes de taxas
Em suma, vemos o ciclo económico ainda numa situação de mid/late cycle, onde, apesar abrandamento projetado, não antevemos a emergência de vulnerabilidades que justifiquem riscos relevantes de recessão ao longo dos próximos trimestres. Esta expetativa vai sendo corroborada pela observação dos lucros e margens operacionais das empresas, com crescimentos ainda saudáveis, embora mais exuberantes em alguns casos do que noutros.
Vemos a inflação em moderação, mas provavelmente ainda pressionada durante mais algum tempo, e, com base neste cenário, vemos os bancos centrais das economias desenvolvidas com margem para alguns cortes das taxas diretoras – e é notória a propensão destes para cortar e conter os riscos económicos -, mas deverão fazê-lo de forma calculista, por forma a evitar riscos de reemergência da inflação.
Entre os principais temas a acompanhar no 2.º semestre, com impacto potencial nas nossas projeções e globalmente para os mercados financeiros, destacamos:
- O acompanhamento da dinâmica da inflação - sabendo de antemão que em termos homólogos não haverá grande progresso devido a efeitos de base, sendo necessária uma análise mais refinada para perceber a proporção de potenciais cortes de taxas diretoras pelos bancos centrais;
- Seguir a evolução da economia e do mercado laboral - caso se assista a uma desaceleração mais pronunciada, significa que podemos estar mais próximos do fim do ciclo do que pensamos neste momento, com implicações no retorno potencial nas classes ativos de maior risco;
- Eventos geopolíticos e o impacto das eleições nos EUA - com temas como a imposição de tarifas comerciais e a política orçamental a poderem ter implicações inflacionistas e na perceção dos investidores no âmbito do mercado de dívida.