Para a segunda metade do ano, Luís Sancho, gestor de carteiras da BBVA AM, destaca o facto de as obrigações terem voltado a ser uma opção capaz de investimento.
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TRIBUNA de Luís Sancho, gestor de carteiras da BBVA AM.
Com mais ou menos dificuldades a segunda metade do ano deverá trazer a inflação dos países desenvolvidos para níveis próximos dos 2%, ainda que, provavelmente, os bancos centrais tenham de se contentar com uma inflação que poderá gravitar entre 2% e 3% durante um período de tempo mais alargado.
As principais economias
A acontecer tal desiderato, convém referir que o mesmo será amplamente satisfatório, até porque irá ocorrer num contexto de recessão ligeira com níveis de emprego particularmente elevados em ambos os lados do Atlântico. Vislumbramos, contudo, três riscos que, a materializarem-se, podem fazer derrapar o nosso cenário geral: um crescimento, surpreendentemente, algo anémico da economia chinesa, alguma complacência com os altos níveis de endividamento de alguns países, que poderão conduzir a níveis de yields estruturalmente mais elevados (bem patente, por exemplo, na reação dos mercados à crise da dívida soberana britânica em setembro do ano passado) e também não podemos menosprezar a possibilidade do abrandamento económico nos EUA ter um cariz mais abrupto fruto de uma economia com níveis de alavancagem elevados e que sentirá com mais intensidade a política monetária restritiva da Reserva Federal (FED).
Os EUA continuam a desafiar a lógica de uma recessão há muito anunciada e apesar da grande maioria das estimativas continuar a apontar nesse sentido parece ser consensual que a confirmar-se, esta, não será muito pronunciada. A forte resiliência do mercado laboral juntamente com uma almofada de poupança considerável tem mitigado consideravelmente o cenário recessivo. Aliás, as nossas projeções mais recentes apontam para uma ligeira revisão em alta do crescimento económico em 2023 para 1,4%.
A Zona Euro contou também com uma alteração substancial das suas perspetivas de crescimento. Depois ter conseguido contornar, com um misto de engenho e sorte, a sua enorme dependência do gás importado da Rússia e de ter beneficiado de algum crescimento económico, contra todas as expectativas, a verdade é que o endurecimento da política monetária está a provocar um aceleramento na deterioração da atividade económica. Ainda assim, e face a um cenário de princípio de ano bastante adverso a verdade é que a região poderá apresentar um crescimento económico à volta de 0,4% em 2023.
A China, parece estar a sofrer uma espécie de sequelas do seu largo período de confinamento e não está a conseguir descolar para um período de crescimento económico mais acelerado e em linha com o processo de reabertura da economia. Alguma dificuldade em repor totalmente a sua capacidade produtiva, que poderá estar associada quer às tensões com os EUA, quer também a um certo processo de reversão da globalização poderão explicar esta atual letargia. Contudo, a quase ausência de inflação também poderá proporcionar o incremento de estímulos à economia. Nesse sentido, ainda não afastaríamos totalmente a possibilidade da economia recuperar para níveis de crescimento compatíveis com os desígnios das autoridades centrais à volta de 5%.
Nos emergentes, não será tanto o desempenho económico de 2023 que irá chamar a atenção mas sim as derivadas que advêm das políticas monetárias, especialmente da Fed, que poderão sobretudo ao nível das diferentes classes de ativos desta região potenciar algum interesse. Uma fase bastante mais adiantada do ciclo de aperto monetário aliado a uma eventual perda de momentum do dólar (fim do ciclo de subidas de taxas de juro e níveis futuros de endividamento substancialmente elevados) podem contribuir para um sweet spot para os ativos desta região.
Classes de ativos melhor posicionadas para enfrentar o semestre
Já no princípio do ano tínhamos enfatizado o facto de as obrigações terem voltado a ser uma opção capaz de investimento quer por oferecerem níveis de rentabilidade mais atrativos, quer também pelo retomar de alguma descorrelação com os ativos de maior risco o que supõe uma maior eficiência na construção de portefólios mistos.
Nesta segunda metade do ano a dívida soberana parece-nos ter melhorado o seu atrativo relativo face ao início do ano, em especial, uma maior margem para a subida de rentabilidade do bund alemão devido a um ciclo monetário restritivo do Banco Central Europeu que se poderá estender até ao final do ano. Embora neste momento não seja muito evidente, o cenário de uma recessão ligeira no bloco dos países desenvolvidos poderá potenciar estratégias que tirem partido da positivação da curva de rendimentos. O crédito não deverá trazer grandes novidades até ao final do ano, podendo mesmo vir a sofrer de alguma ampliação dos seus diferenciais nos segmentos de maior risco, ainda assim o nível atrativo de rentabilidades continua a fazer desta classe uma opção válida para 2023.
O nosso cenário para o mercado acionista não se alterou substancialmente embora a rentabilidade esperada até ao final do ano tenha recuado um pouco face ao bom desempenho alcançado ao longo do primeiro semestre, e apesar de não vislumbrarmos uma zona geográfica que se possa destacar face às demais, acreditamos que o atual desconto das ações europeias e emergentes face às suas congéneres americanas mereça a devida atenção. A monitorização da reversão de margens vai continuar a ser importante para perceber a resiliência das empresas em navegar o ano de 2023, que será marcado por menos crescimento económico e ainda níveis de inflação acima das metas definidas pelos bancos centrais.
A forte queda do setor imobiliário admitindo um contexto de estabilização das subidas de taxas de juro pode tornar esta opção bastante interessante.
Temas de investimento
Apesar da forte retórica dos Bancos Centrais em deixar não transparecer qualquer tipo de contemporização no combate à inflação, a verdade é que o trabalho efetuado até agora parece estar a surtir efeito. A grande questão será perceber se realmente existem forças estruturais em curso que nos obriguem a conviver com níveis de inflação mais elevada nos próximos anos. A falta de mão-de-obra especializada aliada a crescimentos demográficos baixos nos países desenvolvidos, a necessidade de acelerar a transição energética e uma certa reversão do movimento de globalização, com vários países a pretender cadeias de abastecimento mais próximas e mais fiáveis poderão ser forças a ter em consideração.
Ainda assim, todo o frenesim à volta do potencial da Inteligência Artificial também poderá ser um forte contraponto na mitigação da inflação potenciando ganhos de produtividade em várias áreas da economia.