Luís Sancho (BBVA AM): “Que 2023 se inicie sob o auspício de podermos desfrutar dos benefícios de carteiras bem diversificadas”

Luis Sancho
Luís Sancho. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Luís Sancho, gestor de Carteiras da BBVA Asset Management.

Ao perspetivar 2023 não posso deixar de refletir que 2022 se desenrolou num enquadramento de economia de guerra. Guerra na sua forma literal expressa no conflito da Ucrânia, e mais figurativa, mas não menos profunda no combate à inflação por parte dos Bancos Centrais e as últimas reminiscências, mas, provavelmente, com implicações profundas do combate à pandemia de Covid-19 na China. 

Inevitavelmente este contexto trará menos crescimento económico, com algumas zonas do globo, provavelmente, a enfrentar alguns períodos de recessão.

O que esperar das principais economias em 2023

Nos EUA, o rápido endurecimento da política monetária para fazer face às elevadas taxas de inflação e a debilidade do entorno global provocaram uma significativa revisão em baixa das expetativas de crescimento, aumentando as probabilidades de recessão. Perspetivamos níveis de crescimento à volta de 0,7% ainda que esta cifra possa sofrer uma deterioração se houver um abalo no mercado imobiliário (taxas de hipotecas a 30 anos em máximos dos últimos 20 anos, em níveis de 7,25%).

Na Zona Euro, apesar do engenho em encontrar fontes e formas de energia alternativas, que a médio prazo será um acelerador no processo de transição energética, a excessiva dependência de países como a Alemanha por gás, irá contribuir para um abrandamento acentuado da atividade económica na região, que ainda assim, nas nossas estimativas apresentará um débil crescimento de 0,3% em 2023.

A China, de todos os grandes blocos, pode ser aquele que pode oferecer surpresas positivas, embora, como se viu recentemente, tenha de adotar uma política mais pragmática no combate à pandemia. Este país, ao contrário do bloco dos países desenvolvidos, goza de algum apoio monetário, ainda que seja difícil vislumbrar cortes nas taxas de juro do banco central. Acreditamos que o relaxamento de algumas restrições para limitar os efeitos económicos e sociais da política de Covid-19 zero venha a ser uma realidade, o que naturalmente poderá contribuir para uma melhoria do crescimento, que segundo as nossas estimativas poderá rondar o valor de 4,5% em 2023 face ao valor de 3,5% em 2022.

Nos emergentes, especialmente, na América Latina, área onde dedicamos mais atenção, parece-nos que o ótimo desempenho de 2022 será o principal inimigo de um bom 2023, dado que a combinação de medidas de estímulo, reativação de atividade e forte procura de matérias-primas, do ano em curso, favoreceu esta zona de globo. Na medida em que estes elementos perdem força, 2023 caracterizar-se-á por umas perspetivas de crescimento modestas. Acresce que ainda pairam muitas dúvidas sobre o nível de gastos públicos de países importantes como o Brasil, que poderão colocar alguma pressão na região.

Mercado de obrigações e ações

Depois das fortes quedas de preço assistidas nas principais classes de ativo de risco no corrente ano, os retornos esperados melhoraram e, inclusivamente, quase todas as classes terão capacidade de produzir retornos reais positivos, admitindo um cenário base como o acima descrito.

Nesse sentido, o cliché Bonds are back será uma proposição válida para 2023. Após a forte ampliação de spreads e subida de juros ocorrida, os ativos com risco creditício mantêm um considerável atrativo relativo, sobretudo no segmento de investment grade. Ainda assim, a rentabilidade esperada em dívida soberana também recuperou, mais recentemente, o seu atrativo e não deixará de ser uma opção a considerar na construção de portefólios mistos.  

A rentabilidade esperada para o mercado acionista, também sobe, em geral, para todas as geografias, ainda que, no nosso entendimento, não nos permita vislumbrar uma zona geográfica que se possa destacar face às demais. A monitorização da reversão de margens, em parte já descontada pelo mercado, será importante para perceber a resiliência das empresas em navegar o ano de 2023, que será marcado por menos crescimento económico e ainda altos níveis de inflação. A queda do setor imobiliário num contexto de estabilização das subidas de taxas de juro poderá despoletar algumas oportunidades nesta área. 

Temas de investimento

Em termos temáticos, e numa lógica de longo prazo, acreditamos que as dinâmicas relacionadas com os temas da descarbonização, por um lado, e os temas do envelhecimento, oferecerão boas oportunidades no mercado acionista.

A recessão induzida por parte dos principais Bancos Centrais, para mitigar os efeitos da inflação, vai ter o seu pleno impacto em 2023. Até agora a grande maioria das famílias, devido às poupanças acumuladas durante os anos de pandemia, ainda não ajustou os seus comportamentos de consumo face à realidade de um menor poder aquisitivo e esta realidade poderá conhecer níveis de insatisfação elevados no próximo ano que colocarão muitos desafios aos governos um pouco por todo lado. A fadiga da guerra na Ucrânia também poderá apressar decisões que poderão não ter a melhor ponderação no desfecho do conflito, embora nesta matéria seja tudo bastante imprevisível.

Em termos de investimento, e face ao exposto de que todas as classes de ativos, em termos reais, terão capacidade de gerar retornos positivos e, no nosso entendimento, o crédito oferecer um retorno ajustado pelo risco um pouco melhor que o mercado acionista, eu diria que os fundos multiativos numa lógica de 60%-40% voltaram novamente a ser uma proposta atrativa.

Inflação

No que toca à trajetória de evolução de inflação e numa altura que a inflação norte-americana já apresenta sinais de desaceleração no nível de preços, admitindo uma estabilização do preço do petróleo nos $90 por barril e que os problemas das cadeias de distribuição se vão resolvendo ao longo do tempo irá favorecer esta tendência. A debilidade da procura, a perda de força do mercado laboral, que permitirá uma moderação do crescimento dos salários e também o arrefecimento do mercado imobiliário, irão dar o seu contributo para reduzir as pressões inflacionistas no setor de serviços. Nesse sentido a inflação poderá situar-se abaixo de 4% em finais de 2023. Na zona euro a mesma poderá estar abaixo de 3%, fruto do recuo do preço das matérias-primas e de um mercado laboral que não evidenciou a magnitude de ganhos experimentado pela economia americana.

Apraz-me registar que depois de anos, fruto do esmagamento das taxas de juro, que nos remeteu para o mercado acionista como praticamente a única fonte potenciadora de ganhos e depois de um ano de 2022 em que as opções, derivado da forte reversão da política monetária, foram virtualmente inexistentes que 2023 se inicie sob o auspício de podermos desfrutar dos benefícios de carteiras bem diversificadas por diferentes classes de ativos.