Mário Fernandes, CFA (Banco Carregosa): “As taxas de juro do mercado monetário vão se manter baixas e inferiores à inflação”

Mário Carvalho Fernandes
Mário Carvalho Fernandes, CFA. Créditos: Cedida (Banco Carregosa)

TRIBUNA de Mário Carvalho Fernandes, CFA, Chief Investment Officer do Banco Carregosa.

Após o forte abrandamento económico causado pela pandemia em 2020, o biénio 2021/22 tem confirmado ser caracterizado pela recuperação económica, com os principais blocos a convergir, ainda que a diferentes velocidades, para as suas trajetórias de crescimento estrutural. Em 2022 o crescimento económico global deverá permanecer acima do seu potencial de longo prazo, ainda que a um ritmo inferior ao observado em 2021. Enquanto que a economia chinesa foi a que recuperou mais rapidamente essa trajetória de crescimento de longo prazo, foi também a que perdeu algum fulgor nos últimos meses. A economia americana tem revelado uma dinâmica de recuperação e será uma das economias que entra em 2022 com mais vigor. Na Europa a dinâmica de crescimento também acelerou face ao período anterior à pandemia, mas deverá, a médio prazo, enfrentar as forças estruturais que lhe conferem um crescimento natural mais baixo. Este assincronismo na dinâmica de crescimento das principais economias globais tem implicações na evolução das pressões inflacionistas e das respostas das autoridades monetárias e fiscais, que deverão ser mais acomodatícias na China, mais austeras nos Estados Unidos e balanceadas na Europa. As pressões inflacionistas começaram a fazer sentir-se em 2021, mas será em 2022 que se terá uma melhor perceção da durabilidade e intensidade deste surto, que parece ser mais relevante nos EUA, onde se começam a sentir pressões salariais que podem ser um indicador da maior persistência da inflação nessa economia do que inicialmente esperado. No entanto, essa inflação deverá moderar-se ao longo dos próximos meses, embora se mantenha acima dos objetivos da Reserva Federal.

Classes de ativos melhor posicionadas

Apesar da evolução da política monetária no sentido da normalização, ainda existe um longo caminho até se atingir esse estado, pelo que as taxas de juro do mercado monetário se vão manter baixas e inferiores à inflação, prolongando o ambiente de repressão financeira vivido ao longo dos últimos anos, com os investidores a enfrentarem taxas de juro reais negativas. O investimento com o objetivo de preservar pelo menos o poder de compra das poupanças deverá por isso ser mais uma vez forçado a assumir algum tipo de risco. Caberá a cada investidor selecionar os riscos a que pretende estar exposto, de forma a atingir os seus objetivos dentro do seu perfil e das suas restrições ou preferências. A diversificação dos investimentos será sempre uma mais-valia para se atingir uma rentabilidade potencial mais elevada incorrendo num nível de risco mais contido.

Com menor suporte dos bancos centrais, o risco de taxa de juro deverá ser penalizado, pelo que os investidores devem procurar expor-se preferencialmente a outros prémios de risco, como por exemplo aos riscos de crédito e liquidez, de acordo com os seus perfis e objetivos de investimento. Assim, obrigações nas classes de alto rendimento (high yield) e dívida subordinada são alternativas a considerar, ainda que de forma seletiva e criteriosa. O investimento em instrumentos que conferem exposição ao imobiliário ou outros ativos reais, como infraestruturas, também podem ser forma de capturar alguns prémios de risco de liquidez, mas será importante perceber qual o risco de taxa de juro a que esses veículos possam estar expostos, nomeadamente a capacidade de indexação dos seus cash-flows futuros à dinâmica da inflação ou taxas de juro.

A classe acionista tende a estar mais exposta ao risco do ciclo económico e, apesar de não se encontrar a níveis de valorização baixos em relação à história, continua a ser uma potencial fonte de rentabilidades reais positivas a médio prazo. A nossa preferência continua assente em empresas com algum poder de mercado, de onde decorre a maior capacidade de repassar eventuais aumentos dos custos para os seus clientes, e por isso apresentam margens estáveis e, tendencialmente, balanços robustos. Num período de alguma inflação, algum balanceamento das carteiras para empresas mais cíclicas e mais value pode ser um importante fator de diversificação e de gestão do risco. 

Riscos

Dos vários riscos que monitorizamos, o risco de uma inflação mais persistente será possivelmente o risco que reúne em simultâneo uma probabilidade e um impacto mais elevados. Este risco decorre de outros relacionados, como a manutenção da política Covid-Zero, na China, os estrangulamentos nas cadeias de produção e distribuição globais, emergência de novas variantes da pandemia e poderia materializar-se numa necessidade da atuação da política monetária mais restritiva do que a que já se encontra descontada no mercado. Sendo um risco identificado e monitorizado, não é o nosso cenário central, que antecipa uma reversão gradual das tensões inflacionistas com a dissipação dos fatores responsáveis pela sua génese.

Atribuímos também alguma probabilidade ao risco de que nem todos os atuais estrangulamentos (bottlenecks) serem temporários, já que a transição energética pode ter contribuído para uma potencial crise no fornecimento de energia baseada em hidrocarbonetos, que se poderá materializar quando a intensidade energética da economia global voltar ao seu normal, e as fontes alternativas ainda não estejam aptas para substituir as necessidades de forma plena.

Em sentido contrário, nos próximos meses, poderemos assistir à materialização de um abrandamento económico mais acentuado do que o antecipado, causado pela eventual acumulação excessiva de inventários nos últimos meses. A adoção de uma estratégia defensiva das empresas, que acumularam inventários suportados num planeamento just in case em detrimento do just in time, pode ter conduzido à acumulação de inventários e encomendas excessivas. A reversão desse movimento pode gerar um ciclo de 3 a 6 meses de alguma quebra acentuada da atividade, que contribuiria para o arrefecimento da economia e das pressões inflacionistas.

Inflação

A inflação era a principal incógnita no início de 2021 e veio a revelar-se mais elevada e menos transitória do que o antecipado. O grau da dimensão e da transitoriedade deste fenómeno será a grande questão de 2022. No nosso cenário central, identificámos situações distintas nas diferentes economias, já que não há pressões inflacionistas na China ou no Japão e na Europa parecem existir justificações para um carácter mais temporário do fenómeno. Contudo, nos EUA, a disseminação do aumento dos salários revela uma menor transitoriedade das tensões inflacionistas. O movimento dos preços em 2021 deverá ser seguido por algumas réplicas nos próximos meses, contudo, sucessivamente mais moderadas, levando a inflação a convergir gradualmente para um nível mais próximo, ainda que acima, do objetivo da Reserva Federal.

Fundo de investimento recomendado

Uma recomendação de investimento deve ser sempre enquadrada no contexto singular de cada investidor, da sua situação financeira, experiência, idade, objetivos, horizonte temporal, restrições e preferências. Para cada investidor haverá uma solução composta por um veículo ou conjunto de instrumentos que melhor se adequa à sua situação particular, pelo que mais do que sugerir um instrumento em particular, acreditamos que os potenciais interessados devem procurar aconselhamento financeiro no sentido de obter uma resposta personalizada.

Temas de investimento

Procuramos de forma contínua novas alternativas e oportunidades de investimento, tanto para alargar a nossa exposição a fatores descorrelacionados como para substituir alguns veículos nos temas a que já estamos expostos, por formas e métodos de gestão que sejam mais promissores ou eficientes. Nas nossas estratégias de investimento procuramos estar expostos às tendências seculares como, por exemplo, a urbanização, envelhecimento demográfico, digitalização, robotização e 4.ª revolução industrial. Taticamente também procuramos exposição, por exemplo, ao tema da inflação, com exposição aos sectores de energia e matérias-primas. Temos explorado algumas alternativas de investimento para aceder aos mercados obrigacionistas chineses, numa ótica de aumentar a diversificação das carteiras de investimento em obrigações, em especial, de elevada qualidade creditícia.