Mário Fernandes e Tiago Gaspar (Banco Carregosa): “Caso a recessão se revele moderada, deverá observar-se um bom momento de entrada nos ativos de maior risco

Mário Carvalho Fernandes e Tiago Gaspar. Créditos: Cedida (Banco Carregosa)

TRIBUNA de Mário Carvalho Fernandes, CIO e Tiago Gaspar, responsável pela Análise e Seleção de Fundos, do Banco Carregosa.

A economia dos EUA tem demonstrado que a vaga de crescimento não foi imediatamente interrompida com o início do ciclo de subidas de taxas de juro. O setor imobiliário revelou uma paragem mais abrupta no número de transações, o consumidor revela-se pouco otimista, mas o mercado de trabalho dinâmico e o recurso ao crédito têm permitido que o consumo não abrande em linha com a queda no rendimento disponível. Esta situação deverá degradar-se nos próximos meses, em que se espera recessão ou crescimento nulo. A combinação da mais rápida subida das taxas de juro das últimas décadas após um prolongado período de adaptação a taxas baixas irá provocar tensões nos balanços de muitos negócios. Adicionalmente, os programas de QT também retiram liquidez do mercado levando a que seja propício a deslocações significativas nas avaliações dos ativos. Também a nível fiscal, a margem de manobra é muito curta, uma vez que os défices aumentaram significativamente com os apoios oferecidos durante a pandemia. Por fim, uma vez que o investidor obtém em dívida de elevada qualidade em maturidades curtas um rendimento apelativo, tal poderá provocar o inverso do hunting for yield que perdurou durante vários anos. A inflação continua a ser a grande incógnita, mas depois ter sido mais duradoura do que o inicialmente esperado, deverá agora ser também mais difícil de debelar por completo. Os efeitos-base vão contribuir para uma redução do ritmo de crescimento de preços, mas os salários, a guerra, a revolução energética e a desglobalização podem dificultar a tarefa de colocar a inflação próxima dos 2% tão rápido como se deseja. Uma vez que as pressões inflacionistas não se abateram (embora seja plausível que o máximo já tenha sido atingido após o verão) a Fed deverá ser cautelosa e não apoiará os mercados tão rapidamente como no passado. De facto, a sua vontade de ter condições financeiras restritivas indicia que a Fed até veria com bons olhos uma redução da avaliação dos ativos de forma generalizada.

Neste enquadramento, obrigações de elevada qualidade creditícia, com reduzida duration são a alternativa mais apetecível, em detrimento dos ativos com maior risco de crédito, de taxa de juro e de mercado. Ao longo de 2023, caso a recessão se revele de facto moderada e sem eventos sistémicos, deverá observar-se um bom momento de entrada nos ativos de maior risco, como os mercados acionistas.

A economia europeia 

A economia europeia não estava tão sobreaquecida como a norte-americana, e foi mais afetada pelo aumento do custo da energia que se acentuou após o início do conflito na Ucrânia. Espera-se que o continente enfrente uma recessão que deverá ser mais cavada do que nos EUA. A inflação na Europa não parece tão desancorada como nos EUA: expectativas da inflação e evolução dos salários mais fraca. Provavelmente o seu R* é significativamente mais baixo do que nos EUA. É uma geografia mais incerta devido ao sequestro da estabilidade energética. O forte investimento público tem permitido amenizar o impacto na economia, mas a sustentabilidade desta opção pode começar a ser colocada em causa, se não existirem indícios de que o conflito possa conhecer um desfecho favorável à independência energética europeia.

A classe de ativos melhor posicionada para enfrentar o semestre: obrigações

Economias emergentes

As economias emergentes não são todas iguais. Há economias com vulnerabilidades nas balanças comerciais e que têm conhecido uma forte deterioração dos termos de troca, enquanto que os países exportadores de matérias-primas inflacionadas têm beneficiado com esta conjuntura. Por exemplo, nos BRIC, a Rússia é um caso à parte e o Brasil tem beneficiado nos seus termos de troca, está avançado nas políticas monetárias restritivas e já revela menores pressões inflacionistas. Por outro lado, a Índia e a China, apesar da dependência energética crónica, têm beneficiado da posição de neutralidade face à Rússia. Enquanto a China apresenta dinâmica própria, centrada na estabilização do mercado imobiliário (ao nível financeiro e económico) e nas políticas de combate ao Covid, a Índia será a única geografia relevante com crescimento económico em 2023 perspetivado superior a 7%. O bloco dos emergentes tem demonstrado notável resiliência apesar da valorização muito expressiva do USD, o que poderá ser indício de uma forte recuperação num ambiente menos favorável para o USD.

A classe de ativos melhor posicionada para enfrentar o semestre: obrigações e ações (China).

O Japão é única economia desenvolvida que não tem sido penalizada pelo surto inflacionista de 2022, pois essa inflação era ambicionada há décadas. O desequilíbrio das contas externas e a postura acomodatícia do banco central conduziram à depreciação acentuada do iene e ao reaparecimento de alguma inflação, ainda que em níveis muito mais contidos do que os observados nos EUA e Europa. Será essencial que as empresas japonesas tirem partido dos ganhos de competitividade, e nesse processo podem surgir oportunidades no sector exportador nipónico, desde que com cobertura cambial.

A classe de ativos melhor posicionada para enfrentar o semestre: ações com cobertura cambial.

Inflação, crescimento económico e as crises financeiras sistémicas

De uma forma resumida podemos identificar três riscos latentes: a inflação revela-se mais longa do que o esperado; o crescimento económico manifesta-se mais recessivo do que esperado; crises financeiras sistémicas decorrentes da política monetária mais restritiva ao nível global. Em concreto:

  • Risco económico: tanto os EUA como Europa a mostrarem gradual degradação dos indicadores económicos. Dado que o mercado de trabalho funciona como elevado lag ainda não se atingiu o epicentro da recessão. O imobiliário pode vir a ser um risco importante devido ao elevado financiamento a baixo custo durante a última década.
  • Risco de política monetária: muito significativo. Encontrámo-nos num contexto que não tem paralelo com as mais recentes décadas e a generalidade dos atores poderá não estar preparada para lidar com os equilíbrios necessários entre políticas expansionistas/restritivas para estabilizar a inflação e não destruir a economia real.
  • Risco de política fiscal: elevado. Sem margem para poder absorver nova recessão sem nova ajuda de programas QE.
  • Risco geopolítico: elevado. Tensões entre as duas maiores potências elevam a incerteza, reduzem o crescimento e promovem inflação devido à desglobalização. Ambos têm interesse em não escalar as tensões, mas as agendas políticas poderão levar a respostas impulsivas.
  • Risco de liquidez: muito elevado. A necessidade dos BCs em reduzirem os balanços poderão provocar deslocações significativas nos mercados.

Fundos de investimento recomendados para 2023

Após um longo período de taxas de juro negativas ou nulas (NIRP, ZIRP) e em que os aforradores precisavam de usar ativos de maiores riscos de capital para obter alguma rentabilidade (TINA), o grande reset de 2022 voltou a trazer alguma normalidade aos mercados financeiros. As obrigações de curto prazo de emitentes com elevada qualidade creditícia (soberanos e empresas) oferecem um retorno interessante com um nível de risco reduzido e devem fazer parte das carteiras de todos os investidores. No Banco Carregosa criámos recentemente uma estratégia que visa dar acesso aos investidores a este segmento de mercado obrigacionista, através de um investimento diversificado a emitentes Investment Grade, e com amortizações parciais do investimento à medida que os cupões e reembolsos das obrigações ocorrem.

Para obrigações: PIMCO Global Bond (EURHDG) – recomendamos exposição a obrigações de qualidade com exposição global a fim de dar margem ao gestor de poder tirar partido das oportunidades que surgiram até então com o pior ano para a classe desde há muitas décadas. É plausível que possa ser um bom ano para obrigações soberanas de elevada maturidade como PIMCO Euro Long Average Duration.

Para ações: BNY Mellon Global Equity Income – para ações a exposição a títulos que tenham elevado e estável dividendo com um bias para o estilo value poderá ter bom desempenho num contexto em que a inflação ainda é elevada e o contexto económico incerto. Se as taxas de juro acabarem por descer significativamente, o Morgan Stanley Global Brands deverá ter um bom desempenho.

Para fundos mistos: Ruffer Total Return International – contextos macroeconómicos adversos tendem a criar o conjunto de oportunidades cuja flexibilidade do Ruffer pode aproveitar.

Para Commodities: tradicionalmente correlacionadas com o desempenho da atividade económica, poderia ser um tema a evitar numa fase de possível recessão. No entanto, cremos que dadas as restrições na oferta da energia, este setor deverá manter-se suportado num horizonte de 3 a 5 anos. Por exemplo, o BlackRock GF World Energy.

A inflação nos próximos 12 meses a 24 meses

O pico inflacionista deverá já ter acontecido neste ciclo. Após um período mais longo do que o inicialmente perspetivado com valores bastante elevados, a inflação deverá ser mais difícil de controlar de forma cabal. Será porventura mais fácil reduzir o ritmo da inflação dos 8-10% para os 4% do que posteriormente passar dos 4% para os 2% pretendidos pelos bancos centrais dos EUA e Europa.

Os efeitos-base vão contribuir para uma redução do ritmo de crescimento de preços, mas os salários, a guerra, a revolução energética e a desglobalização podem dificultar a tarefa de colocar a inflação próxima dos 2% tão rápido como se deseja. No cenário central, a inflação irá gradualmente convergir para níveis mais próximos dos que os bancos centrais procuram. Porém, nos próximos 12 meses, eventualmente os bancos centrais terão que tomar decisões complicadas entre dois objetivos antagónicos: resgatar o crescimento económico ou defender do objetivo de controlo da inflação. Atualmente a tónica tem estado concentrada no combate à inflação, mas esse foco pode ser politicamente mais difícil de alcançar caso o desemprego aumente de forma significativa e a inflação ainda não esteja controlada.

Temas de investimento 

A ausência de apoio dos BCs permite que haja um maior price discovery o que é favorável a estratégias Long/short, Systematic e MultiStrategies. Esta é a área estamos mais atentos.