MIFID II – Unbundling do Research – Perspectivas e Impacto na Indústria

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Cedida

A entrada em vigor da nova directiva para Mercados e Instrumentos Financeiros (MIFID II) que tomou efeito a partir de Janeiro deste ano na Europa, quase 10 anos subsequentes à implementação do quadro legislativo anterior adstrito à MIFID – vigorou entre Novembro/2007 a Dezembro/2017, vem acarretar alterações profundas ao nível da dinâmica, transparência, reporting, segurança, acesso e transaccionabilidade sobretudo o landscape subjacente aos Instrumentos/Sistema Financeiro no espaço Europeu, afectando uma globalidade de players de forma assimétrica, seja a Banca de Retalho, Banca de Investimento, Sociedades de Gestão de Activos, Seguradoras e providers de infra-estrutura de mercado genéricos, entre outros. Neste texto em particular, procuraremos clarificar como irá evoluir a perspectiva de unbundling da componente de Trading e de Research – sistema legado agregava as duas componentes – que se torna vinculativa no pós MiFID II e que impactos poderemos esperar tanto para as áreas de Research (Sell Side) e dos Portfolio Managers (Buy Side) que se materializam nos principais destinatários da informação gerada pelos primeiros, independentemente do tipo de análise ou classe de activos em questão (temas díspares como Macro, Fixed Income e Equity).

Quais os desafios e que tipo de novo equilíbrio se poderá estabelecer na relação entre estes dois players críticos que reúnem/trabalham/processam informação de relevo para o funcionamento mais eficiente do mercado de capitais e até que ponto se poderá exponenciar/restringir a capacidade de geração de alpha pelos Portfolio Managers? Qual o futuro do Research no novo quadro regulatório? Poderá esta legislação e, sobretudo, a aplicabilidade da mesma ser perversa ao ponto de restringir o acesso a informação (independentemente dos diferentes layers de qualidade) pelos agentes institucionais e particulares, conduzindo a um mercado menos eficiente e que se materialize em prejuízos óbvios para as diferentes partes envolvidas? Estaremos em risco de sacrificar o acesso a informação de qualidade em nome de uma suposta maior transparência de mercado? Qual o impacto sobre a cobertura de empresas de menor dimensão, num mercado de capitais em Portugal – tipicamente pouco líquido e de capital escasso?

Impacto esperado ao nível do Buy Side (Portfolio Managers)

Do ponto de vista do Buy Side, o impacto previsível deverá traduzir-se numa queda gradual, mas sustentada da generalidade de acesso a conteúdos de Research, à medida que aumenta o escrutínio sobre o unbundling do Research e os Portfolio Managers são “obrigados” a seleccionar os melhores conteúdos de análise, numa lógica de avaliação continua subjacente ao binómio qualidade-preço – procurando informação selectiva relevante e que permita exponenciar o impacto favorável das respectivas Performances dos diferentes produtos sob gestão. Desta forma, o acesso por parte de Asset/Portfolio Managers a conteúdos de Research deverá comprimir-se substancialmente, passando de um número teórico de Research providers de 50 para aproximadamente 10, segundo estudos de mercado de especialidade que foram realizados no final de 2017. Tendo em conta esta significativa contração no que respeita o acesso a informação, estimamos que um número relevante de agentes de mercado institucionais de média/reduzida dimensão em Portugal, como são o caso de Fundos de Pensões e/ou Family Offices, venham a ficar praticamente sem acesso a conteúdos de Research – o que obviamente amplifica riscos do ponto de vista de eficiência, mas também gera oportunidades de negócio para Research providers de qualidade que consigam preencher este vazio de cobertura, focando-se em particular tema de especialidade e/ou nicho de mercado.

Ainda do lado do Buy Side, subsiste a dúvida até que nível de preços os Portfolio Managers terão interesse e/ou aceitar pagar pelo Research e, em caso afirmativo, se os custos incorridos serão totalmente suportados pelos Gestores via RPA´s (Research Payment Accounts), ou se estes passarão parte desses custos num eventual agravamento de fees sobre clientes. Esta situação reveste-se de alguma complexidade, uma vez que a MIFID II obriga os Portfolio Managers a especificar o tracking, avaliação subjectiva/objectiva e impacto do Research consumido na respectiva performance dos produtos sob gestão, o que não é de todo um exercício trivial se tivermos em consideração o enquadramento da existência de múltiplos fundos, classes de activos e geografias. É também por motivos estritamente relacionados com a simplificação de processos que a tendência geral delineada pelas principais casas de Gestão de Activos (já em 2018) passa por arcar, quase em exclusivo, com a generalidade dos custos incorridos perante o novo quadro regulatório de Research. Criam-se assim incentivos, do lado da Gestão de Activos, para a criação de estruturas de fundos mais simples e que motivem uma reorganização das suas próprias equipas, num contexto de optimização do consumo de Research e que passam também pelo desenvolvimento (em curso) de sistemas tecnológicos alternativos que exponenciem melhores estratégias de geração de Alpha no longo prazo, mitigando em parte os custos mais elevados de Research incorridos.

Impacto esperado ao nível do Sell Side (Research)

A perspectiva de unbundling entre Research e execução torna a monetização dos conteúdos de Research tanto uma oportunidade, para quem melhor se posicionar neste respeito, como um risco para quem não evoluir ao nível do fine-tuning do modelo de Research no longo prazo. Esta discussão também oferece diferentes ângulos se tivermos em consideração que os conteúdos de Research abrangem uma ampla série de classes de activos, desde conteúdos macroeconómicos, Obrigações e Acções. No primeiro, a análise macroeconómica (regra geral) ao não consubstanciar recomendações de investimento específicas, não deverá igualmente ter custos específicos associados (salvo excepções via nicho), ao passo que a monetização do Research sobre Obrigações também oferece pouco upside, uma vez que as receitas para os Bancos neste segmento já eram capturadas nos spreads de negócio com as contrapartes. Já os conteúdos de análise sobre acções oferecem uma realidade distinta e tendem a apresentar-se como uma fonte de receitas alternativa previsivelmente interessante para quem se souber posicionar em determinados nichos específicos. Naturalmente, deverá haver uma selecção natural e uma “corrida” pelos melhores talentos e/ou analistas na indústria, sendo de esperar que as maiores firmas de sell side Research deverão conseguir monetizar mais facilmente os seus conteúdos, ao passo que os Low e Mid Tier Providers deverão ter mais dificuldades em obter receitas significativas. Ainda assim, surge espaço para alguns operadores de Research de nicho, sobretudo com actividade e incidência local, virem a cobrir um espaço que os grandes players globais não terão flexibilidade, interesse e/ou expertise suficiente para analisar.

Uma consequência previsível do gradual declínio da  produção via menor acesso a conteúdos de Research deverá consubstanciar-se numa redução da qualidade de cobertura sobre títulos menos líquidos, uma vez que são as Low-Mid Research providers que cobrem grande parte destes títulos, ao passo que do lado do Buy Side a necessidade de provar o valor do Research obtido pelos Portfolio Managers deverá levar a alguns cortes explícitos sobre os conteúdos de análise, em particular, aquelas que incidem sobre títulos de menor capitalização bolsista. Ironicamente, esta situação deverá gerar uma situação de menor eficiência ao criar dificuldades adicionais, sobretudo, no segmento de empresas de menor capitalização – motivando um agravamento dos spreads sobre determinados produtos financeiros em função da menor liquidez existente no mercado. Este é um exemplo claro sobre de que forma a legislação se pode vir a tornar perversa e contrariar o espírito da génese que motivou a criação do MIFID II, a qual pretende reduzir custos, tornar o processo de estrutura de custos mais eficiente/transparente e assegurar valor para os diferentes stakeholders envolvidos. 

O novo quadro regulatório exigirá gradualmente um fine tuning do modelo sobre o conceito e evolução do Research no médio prazo, transitando de um modelo de stock reports standard para o foco em conteúdos de análise com maior valor acrescentado – que o seja directamente percepcionado pelos respectivos Portfolio Managers. Acesso a analistas de forma a que estes expliquem de forma permanente alguns dos principais pressupostos dos modelos de avaliação, divulgação de proprietary data sobre modelos/títulos relevantes e o acesso a eventos corporativos sobre as empresas alvo de investimento deverão ser alguns dos principais temas que serão valorizados, de forma mais intensa, pelos respectivos Portfolio Managers.

Paralelamente, as equipas de Research dos diferentes Bancos e/ou outros players de mercado que terão mais dificuldade em monetizar acordos comerciais para distribuição de conteúdos serão obrigados a desenvolver novos processos de cobertura e metodologias de distribuição distintas, de forma a ultrapassar novas barreiras operacionais e de compliance impostas pela legislação. Por outro lado, a maior/menor dificuldade em monetizar os conteúdos de Research para fontes externas terá sempre implicações distintas sobre o que pode ser a evolução do denominado in-House Research que adquirirá relevância óbvia, com alguns players a investir em analistas “in-house” de forma a compensar o acesso mais restrito a conteúdos de Research. Este departamento continuará a ser um importante vector no que respeita a geração de conteúdos de valor acrescentado, mesmo que estes apenas sejam consumidos exclusivamente a nível interno, isto é, por diferentes áreas de negócio do grupo – Wealth, Corporate, Prop, Vendas, entre outros.

CONCLUSÃO

O tema em redor do unbundling do Research surge num momento em que os Portfolio Managers também têm vindo a ser algo pressionados pelo nível de fees associados à sua actividade, isto num contexto em que a Gestão e o Investimento Passivo tem vindo a adquirir uma preponderância evidente no actual estágio avançado do ciclo económico. Adivinha-se um reforço ao nível de procura de economias de escala e de eficiência de custos e alternativas de maior pendor tecnológico, sendo que os Providers de Research de qualidade e a preços competitivos estarão bem posicionados no enquadramento das alterações regulatórias subordinadas ao MIFID II. O cruzamento de preços entre a Oferta de Research (Sell Side) e o que o Buy Side está disponível para pagar ainda revela uma amplitude e distorções significativas, ainda que acreditamos que a tendência de médio prazo deverá passar pela suavização do preço cobrado pela generalidade dos conteúdos de Research. Os Bancos deverão responder activamente na forma como percepcionam o valor do Research na sua estrutura (para além do valor passível de Monetização), sendo que obviamente os maiores players globais de Research estarão melhor posicionados para tirar proveito do novo enquadramento regulatório, tal como determinados providers e/ou boutiques de Research de nicho deverão cobrir um espaço inatingível e/ou até desinteressante de cobertura por players de maior dimensão. O impacto negativo mais pronunciado deverá ser sentido nas estruturas de Research de média dimensão que terão dificuldades óbvias na monetização dos seus conteúdos, ao passo que Bancos com estruturas de Research mais pequenas (tal como as Boutiques de nicho) que, pela sua maior flexibilidade e competências específicas, poderão ser beneficiadas ou, em alternativa, sofrerão um inferior impacto potencial negativo que decorre da altreração do paradigma regulatório.  

O conjunto de valenças associadas ao Research que explanámos ao longo do texto deverá permitir que as alterações sobre o quadro regulatório vigente não terão implicações disruptivas já no curto prazo, tanto mais que o Research continua a ser um importantissimo vector estratégico de toda a realidade do sector Bancário, uma vez que a geração de conteúdos de análise de valor acrescentado são de uma importância capital no contexto reputacional dos Bancos e representam uma fonte crítica de suporte da relação entre Bancos/áreas comerciais e respectivos clientes. Obviamente que, no longo prazo, antecipamos alterações estruturais no modelo e no landscape competitivo do sector, mas estes apenas deverão materializar-se de forma faseada ao longo da década de 2020, uma vez que a incerteza sobre o paradigma/cumprimento regulatório não deverá ser dissipado perante a complexidade vigente e o ruído que se mantém no curto prazo, não obstante o horizonte temporal de ajustamento para todos os players se adequarem a esta nova realidade do sector (diferimento do vínculo da monetização do Research) previsto pelo regulador se estenda apenas até ao final do primeiro semestre de 2018.