“NegExit...”

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Vítor Duarte

Passaram mais de 2 anos desde que o Banco Central Europeu decidiu enveredar por taxas de juro negativas. Nessa altura, o BCE não estava seguro de ter um mandato para implementar uma política de Quantitative Easing, e a sua decisão de colocar a taxa de depósito em -0,10% parecia ser uma medida esporádica, com um intuito muito concreto de reverter a forte valorização do Euro face ao Dólar e de simultaneamente, dar um sinal claro ao setor financeiro que, o excesso de liquidez tinha de ser introduzido na economia. No entanto, após dois anos esta medida parece ter assumido um carácter mais permanente, ao ponto dos cortes se terem estendido até -0,40 e com o mercado atualmente a descontar cortes adicionais entre -0,10% e -0,15% da taxa de depósito, até o final deste ano e a permanência de taxas de juro negativas ainda por mais 3 anos.

Em março de 2015, o BCE encontrou finalmente a sua legitimidade para desenvolver um programa de Quantitative Easing, sendo que um ano depois deste se encontrar em vigor, não só anunciou que estendia o prazo e incrementava o montante do programa, como também o alargava à compra de obrigações de empresas, algo totalmente improvável dois anos antes.

Esta vigência simultânea de dois poderosos instrumentos de política monetária, dá a ideia que ninguém se apercebeu que as sementes depois de intensamente regadas para florir, estão agora debaixo de enormes cubos de gelo, sujeitas a temperaturas negativas, porque alguém crê que estas florescem mais depressa com os primeiros raios da manhã, ignorando-se por completo que a água em excesso já transvaza o vaso e que o gelo queima...

O que parece correto afirmar-se, é que hoje a política monetária assume-se implicitamente como uma ferramenta ambivalente focada na criação de emprego e no combate à inflação, uma vez que uma maior globalização obriga os Bancos Centrais a incluírem no seu ADN outro tipo de cromossomas para garantir esta complexa dualidade de inflação e emprego. Ninguém deve colocar em causa o sucesso dos Bancos Centrais em criar condições para uma melhoria substancial do perfil de endividamento de médio e longo prazo, promovendo a recuperação do mercado de trabalho e devolver ao Estado a capacidade de enveredar por políticas fiscais expansionistas. Mas o que também constatamos é que uma alavancagem de estímulos monetários subjacente à combinação de políticas monetárias ultra expansionistas está a ter efeitos perversos em algumas economias, deixando de ser óbvio se esta atual política de taxas de juro negativas permanente na Zona Euro é de facto expansionista ou descuidadamente contracionista...

A permanência de taxas de juro negativas está a adulterar por completo os retornos dos ativos financeiros, distorcendo por absurdo a curva de rendimentos e promovendo uma enorme disparidade de valorizações entre diferentes setores de atividade, sem que os investidores coloquem em causa as mesmas, seguindo conformados com o seu despropósito em função de um benchmark que cegamente seguem. No caso dos mercados obrigacionistas, é no mínimo bizarro o valor subjacente nas taxas de juro de médio e longo prazo, quer em governos quer em ativos de crédito. No mercado acionista, os casos mais evidentes são as valorizações nos setores defensivos, que têm implícito nas suas valorizações crescimentos de resultados que em circunstância alguma são exequíveis..

Os efeitos indesejados de taxas juro negativas começam gradualmente a emergir num entorno demográfico no mínimo desafiante, que pode induzir a maiores necessidades de poupança em detrimento de consumo, provocando um enfraquecimento da procura interna, uma vez que, nem as famílias, nem os sistemas de segurança social, têm forma de garantir um retorno real de médio e longo prazo em ativos de baixo risco, necessário para abonar as reformas.

Do lado das empresas, está-se a introduzir a perversão do modelo económico, favorecendo-se empresas “zombies” em detrimento de empresas menos endividadas, o que também acentua tendências deflacionistas, promovendo a ineficiência na afetação dos recursos e o excesso de capacidade na economia. Num mundo encurralado com a expetativa de retornos baixos não é de antever que o investimento responda só pelo facto das taxas de juro serem baixas. Por outro lado, o sistema financeiro debate-se com grandes estrangulamentos na sua atividade, que podem comprometer no futuro a sua capacidade de financiar adequadamente o ciclo económico.

Dado o atual contexto económico e em face das distorções patentes nos mercados financeiros, impõe-se cada vez mais que o Banco Central Europeu comece a recalibrar a sua política monetária, sendo imperativo evitar que os agentes económicos percecionem que as taxas de juro negativas ganharam o estatuto perverso de permanentes: NegExit!