João Paulo Silva, do departamento de Desenvolvimento e Marketing do novobanco, apresenta as suas perspetivas para este próximo semestre e explica porque o atual movimento de subida do mercado acionista tem condições para prosseguir.
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COLABORAÇÃO de João Paulo Silva, do departamento de Desenvolvimento e Marketing do novobanco.
Com apenas duas sessões de negociação bolsista, o mercado acionista está a dar indicações de que o avanço generalizado do 1.º semestre é para manter. De facto, a sessão do dia 2 de Julho encerrou com o índice S&P 500 a encerrar acima da barreira mágica dos 5.500 pontos (naquele que foi o 32.º fecho num máximo histórico deste ano) e o índice NASDAQ 100 a fechar acima dos 20.000 pontos. Este movimento em alta não tem sido nem um exclusivo da ações norte-americanas – o índice global MSCI AC World registou um ganho de 13,5%, em moeda local, no 1.º semestre do ano – nem estas são as que apresentam o melhor desempenho – o índice japonês TOPIX, por exemplo, valorizou 20,1% em moeda local, o que bate os +15,3% alcançados pelo S&P 500.
Dito isto, pela sua dimensão e pelo facto de monopolizar os dois grandes temas de investimento do momento – a inteligência artificial e as empresas tecnológicas de mega capitalização – o debate sobre a continuação do atual bom momento do mercado acionista, que se prolonga practicamente sem interrupções desde outubro de 2023, tem-se centrado, em grande parte, nas ações dos EUA. E as opiniões dividem-se.
O atual movimento de subida tem condições para prosseguir
Olhemos, primeiro, para os argumentos, que sustentam a opinião de que o atual movimento de subida tem condições para prosseguir.
Em termos de análise fundamental, os sólidos resultados empresariais, uma economia global em recuperação – com a economia norte-americana a dar sinais credíveis de que irá conseguir evitar uma recessão – e a perspetiva de quedas nas taxas de juro são razões bastante válidas para encarar o 2.º semestre com optimismo.
O facto de não terem existido quaisquer correcções minimamente expressivas, quer em termos de amplitude, quer de duração, contribuiu para que os investidores estejam imbuídos de um sentimento de otimismo que suporta a actual crença de que este bull market veio para ficar.
As perspetivas também são otimistas de um ponto de vista de análise histórica do índice S&P 500. Desde 1928, houve 29 anos em que o S&P 500 encerrou o 1.º semestre com ganhos iguais ou superiores a 10%, prosseguindo para um ganho médio de 24% no final do ano. Restringindo esta análise ao período desde 1988, nas 12 ocasiões em que o S&P 500 terminou o 1.º semestre com ganhos similares aos deste ano, o índice obteve um desempenho positivo ao longo do 2º semestre.
Por último, aqui ficam alguns dados que têm sido citados para atenuar a visão, pessimista, de que a atual situação se assemelha, de uma forma preocupante, com a bolha tecnológica que rebentou em março de 2000. O rácio P/E do índice S&P 500 é de 21, inferior aos 25 atingidos em 1999 e 2000. Olhando apenas para o setor de tecnologia, os valores respetivos são de 31 e 48. Se nos centrarmos apenas nas duas empresas representativas destes dois momentos de mercado, a Nvidia e a Cisco, os valores são de 40 e 131. Finalmente, o indicador de sentimento otimista compilado pela American Association of Individual Investors atingiu 75% em Janeiro de 2000, um nível claramente mais extremo do que os 44,5% actuais.
Perspetivas e preocupações do mercado
No campo dos que veem o copo meio vazio, os principais argumentos baseiam-se numa extrema concentração do atual movimento de valorização e num possível erro de política monetária por parte da Reserva Federal.
Um dos fatores que têm feito soar as campainhas de alarme junto dos estrategas de mercado é o crescente grau de concentração do índice S&P 500. No final de junho do corrente ano, as dez maiores empresas deste índice representavam 37% do mesmo (para as Sete Magníficas o valor era de 31%), mais do dobro do que se registava uma década atrás (14%) e o maior ritmo de aumento do grau de concentração desde 1950. Em relação à Nvidia, no final de junho cotou a um valor 100% acima da sua média móvel dos últimos 200 dias, superando folgadamente o valor de 80% registado pela Cisco em março de 2000. Inerente a este grau de concentração extremo, a amplitude do movimento de subida tem sido muito reduzida. No dia 26 de junho de 2024, o índice S&P 500 subiu 0,4%, apesar de 384 dos seus títulos terem encerrado no vermelho, uma discrepância não antes observada desde 1996, o ano em que se iniciou este tipo de análise. Estes tipos de subida dos mercados estão tipicamente associados com sentimentos de euforia dos investidores em relação a um número bastante restrito de ações, algo que pode vir a pôr em causa a continuação da subida das cotações à menor alteração do sentimento dos investidores. Outro motivo de preocupação tem a ver com o facto de a economia dos EUA estar em desaceleração, o que não é propício para a desejada ampliação do rally de mercado em curso.
Economia e política monetária dos EUA
A desaceleração da economia norte-americana, que tem sido possível observar este ano, leva-nos para outro motivo de preocupação mencionado por vários reputados economistas. Essa preocupação veio ao de cima após a reunião de política monetária de junho da Reserva Federal, cujas SEP (Summary of Economic Projections, ou dot-plot) revelaram uma postura mais restritiva consubstanciada na projecção de apenas um corte de taxas em 2024. Na opinião de vários economistas, esta postura é demasiado restritiva e demonstra que a Reserva Federal não está a dar a devida atenção aos sinais de enfraquecimento da economia, nomeadamente ao nível do mercado laboral, da habitação e do consumo privado. Esta condução da política monetária a olhar para o espelho retrovisor aumenta significativamente a possibilidade de a Reserva Federal vir a dar início ao ciclo de corte de taxas tarde demais, provocando, assim, um enfraquecimento desnecessário da atividade económica. Esta postura da Reserva Federal (implícita nas suas SEP) levou mesmo o famoso economista Mohamed El-Erian a considerar que o risco de vir a haver uma recessão é de 35% (a probabilidade de uma aterragem suave era, também de acordo com El-Erian, de 50%).
Concluindo, a perspetiva para o mercado acionista é moderadamente otimista, essencialmente porque o bom momento atual se estende a várias regiões e porque as principais responsáveis pela trajectória ascendente nos EUA (as megacaps tecnológicas) têm apresentado sólidos resultados, que sustentam as atuais valorizações. Em termos de alocação de ativos, a postura mais adequada deverá ser a de exprimir este otimismo através da categoria de ações globais. De facto, as bolsas fora dos EUA apresentam valorizações mais atractivas e o movimento de subida nos EUA apresenta características de FOMO (Fear Of Missing Out), que é um fenómeno que (como todos os outros) não dura para sempre e se baseia numa perseguição de rendibilidades passadas que não costuma ter um final feliz.
Riscos políticos
Até aqui, não referi os riscos políticos inerentes a um preenchido calendário eleitoral, porque o seu impacto se tem feito sentir mais no mercado obrigacionista. Ao contrário do que sucedeu com o mercado acionista até aqui, o desempenho do mercado obrigacionista foi misto. Resumidamente, as obrigações governamentais sofreram perdas, as obrigações investment grade tiveram uma rentabilidade perto de 0% e as obrigações high yield e dos mercados emergentes obtiveram rentabilidades positivas. Estes desempenhos díspares resultam, essencialmente, do facto de os cortes de taxas, que se esperavam no início do ano (no caso dos EUA eram seis), não se terem, na maioria dos casos, concretizado. Assim sendo, a quase totalidade da rentabilidade do investimento em obrigações resultou do rendimento (carry) gerado e não da valorização inerente a uma descida das taxas implícitas (yields).
Eleições em França e nos EUA
À entrada do 2.º semestre, as eleições em França e nos EUA surgem como os dois eventos que já provocaram alterações materiais na dívida pública da zona euro e norte-americana.
A falta de uma maioria no parlamento francês também põe de parte a hipótese de se tomarem as (sempre impopulares) medidas necessárias para resolver a difícil situação fiscal da França (défice orçamental e dívida pública demasiado elevados). Assim sendo, é de esperar que a classificação, decretada pelos investidores, da dívida pública francesa como dívida periférica (patente nos atuais spreads face à dívida pública alemã) se venha a manter.
Em relação aos EUA, o fraquíssimo desempenho do presidente Biden no debate televisivo com Donald Trump levou os investidores a prever uma vitória do ex-presidente em novembro e a ponderar qual o efeito das suas políticas. Concretamente, as suas propostas de manter os cortes de impostos, aumentar as tarifas de importação e restringir fortemente a imigração são vistas como medidas que irão não só agravar a periclitante situação fiscal do país, como, nas palavras de David Kelly (Chief Global Strategist da J.P. Morgan Asset Management), serão uma receita para a estagflação. Esta perspetiva, que não é exclusiva de David Kelly, tem levado os investidores a posicionar-se para um movimento de bear steepening na curva de yields norte-americana, movimento que, a realizar-se, teria consequências para além do mercado obrigacionista, uma vez que o mesmo é um sinal negativo tanto para a economia como para o mercado acionista.
Mercado de obrigações
Para o mercado obrigacionista como um todo, dado que não se esperam movimentos expressivos ao nível de cortes de taxas, a perspetiva é de que o atual ambiente em que a rentabilidade resulta, sobretudo do carry, se irá manter. Esta perspetiva não deixa de ser interessante, uma vez que as taxas implícitas (yields) estão em níveis elevados (tanto em termos absolutos, como relativos) e o nível de partida da yield é o fator determinante da rentabilidade futura do investimento numa obrigação.
As obrigações governamentais apresentam, assim, um padrão de rentabilidade assimétrico, que tem levado os gestores de fundos de obrigações a aconselharem os investidores a garantirem (lock-in), desde já, as atuais yields.
Em relação aos spreads, sendo certo que estão em níveis bastante estreitos (excetuando a dívida soberana dos mercados emergentes), não é menos certo que estão suportados por um ambiente macroeconómico benigno, por uma situação financeira sólida das empresas emitentes, por uma elevada procura por parte dos investidores e por montantes de refinanciamento que ainda não são razão para preocupação.