Apesar duma pausa recente nas subidas de taxa de juro por parte da Fed, Nuno Sousa Pereira, CIO da Sixty Degrees, perspetiva que a tendência de subidas de taxas de juro nas maiores economias manter-se-à viva.
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TRIBUNA de Nuno Sousa Pereira, CIO da Sixty Degrees.
No começo de 2023, o cenário base da larga maioria dos investidores apontava para a prevalência duma certa aversão ao risco na abordagem aos mercados de capitais, na medida das reações das diferentes economias aos efeitos causados pelas políticas monetárias incrementalmente mais restritivas. Com as taxas de juro mais elevadas a atividade económica já se tem ressentido, com reflexos não só no fraco crescimento do PIB dos EUA e da Zona Euro, com especial destaque para a economia alemã que registou dois trimestres consecutivos de contração do PIB (tradicionalmente apelidado de recessão técnica). Adicionalmente, as autoridades chinesas também aparentam estar em dificuldades para manter a economia doméstica a operar num nível de crescimento elevado, em larga escala pela sua grande dependência do comportamento do setor imobiliário, que atravessa um abrandamento significativo e que tem levado à implementação de estímulos governamentais, quer pela manutenção de baixas taxas de juro, quer através de programas direcionados à economia.
Ativos de risco foram os grandes vencedores
Porém, chegados ao final do primeiro semestre, constatamos que os ativos de risco, em especial as ações, foram os grandes vencedores, suportados pelos ganhos em torno das empresas ligadas ao desenvolvimento e dinamização do uso da inteligência artificial (IA). Esta concentração de ganhos num setor muito específico dominou as subidas dos principais índices norte-americanos, já que os comparáveis europeus e japoneses pouco têm para mostrar no capítulo da IA. Contudo, mais para o final do semestre, foi notório o alargamento setorial do rally acionista a muitas empresas de média dimensão. Na Europa, as grandes subidas estiveram ligadas aos setores do lazer e viagens, retalho e tecnologia em detrimento das empresas energéticas, imobiliárias e produtoras de matérias-primas. Já no Japão, o índice Topix terminou o semestre com todos os setores positivos, com a liderança a pertencer às empresas grossistas e às ligadas à transformação de ferro e aço.
Por contraste, os ativos mais seguros não fizeram tão bem. Mesmo com o despontar de algumas ameaças à estabilidade dos setores bancários norte-americano e suíço, as yields da dívida de curto prazo continuaram a subir, ao passo que as de longo prazo não mostraram grande capacidade para contrariar essa tendência, uma vez que os investidores têm vindo a reduzir as suas expetativas de cortes de taxas diretoras no curto prazo em função da persistência do fenómeno inflacionista e da determinação anunciada pelos diferentes Bancos Centrais.
Após este período de adiamento das tão esperadas recessões, esta poderá ter sido a calma antes da tempestade, que assim começaria a fazer sentir os seus efeitos no decurso da segunda metade deste ano.
A evolução das taxas de juro e a inflação
Em temos económicos e com repercussões nos mercados financeiros, o tema central deverá continuar a ser a evolução das taxas de juro. Apesar duma pausa recente nas subidas de taxa de juro por parte da Reserva Federal Americana, a tendência de subidas de taxas de juro nas maiores economias mantém-se viva. Os bancos centrais parecem apostados em controlar a inflação através da destruição da procura, da redução do rendimento disponível das famílias e empresas endividadas, tornando menos atrativas as perspetivas de novos investimentos e mantendo uma mensagem forte contra a subida salarial na economia em geral. Apesar da redução do nível geral de preços um pouco por todo o globo, a inflação (4% nos EUA e 6,1% na Zona Euro em maio) ainda se encontra em patamares superiores ao desejado pelos Bancos Centrais, pelo que esta política de taxas de juro de referência mais elevadas deverá manter-se por mais tempo. No entanto, o surgimento de alguns sinais de abrandamento económico tem levado os investidores a antecipar um cenário futuro de correção das taxas de juro e a inverter a curva de rendimentos.
Relativamente ao endividamento das economias, apesar de muitos países continuarem com um elevado grau de endividamento face ao respetivo PIB, o aumento do custo da dívida ainda não implicou um grande impacto orçamental, uma vez que as taxas de longo prazo continuam relativamente baixas e as receitas fiscais nominais subiram devido ao efeito da inflação. Como indicador mais positivo, o valor de endividamento das famílias americanas face ao PIB está no valor mais baixo da última década (72.5%), o que parece deixar o consumidor americano com alguma folga para manter o padrão de consumo e adiar uma eventual entrada em recessão nos EUA.
Mercado acionista
Neste sentido, esperamos que o mercado acionista se torne mais volátil, mas firme na sua tendência de longo prazo. Apesar de ainda não descontada, uma eventual recessão só deverá chegar algures em 2024 pelo que poderemos ter espaço para ganhos adicionais nesta classe de ativos. Muitos investidores que, por medo da recessão, têm evitado os setores industrial e cíclicos poderão ser obrigados a reequilibrar as suas carteiras em favor dos mesmos e assim alargar a sua participação no rally em curso. Mantemos a nossa preferência pelo mercado norte-americano, não só pela recente euforia em torno da IA mas também por ser o mercado mais líquido e associado à moeda de reserva. Contudo, uma série de profit warnings e/ou redução das expetativas de resultados futuros, extensível a vários setores, um ou vários acidentes geopolíticos e o apertar dramático das condições creditícias e de liquidez, poderão voltar a trazer os espíritos negativos ao comportamento do mercado acionista.
Mercado de obrigações
Após um ano de retornos muito negativos, o que assustou muitos investidores conservadores, o mercado de renda fixa passa atualmente por um momento de adaptação exibindo uma estrutura de curva menos habitual, com taxas mais elevadas no curto prazo do que no longo prazo. Apesar da expectativa de uma recessão poder ser um dos originadores desta estrutura, com o mercado a esperar uma correção das taxas de juro já em 2024, também é o potenciador de surpresas desagradáveis para os investidores em maturidades mais longas. Adicionalmente, os prémios de risco associados ao crédito a empresas também não estão muito elevados, com as empresas na fronteira de high yield para investment grade e na maturidade a 5 anos a registarem cerca de 4%. Este patamar compara os cerca de 600-800bp verificados nas conjunturas de aversão ao risco e baixa liquidez, cujo surgimento poderá representar uma desvalorização adicional em caso de fuga das obrigações de longo prazo. Nesse sentido, mantemos a preferência pelo investimento em maturidades mais curtas (incluindo taxa variável, mas em menor escala), associando pouco risco a remunerações mais atrativas.
Exposição ao dólar
Por fim, com vista à manutenção dum portefólio equilibrado, manter alguma exposição ao dólar é uma medida estrutural. Apesar dos desafios, nomeadamente com a associação mais estreita dos países BRICS (Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul) entre si e com a Arábia Saudita e Irão, o principal mercado mundial continua a ser o consumidor norte-americano pelo que precificar os produtos noutra moeda poderá pôr em questão as suas próprias economias. Aliás, não é expectável que os BRICS queiram cometer os mesmos erros que a Zona Euro incorreu no lançamento do Euro.
Neste ativo em particular, além dos fluxos de comércio internacional, importa perceber os fluxos de investimento. Atualmente, tendo em conta os riscos geopolíticos, a possibilidade de recessão e as taxas de juro mais elevadas, os fluxos internacionais de capitais poderão voltar a focar-se nos dólares norte-americanos.