Será que a verdadeira definição de Excecionalismo americano é a que tem vindo a ser considerada nos últimos tempos? Jorge Silveira Botelho, responsável pela BBVA AM Portugal, conduz-nos à (verdadeira) definição.
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COLABORAÇÃO de Jorge Silveira Botelho, responsável da BBVA AM Portugal.
Ultimamente temos assistido a uma divergência de comportamento dos mercados acionista globais, suportada pela teoria do Excecionalismo americano. É um facto que esse Excecionalismo tem razões para existir, porque os EUA são a maior economia democrática do mundo e que implicitamente detém a maior reserva de valor do mundo, o dólar. Mas se é verdade que esse prémio tem de existir, como praticamente sempre existiu, não é menos verdade que esse Excecionalismo advém dos sólidos valores dessa economia, ao nível do funcionamento das suas instituições e dos fundamentais macroeconómicos.
Mercado Acionista: EUA versus o Resto do Mundo
A partilha de conhecimento, a desburocratização, a eliminação de custos de contexto, o foco na eficiência e nos acréscimos de produtividade, são tudo fatores que explicam o sucesso desta economia, focada no comércio, não apenas na exportação e importação de bens e serviços, mas acima de tudo na criação de uma vasta rede global de empresas multinacionais, que se estendem praticamente em todos todas as regiões do globo e florescem em todos os setores de atividade.
Daí que quando se discute a adoção de tarifas no comércio internacional numa economia com estas características, há que entender bem os efeitos perversos que este tipo de políticas comercias pode acarretar. Por outro lado, há que não esquecer que neste mundo tecnologicamente disruptivo, onde a partilha do conhecimento fez com que novas economias emergissem, o comércio internacional é dinâmico e facilmente encontra novas rotas para circular.
O dinamismo que hoje encontramos na Ásia diz-nos que o comércio internacional circula como a água, ou seja, sempre encontra um caminho para poder sair. Basta pensar na expressão comercial que vemos em economias com as características da China, do Japão, da Índia, da Coreia do Sul, a da Indonésia, entre outras.
Existe também um enorme contrassenso na generalização das políticas antiemigração, como se a emigração não fosse por si só um fator vital para incrementar o crescimento potencial das economias, sobretudo quando se assiste a uma desaceleração do crescimento da população e ao seu consequente envelhecimento. Acresce o facto que uma das maiores bandeiras do Excecionalismo americano sempre foi o American Dream, uma das maiores imagens de marca para atrair talento fora de fronteiras.
Outra reflexão que devemos fazer sobre o Excecionalismo é que este tem de ser consistente, como uma economia com bons fundamentais macroeconómicos. No final de novembro, o departamento do tesouro americano publicou que o valor da dívida pública americana ascendeu a 36 biliões de dólares, ou seja, ao equivalente de cerca de 123% do PIB, enquanto segundo CBO o défice fiscal deve ficar em 6,4% do PIB este ano. Este valor da dívida americana compara, em termos agregados, com 88,1% do PIB da zona euro e 81,5% da União Europeia, a final de junho deste ano. Por seu turno, segundo o Eurostat os défices agregados na zona euro e na EU deverão ficar na vizinhança dos 3% do PIB.
Em suma, existe um enorme equívoco sobre o significado do Excecionalismo americano, porque na realidade este Excecionalismo não se faz sem emigração, nem com guerras de tarifas, nem tão pouco com défices descontrolados.
Dito isto, não faz sentido acreditar que o atual prémio que o mercado americano detém sobre os mercados acionistas europeus e emergentes seja sustentado. Este prémio atualmente ascende a mais de 10 pontos de múltiplos de resultados sobre estas duas regiões (fonte: Bloomberg).
Múltiplos de PE: EUA versus Europa e Emergentes
Este diferencial de múltiplos é ainda menos justificável, quando estamos a falar de países desenvolvidos com valores democráticos enraizados. É um facto que a Europa tem muitos problemas, mas também é verdade que apesar da guerra e da pandemia, as empresas europeias demonstraram uma enorme capacidade de resiliência.
As oportunidades são evidentes em muitos setores que beneficiam de taxas de juro muito mais baixas e de uma recuperação da confiança do consumidor fruto dos elevados níveis de emprego, como ilustra a capacidade das empresas europeias de gerarem resultados em ambiente económico tão complexo. A estes factos podemos adicionar os dados que mostram que a taxa de poupança das famílias europeias se encontra em 15,7%, segundo a Eurostat, ou seja, cerca de quatro pontos acima dos anos pré-covid. Em contrapartida, a taxa de poupança das famílias americanas encontra-se em 4,4%, segundo o BEA, ou seja, dois pontos abaixo dos anos pré-covid.
Por outro lado, a situação da Ucrânia parece ter atingido um clímax, que nos faz pensar que estamos mais perto de uma inevitável solução, seja ela em que moldes for, do que propriamente no seu agravamento.
Confiança do consumidor: EUA versus Europa
Fonte: Bloomberg, BBVA AM Portugal
Acresce o facto, que a Europa detém agora um diagnóstico completo, o plano de competitividade de Mário Draghi. Este plano propõem uma reforma da política de coesão, uma revisão da política de concorrência e uma nova política industrial com um foco estratégico em reduzir os custos de energia:
- “O problema não é a falta de ideias ou de ambição da Europa (...) mas o facto de a inovação ser bloqueada na fase seguinte: não estamos a conseguir traduzir a inovação em comercialização”
A economia europeia está num impasse, mas é geralmente nestas alturas, quando aparentemente as ameaças são crescentes que as oportunidades se tornam evidentes. O acertar do passo não é de todo improvável, tanto mais que agora, se associa a vasta capacidade do emprego da Inteligência Artificial à enorme aptidão de se extrair importantes ganhos de produtividade, reduzindo-se os enormes custos de contexto, numa Europa excessivamente burocrática e regulamentada.
Neste contexto, não há espaço para que narrativas inconsistentes sobrevivam durante muito tempo. Vivemos num mundo demasiado interdependente, onde a tecnologia faz com que tudo mude muito rapidamente. Por isso, há que focar nas oportunidades e não nas ameaças e, sobretudo, há que não confundir os termos: o Excecionalismo não é um sinónimo de Isolacionismo…