Desde como é medida, aos ativos que melhor se comportam neste ambiente. A equipa da Sixty Degrees apresenta tudo o que precisa de saber sobre o tema do momento: a inflação.
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TRIBUNA da autoria da equipa da Sixty Degrees*.
O ressurgimento da inflação é o tema do momento. Procurada sem sucesso pelos Bancos Centrais ao longo dos últimos 12 anos, apesar dos inúmeros estímulos monetários e fiscais sem precedente, aparece agora, quem sabe descontrolada e sem que estes consigam articular de forma esclarecedora a sua relação causa-efeito, enfrentando agora o desafio de como controlar o aumento dos preços sem destruir as respetivas economias, que ainda se mantém frágeis e cada vez mais dependentes de programas governamentais, de estímulos financeiros e de taxas de juro baixas (dívida elevada).
Dado que a inflação é um tema de relevo, sensível e impactante nos investimentos, nas contas pessoais e na qualidade de vida de cada um, é importante perceber o que é, quais as suas causas e o contexto em que se desenvolve atualmente.
O que é a inflação e como é medida
A inflação é, por definição, um aumento geral dos preços dos bens e serviços de uma economia. É comummente aceite o valor calculado através do IPC, índice de preços no consumidor (IPC) representativo de um cabaz de bens e serviços, como o medidor dessa mesma inflação. O IPC é composto por 8 grandes classes de despesas: alimentação, habitação, vestuário, saúde e cuidados pessoais, educação, leitura e recreação, transportes, despesas diversas e comunicação. Existe também outro indicador mais restrito, o IPC núcleo, que exclui a variação de preços nos setores da alimentação e da energia que são considerados mais voláteis. É calculado o preço médio necessário para comprar esse mesmo conjunto de bens de consumo e serviços num determinado país e à variação (acréscimo ou decréscimo) entre períodos anteriores dá-se o nome de taxa de inflação. Note-se que o cabaz não é sempre composto pelos mesmos artigos e pelos mesmos pesos, sendo adaptado pelos institutos de estatística com o argumento de refletir a média dos produtos consumidos em determinada geografia no período relevante. Outro indicador frequentemente usado para medir o nível de inflação é o índice de preços do produtor (IPP), que é semelhante ao IPC com a exceção que olha apenas para a variação dos preços na perspetiva do produtor.
Enquadramento Atual
O número de pesquisas no google pela palavra inflação está, sem grande espanto, ao nível de 2008. Efetivamente, a palavra tem surgido com cada vez maior frequência no nosso dia a dia, seja pelo discurso dos Bancos Centrais ou pelas notícias e artigos que vemos ou lemos.
A razão pela qual a inflação é considerada importante pelos Bancos Centrais prende-se não só com a relação que tem com a economia, mas também com a capacidade de aliviar o peso da dívida existente sem causar uma cadeia descontrolada de falências, num sistema cruzado e pouco robusto onde as dívidas de uns são os ativos de outros. A inflação em valores controlados aumenta, no imediato, a procura total (aggregate demand), pois os agentes económicos preferem consumir em vez de poupar, o que se traduz num crescimento nominal da economia e no aumento do peso dos ativos face à dívida (que na generalidade não aumenta de valor com a inflação). Com esta relação, é possível perceber que uma taxa de inflação negativa denominada de deflação, levaria a uma descida geral do preço dos bens e serviços e a uma desvalorização dos ativos, tornando-os menos valiosos do que a dívida aos quais respondem. Com a execução de garantias e vendas dos ativos, a espiral de queda dos preços continuaria e poderia originar uma paragem abrupta da atividade económica.
Centrados nesta importância da taxa de inflação, em função do elevado stock de dívida existente atualmente no mundo, os maiores Bancos Centrais, desde a Reserva Federal nos Estados Unidos da América, ao Banco Central Europeu, ao Banco Central do Japão e ao Banco Central da Suíça, entre tantos outros, têm tomado medidas com o objetivo de estimular a atividade económica e indiretamente fazer aumentar a taxa de inflação, especialmente depois da crise de 2008 que levou a uma quebra generalizada da confiança dos agentes económicos no sistema. Para isso, recorreram a diversas medidas, como: i) a descida das taxas juro para valores nulos ou mesmo negativos, de modo a forçar os aforradores e investidores a antecipar as suas decisões de consumo e investimento e assim incrementar a atividade económica; ii) o conjunto de programas de compra de ativos financeiros (Quantitative Easing).
Apesar de todas as medidas adotadas, globalmente, nos últimos 12 anos, constata-se um crescimento económico anémico, um aumento da dependência dos orçamentos governamentais de taxas de juro baixas devido aos elevados montantes de dívida soberana existente e uma nítida ausência de inflação
Atualmente, é fácil entender porque é que o aumento da taxa de inflação tem estado na ordem do dia, uma vez que uma boa parte das economias à volta do mundo aparentam uma rápida recuperação da forte recessão provocada pelas paragens impostas pelos confinamentos implementados para conter a pandemia, a quebra das cadeias de logística veio criar escassez em alguns produtos e matérias-primas, e as alterações na estrutura do mercado de trabalho têm levado à saída de trabalhadores das maiores cidades americanas para áreas menos povoadas. Nos últimos tempos temos vindo a assistir a uma alteração importante no discurso dos responsáveis dos Bancos Centrais que têm alertado para os incrementos inflacionistas, verificáveis no dia a dia pela evolução dos preços dos combustíveis e das matérias-primas, deixando recados, à laia de preparação para potenciais condições monetárias mais adversas, seja pela diminuição dos programas de compras de ativos ou mesmo pelas subidas das taxas de juro de referência. Na Zona Euro, a taxa de inflação registada em julho foi de 2,2%, comparando com 1,9% em junho. Por seu lado, os Estados Unidos, onde os riscos de inflação parecem maiores do que em qualquer outra economia avançada, registaram um acentuado aumento da taxa de inflação para 5,4%, comparando com 4,7% em junho.
Inflação transitória ou permanente?
Nos últimos meses, a maior questão em torno da subida da taxa de inflação não se prende com a constatação da sua existência, mas com o tipo de inflação que iremos enfrentar no futuro próximo. Por um lado, poderemos estar perante um episódio de inflação transitória, ideia que tem sido defendida pelo Banco Central Europeu e pela Reserva Federal Norte Americana, caracterizado pela subida expressiva do nível geral de preços num curto espaço de tempo, mas cujas causas se irão atenuar rapidamente. A justificação da origem deste aumento de preços baseia-se na disrupção das cadeias de produção e de logística, causada pela impossibilidade e/ou redução da produção das mais variadas empresas durante os períodos de confinamento, e que posteriormente não conseguiram ter a desejada flexibilidade para fazer face à repentina aceleração da procura que foi alimentada pelo fim dos confinamentos, pelas políticas fiscais expansivas, como a redução do IVA, implementada na Alemanha e na Irlanda, para estimular o consumo, e pela injeção massiva de liquidez por parte dos Bancos Centrais, especialmente pela Reserva Federal. Face a esta situação, é altamente improvável que os Bancos Centrais se precipitem na subida das taxas de juro diretoras que deverão assim permanecer baixas, com valores próximos de zero, até 2023.
No entanto, com base nos dados mais recentes e em claro contraste com a conjuntura dos últimos anos, a ideia de inflação permanente, que perdure pelo menos por 2 a 3 anos, parece ganhar cada vez mais adeptos, como é o caso do CEO do JP Morgan, Jamie Dimon.
A sustentar esta permanência temos observado subidas dos preços de bens e serviços em vários setores da economia, como as matérias-primas e o imobiliário e, e em especial nos Estados Unidos da América, os carros tanto novos como usados, devido à escassez de chips na produção dos primeiros. A inflação começa também a sentir-se nos salários, quer de trabalhos qualificados e não qualificados. Seria expectável que, após um largo período de confinamentos, as pessoas tivessem dificuldade em encontrar emprego. Contudo, passa-se exatamente o contrário, as empresas estão a sentir grandes dificuldades em contratar, o que as leva a adotar estratégias mais agressivas, equacionando aumentos salariais e outros benefícios extra, de modo a aliciar os trabalhadores a aceitarem abandonar os subsídios de desemprego ou os cheques de estímulos. Por outro lado, a participação laboral mantém-se baixa, mas a abertura das escolas e o fim do subsídio de desemprego de 300 dólares por semana, deixam antever o aumento significativo da procura de trabalho (participação laboral), o que trará algum tipo de equilíbrio a este mercado no 4T21.
Apesar de todos estes fatores poderem indiciar um aumento transversal dos preços e portanto representar um verdadeiro fenómeno de inflação de longo prazo, considero que tal só se verificará se o aumento sustentado dos salários se prolongar no tempo, sem o qual, até um grande aumento dos preços irá eventualmente estagnar, sendo o seu maior efeito a simples redução do salário real.
A taxa de inflação core nos Estados Unidos da América atingiu 4,3% em julho deste ano, a taxa mais alta desde janeiro de 1992. Contudo, se retirarmos as componentes mais sensíveis ao Covid, a taxa reduz-se para cerca de 2,1%, como demonstrado no gráfico abaixo.
Que ativos se comportam bem em ambientes inflacionistas?
Constatando a existência de inflação e sabendo que a mesma tem grande influência nos mercados financeiros, é importante perceber quais os ativos que melhor se comportam em ambiente de subida deste indicador. Os episódios inflacionistas do passado mostram-nos que são as ações, as matérias-primas, o investimento imobiliário e outros ativos reais, como o vinho e a arte, os veículos a privilegiar nestas ocasiões.
Relativamente às matérias-primas, os investidores têm um leque alargado de hipóteses de investimento à sua disposição que vão desde os metais precisos, como o ouro e a prata, aos metais industriais, como o cobre e o alumínio, à energia e aos produtos agrícolas, como o milho. O incremento dos preços destes ativos foi bem notório no último ano. O caso mais expressivo prende-se com o aumento do preço do petróleo que tem influência direta no preço dos combustíveis e, como tal, no custo do transporte de bens em toda a economia. Assim sendo, a subida do preço das matérias-primas, tal como nos anos 70, poderá ser o principal fator para despoletar a atuação dos Bancos Centrais. Estas subidas poderão levar ao aumento generalizado do preço final do bens e serviços que, quando não acompanhado pelo aumento dos salários, pode originar situações de conflito social semelhantes às sentidas durante a Primavera Árabe (por subida do preço dos bens alimentares).
No que toca ao investimento imobiliário, apesar dos bons desempenhos no passado recente, os ativos nas grandes cidades dos países desenvolvidos oferecem hoje uma yield historicamente baixa, pois têm sido um dos ativos-destino do dinheiro parqueado ao longo dos últimos anos em investimentos com cada vez menor ou nenhuma remuneração (depósitos e obrigações). Além das yields, não é descabido alertar para o aumento da dívida pública (e da necessidade da reembolsar na maturidade) na grande maioria dos países, o que coloca os ativos imobiliários na primeira linha dos alvos para a imposição de novos impostos, em virtude de não se poderem deslocar para outra jurisdição.
Tudo isto tem também de ser enquadrado com a necessidade dos Bancos Centrais em reinventarem os seus mecanismos de intervenção, uma vez que muitos dos já utilizados estão claramente para lá da escala aconselhável (taxas de juro zero ou negativas por períodos muito longos, compra de ativos em montantes desproporcionados face à economia como um todo), para que consigam evitar o drama da subida das taxas de juro que poderia provocar uma enorme pressão nos custos de financiamento dos mais variados países e assim aumentar fortemente o risco soberano.
Conclusão
É estatisticamente impossível dizer que os bancos centrais controlam a inflação dado o seu historial de criação e combate da mesma. Assim, a subida forte do nível geral de preços poderá ser a grande surpresa nos mercados para os próximos anos, uma vez que a larga maioria dos investidores ainda acredita que os Bancos Centrais estão no comando. Isto poderá levar a rotações aceleradas entre ativos, nomeadamente na fuga às obrigações e à procura por commodities.
Caso a inflação se revele de curto prazo é expectável que, ao longo dos próximos meses, diminua e voltemos ao ambiente dos últimos anos, caracterizados por taxas de juro próximas de zero e crescimento económico medíocre. Contudo, caso a inflação se revele persistente a tarefa dos Bancos Centrais ficará mais complicada; por um lado pela urgência em tomar medidas, por outro, pelo fracasso dos programas de estímulo monetário, onde a diminuição das taxas de juro e a injeção de capital ao longo dos últimos anos não promoveram acréscimos de atividade económica significativos e pelo elevado stock de dívida dos países da Zona Euro e dos Estados Unidos da América. Caso esta perspetiva se materialize, os ativos mencionados (matérias-primas, imobiliário e mesmo as ações) poderão alcançar um retorno real positivo. Existem, no entanto, riscos associados a estes investimentos, nomeadamente no caso em que os estados enfrentem pressões para aumentar rapidamente as receitas com o objetivo de diminuir o seu stock de dívida. Num cenário de descontrolo da inflação, tendo o passado como referência, poderemos inclusive vir a assistir à implementação de controlos de capitais entre regiões e ao incremento do número de falências, por volatilidade nos modelos de negócio existentes baseados em taxas de juro baixas e com baixos retornos sobre os ativos.
Nesta conjuntura, é possível que a atuação dos Bancos Centrais seja fraturante e caracterizada por novas medidas de atuação que poderão incluir a introdução de digital currencies, processos de mutualização da dívida (ex. Zona Euro), introdução de caps sobre as taxas de juro e/ou controlo da curva de rendimentos.
*Com autoria de Henrique Mira, analista júnior