O novo regime da gestão de ativos: impacto perspetivado no ambiente private equity depois dos resultados da consulta pública

Diana Ribeiro Duarte, Pedro Capitão Barbosa e Clara Almeida. Morais Leitão
Diana Ribeiro Duarte, Pedro Capitão Barbosa e Clara Almeida. Créditos: Cedidas (Morais Leitão)

TRIBUNA de Diana Ribeiro Duarte, sócia; Pedro Capitão Barbosa, associado principal; e Clara Almeida, associada, da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados.

A 28 de fevereiro de 2022 foi concluída a consulta pública sobre o projeto de diploma do novo Regime da Gestão de Ativos (RGA).

O RGA visa simplificar a regulamentação da indústria portuguesa de gestão de ativos, criando um quadro único a fim de promover a competitividade e o desenvolvimento do mercado.

A consulta sobre o RGA foi uma das consultas públicas mais participadas, com 583 contribuições recebidas de 22 entidades diferentes.

Principais desenvolvimentos em private equity

  1. Gestão de fundos de investimento alternativos (FIA) imobiliários por gestoras de fundos de private equity

O RGA estabelece que as gestoras de fundos de private equity (incluindo as pequenas gestoras de fundos de private equity, ou seja, as que estão abaixo dos limiares previstos na Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de Junho de 2011 (Diretiva AIFM) poderão gerir todos os tipos de FIA (e.g. fundos de crédito, hedge funds e outros fundos alternativos kitchen sink), com exceção dos fundos imobiliários, desde que pelo menos um desses fundos seja um fundo de private equity.

Os fundos imobiliários estão, assim, excluídos dos FIA, que podem ser geridos pelas gestoras de fundos de private equity, uma restrição que foi contestada por muitos dos participantes na consulta pública.

Ainda assim, a CMVM optou por manter esta restrição, invocando que a conservação deste traço distintivo é um dos elementos que justifica a manutenção da dualidade de sociedades gestoras ao abrigo do RGA – Sociedades Gestoras de Organismos de Investimento Coletivo (SGOIC) e Sociedades de Capital de Risco (SCR).

No relatório da consulta pública, a CMVM esclarece ainda que, embora os FIA geridos pelas SCR possam estar expostos à atividade imobiliária, não podem deter diretamente bens imobiliários.

  1. As pequenas gestoras de investimentos em private equity

O RGA estabelece um regime simplificado para as chamadas pequenas gestoras de investimentos em private equity (sociedades gestoras de pequena dimensão), as quais, nomeadamente, não se encontram obrigadas a demonstrar, ex-ante, os requisitos organizacionais necessários para gerir fundos de private equity, estão sujeitas a um capital social mínimo de € 75.000,00 e, no que respeita aos fundos destinados exclusivamente a investidores profissionais, estão ainda isentas da obrigação de nomear um depositário nos fundos que gerem.

Os requisitos de capital social menos exigentes e o regime regulatório simplificado (em particular a dispensa de nomeação de um depositário para cada fundo gerido), levaram as sociedades gestoras de grande dimensão a recear que o novo regime venha a introduzir uma situação de desequilíbrio, uma vez que as sociedades gestoras de pequena dimensão, com estruturas menos dispendiosas, poderão aplicar preços mais reduzidos, tornando-se, deste modo, mais competitivas.

Não obstante as críticas apontadas, a CMVM esclarece no relatório de consulta pública que: 

  • relativamente ao capital social mínimo de € 75.000,00 para sociedades gestoras de pequena dimensão, o montante é considerado como o montante mínimo necessário para o início de uma atividade regulada que pressupõe estabilidade financeira para operar no mercado, salvaguardando, ao mesmo tempo, a competitividade do mercado;
  • relativamente à não obrigatoriedade de designação de depositário nos fundos comercializados exclusivamente a investidores profissionais, as diferenças são justificadas, não só por razões de proporcionalidade, mas também pela ausência de um regime europeu que imponha tal obrigação. Ainda a este respeito, a CMVM clarifica que as gestoras de fundos de pequena dimensão podem, no entanto, nomear voluntariamente depositários em fundos destinados exclusivamente a investidores profissionais.
  1. Período de detenção para investimentos em private equity

O RGA estabelecia inicialmente um período máximo de detenção de 12 anos para investimentos em private equity. Isto representou uma mudança em relação ao regime jurídico anterior, que permitia aos fundos de private equity terem prazos de investimento muito longos. 

A limitação foi, portanto, objeto de críticas por parte de vários participantes na consulta pública, que consideram que a imposição deste limite é um retrocesso e põe em causa a competitividade do mercado nacional.

A CMVM reconsiderou o tema em questão, prevendo, na nova versão do RGA, a necessidade de os regulamentos dos fundos estabelecerem o período de detenção do investimento em capital de risco quando o mesmo seja igual ou superior a 12 anos.

  1. Montante mínimo de investimento

O RGA eliminou o valor de subscrição mínima de um fundo de private equity por investidor, correspondente a € 50.000,00. No entanto, de acordo com as contribuições recebidas, foi manifestada discordância relativamente à não inclusão do montante mínimo, por se entender que poderá resultar num tratamento desigual entre os atuais fundos e aqueles que venham a ser constituídos, pondo em causa a proteção dos participantes.

A CMVM defende, todavia, a eliminação de restrições no acesso a estes fundos, esclarecendo que a intenção subjacente é a de promover a competitividade e a atratividade do mercado nacional, salvaguardando ao mesmo tempo a proteção dos investidores, que terão agora mais alternativas e oportunidades de investimento à sua disposição, como é o caso de outros mercados europeus. O montante mínimo de subscrição deve, portanto, ser estabelecido de acordo com as particularidades de cada fundo.

  1. Emissão de obrigações

O RGA veio prever expressamente que os fundos de private equity podem emitir obrigações para obter financiamento de investidores externos (tema que vinha sendo amplamente debatido). Uma vez que foi solicitada a clarificação quanto ao tipo de obrigações em questão, a CMVM confirmou que não existem limitações quanto ao tipo de obrigações a emitir, as quais devem ser avaliadas caso a caso, de acordo com os requisitos legais aplicáveis.

Observações finais

As repercussões que o RGA virá a ter no setor do private equity foram objeto de intensa discussão no âmbito da respetiva consulta pública, o que demonstra a crescente sofisticação do setor em relação ao ambiente regulatório em que opera. Esta interação sinaliza também que a CMVM está consciente das preocupações do setor, tendo adotado uma abordagem construtiva para avaliar quais as alterações que devem ser consideradas.

Em suma, na sequência da consulta pública, o RGA pretende proporcionar uma maior flexibilidade às gestoras de fundos de private equity (nomeadamente as que se encontram abaixo dos limiares da Diretiva AIFM) para prosseguirem outras estratégias de private equity e explorarem fontes adicionais de investimento (e angariar novos investidores). Caberá agora ao Governo português apreciar o projeto de RGA que a CMVM lhe venha a submeter na sequência desta consulta pública, pelo que valerá a pena estar atento para compreender se serão implementadas quaisquer outras alterações relevantes.