Ontem, Hoje & Amanhã…

Jorge Silveira Botelho_BBVA_noticia
Jorge Silveira Botelho. Créditos: Vítor Duarte

(Artigo de opinião de Jorge Silveira Botelho, CIO da BBVA AM Portugal)

O antes e o depois da pandemia são duas realidades que distam intangivelmente mais do que um valor temporal medido sob a forma de um número de meses ou de meios anos. O antigamente vai ser o advérbio de tempo mais comum para se descrever o mundo antes da pandemia. Doravante os temas sociais, económicos e políticos que se avizinham para o depois desta crise vão ser desafiantes. Mas em boa verdade, estes temas também vão ser a base de grandes transformações tecnológicas e de inúmeras oportunidades de investimento, em campos como o da sustentabilidade do planeta e da longevidade humana.

Ontem, não existiam meios para combater esta pandemia, havia a necessidade de se fazerem confinamentos totais, não havia empregos e não tínhamos vacinas. O hoje, deparamo-nos com uma multiplicidade de vacinas e a sua capacidade de prevenir, mas de também tratar os casos mais severos, o que faz com que o fator crítico de sucesso seja agora a logística da administração das mesmas. Esta é a realidade que faz com que o amanhã pareça muito mais próximo do que o ontem, na medida em que, a imunidade de grupo em muitos países pode já ser atingida antes do início deste verão, ou seja, já amanhã...

Ontem, a grande preocupação dos Estados era garantir que os governos fossem comedidos e reduzissem a sua dívida. Hoje, o foco é garantir o crescimento da economia a nível global, assente no aumento do gasto público e na prossecução de uma política de taxas de juros reais negativas, Amanhã, a grande preocupação será simplesmente continuar a garantir que se estenda esta política fiscal e de taxas reais negativas no médio e longo prazo, de modo a que, se assegure um crescimento económico acima do potencial, que acelere a reestruturação passiva da dívida global. Este ano a economia mundial deve crescer mais de 5,5% e no próximo não mais de 4,2%, (fonte: FMI), mas o risco é de que estas estimativas possam ser revistas em alta…

Ontem, os temas políticos emergiam nos desacertos e descoordenação de políticas, nas sucessivas guerras de tarifas e no tóxico Brexit. Hoje, o tema é a fusão entres a política monetária e fiscal, a coordenação entre Bancos Centrais e Governos, como ocorre nos EUA com Janet Yellen e agora em Itália com Mario Draghi, a gestão de um já não disruptivo Brexit e a busca de soluções para resolver os problemas internos em cada uma das economias.

O amanhã, vão ser as políticas económicas de inclusão e de combate à desigualdade, a coordenação política da descarbonização, a democratização das fontes de energia e a explosão da revolução digital com a implementação das infraestruturas 5G.

Nos mercados financeiros, ontem pescávamos à linha junto ao cais, sempre com medo de que de um momento para outro surgisse um “Tweetnami”. Hoje, já sabemos que podemos navegar à vista, onde ao longo da costa vamos conseguindo apanhar os últimos moluscos que ainda nos geram algum rendimento. No amanhã,  já desistimos de procurar aquilo que sabemos que vai ser impossível de encontrar. Nem os ativos de dívida de governos nem o crédito de investimento não especulativo, auferem qualquer perspetiva de rendimento. O foco vai estar em não ter medo de navegar em mar alto, porque as ondas vão perder intensidade com a supressão do ciclo tradicional monetário de taxas de juro, o que vai alterar por completo os parâmetros dos modelos de avaliação dos ativos.

Tal como Ontem, Hoje & Amanhã vão haver sempre riscos e novos fatores criarão volatilidade nos mercados financeiros, como podem vir a ser os fóruns e as plataformas de trading sociais, a implosão do mercado das criptomoedas, o qual já representa mais de 1,2 biliões de dólares (fonte: Bloomberg), ou como pode vir a ser a volatilidade nas taxas de juro nominais de longo prazo dada a difícil e complicada digestão da dívida global, que em 2020 se estima que tenha ficado na ordem dos 365% sobre o PIB (fonte: IIF).

Contudo, o que já não devemos subestimar é que estamos a assistir a um compromisso profundo de superação coletiva da humanidade, que abre o espaço para um dos maiores saltos civilizacionais da sua história, o que de certa forma tem de ser visto como um típico ciclo prolongado de um pós guerra. Este típico ciclo económico, confere normalmente um enorme suporte às dinâmicas que estão subjacentes aos mercados acionistas globais e aos mercados imobiliários.

Nos próximos anos, a interdisciplinaridade da sustentabilidade e da longevidade, nas diferentes vertentes tecnológicas, energéticas, sanitárias e sociais, vão induzir uma verdadeira transformação nos modelos económicos vigentes. As  grandes oportunidades de investimento vão sobretudo materializar-se com a alteração da perceção do funcionamento da economia que existia até há um ano atrás, ou seja, vamos ter uma rotura com a economia do antigamente.