Pacote legislativo PRIIPs – O que está, afinal, em vigor em Portugal?

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Cedida

(Este artigo é da autoria de Roberto Bilro Mendes, Sérgio Cohen Rocheteau e Jacqueline Fernandes Pereira, respetivamente Manager, Consultant e Senior Consultant do Departamento de Financial Services Risk & Regulation da PwC)

No nosso último artigo debruçámo-nos sobre o incumprimento da transposição da MiFID II e sobre os principais requisitos aplicáveis e em vigor no nosso ordenamento jurídico.

Em paralelo com esses requisitos, estão em vigor desde o dia 1 de janeiro as regras estabelecidas no Regulamento (UE) n.º 1286/2014 (Regulamento PRIIPs). Este Regulamento assume uma enorme importância visto que substitui o conceito de produto financeiro complexo, decorrente do Regulamento da CMVM n.º 2/2012 e que norteou o mercado português durante cinco anos, pelo conceito de PRIIP, a saber: “um investimento (…) em que, independentemente da forma jurídica do investimento, o montante a reembolsar ao investidor não profissional está sujeito a flutuações devido à exposição a valores de referência ou ao desempenho de um ou mais ativos não diretamente adquiridos pelo investidor não profissional”, incluindo ainda “um produto de seguros que oferece um valor de vencimento ou resgate total ou parcialmente exposto, direta ou indiretamente, às flutuações do mercado”.

Tendo em conta a natureza do Regulamento PRIIPs e a sua aplicação direta nos Estados-Membros, mas tendo especialmente em conta a importância transversal do tema, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) assumiu um mandato para preparar um diploma nacional de execução deste Regulamento, de forma a especificar quais os poderes de supervisão de cada um dos supervisores e as regras adicionais aplicáveis a cada tipo de PRIIP.

Esse diploma será, em princípio, publicado como anexo ao diploma nacional de transposição da MiFID II.

Adicionalmente, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) preparou um Regulamento próprio sobre os deveres informativos e de comercialização relativos a PRIIPs sob a sua supervisão que esteve em consulta pública até ao dia 30 de novembro de 2017 (Proposta de Regulamento CMVM).

Tendo em conta o atraso na transposição da MiFID II, os diplomas referidos acima apenas deverão estar em vigor no final do primeiro trimestre de 2018, pelo que, de forma a minorar a confusão legislativa e a ausência de diplomas de execução, a CMVM publicou, no passado dia 4 de janeiro, uma Circular, sem força vinculativa, onde recomenda a adoção de diversos requisitos que vão para além do que decorre do Regulamento PRIIPs e do seu Regulamento Delegado (UE) n.º 2017/653 (Regulamento Delegado), de forma a que os intermediários financeiros se preparem, desde já, para as futuras regras decorrentes do Projeto de Regulamento da CMVM.

Complementarmente, a CMVM reconheceu, na Circular, que estão desde já revogados o Regulamento da CMVM n.º 2/2012 e a Instrução da CMVM n.º 3/2013 (Informação a prestar pelas Entidades Emitentes, Gestoras e Comercializadoras no âmbito da comercialização de Produtos Financeiros Complexos), conservando este último ainda algumas exigências de reporte, conforme detalhamos abaixo.

Face ao exposto, podemos concluir que os requisitos aplicáveis na nossa ordem jurídica quanto aos PRIIPs decorrem do Regulamento PRIIPs, do Regulamento Delegado e, para os intermediários financeiros, os decorrentes da Circular da CMVM, pelo que destacamos os requisitos que consideramos fundamentais, indicando os mesmos por temas, para facilidade de referência:

Elaboração do Documento de Informação Fundamental (DIF)

  • A principal exigência decorrente da aplicação direta do Regulamento PRIIPs é a obrigatoriedade, para produtores de PRIIPs, da elaboração de um DIF para esses produtos, nos termos desse Regulamento e do Regulamento Delegado, que deve ser apresentando de forma padronizada, com um máximo de 3 páginas A4, de forma a facilitar a comparação entre produtos, sendo necessária a apresentação de todos os custos associados por natureza, assim como de, pelo menos, quatro cenários de desempenho do produto, calculados através das metodologias prescritas na regulamentação, que variam consoante as características do PRIIP em causa;
  • Para os comercializadores de PRIIPs, nos termos do Regulamento PRIIPs, deverão, regra geral, publicar os DIFs no seu sítio web (requisito considerado insuficiente pelo CNSF, conforme referimos abaixo).

Redistribuição de responsabilidades de supervisão – CMVM e ASF

  • A Circular confirma que, tal como consta do draft do diploma legislativo nacional conhecido pela indústria, irá ocorrer uma redistribuição de responsabilidades entre os supervisores financeiros, nomeadamente no que respeita aos contratos de seguros ligados a fundos de investimento (unit-linked). Assim, e ao contrário daquilo que acontecia até então sob alçada do Regulamento da CMVM n.º 2/2012, será a ASF, futuramente, a entidade responsável pela supervisão destes produtos.

Envio do DIF à CMVM

  • PRIIPs sob a supervisão da CMVM e produzidos antes de 1 de janeiro de 2018 e distribuídos após essa data: em sentido inverso ao disposto na Proposta de Regulamento da CMVM, os produtores (ou comercializadores, quando aplicável) de PRIIPs sujeitos à supervisão da CMVM não terão de enviar, por enquanto, o DIF ao supervisor, devendo este, contudo, ser elaborado e disponibilizado no website do produtor. A Circular esclarece que, oportunamente, será fixado um período transitório para que sejam remetidos à CMVM os DIFs elaborados entre 1 de janeiro de 2018 e a data de entrada em vigor do Regulamento da CMVM;
  • PRIIPs sob a supervisão da CMVM e produzidos após 1 de janeiro de 2018 que se encontrem em processo de autorização ou registo: os produtores (ou comercializadores, quando aplicável) de PRIIPs devem enviar, desde já, o DIF à CMVM.

Boletim de Subscrição

  • Não consta da legislação europeia mas foi incluído no Projeto de Regulamento da CMVM e confirmado pela Circular, nos termos da qual os comercializadores de PRIIPs sob a supervisão da CMVM deverão, em simultâneo com o DIF, elaborar e entregar aos investidores não profissionais um documento que formalize a aquisição ou subscrição do PRIIP (comumente designado como Boletim de Subscrição). Esse documento, cujo formato e suporte poderão ser definidos livremente, terá de respeitar, neste momento, o referido na Circular;
  • Será necessário incluir no Boletim de Subscrição, desde já, campos para que o investidor não profissional possa manuscrever ou digitar as frases previstas na Proposta de Regulamento da CMVM e, bem assim, na Circular (existem três frases específicas que terão de ser usadas, conforme o caso).

Comunicação das alterações ao DIF

  • Não obstante o Regulamento PRIIPs exigir somente a publicação do DIF revisto no sítio web do produtor, nos termos da Circular, os produtores de PRIIPs devem comunicar, de forma individualizada, aos investidores não profissionais que investiram, ou cujo processo de investimento já tenha sido iniciado à data da revisão, sobre as alterações ao DIF, identificando ainda o local e modo como poderão consultar o DIF revisto;
  • O comercializador de PRIIPs deve informar o investidor não profissional que o DIF de um PRIIP que o mesmo tem em carteira ou em que pretenda investir foi revisto quanto tiver ocorrido, designadamente:

i.      Uma das situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 15.º do Regulamento Delegado, designadamente a modificação do Indicador Sumário de Risco (SRI) ou um deslocamento do retorno anualizado associado cenário moderado superior a 5 p.p.; ou

ii.    A inclusão, alteração ou eliminação das referências a qualquer uma das informações previstas no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento Delegado (e.g. a alteração do SRI ou a modificação da classificação do produto quanto à sua liquidez).

  • Neste momento, e ao contrário da Proposta de Regulamento da CMVM, nos termos da Circular, os produtores de PRIIPs não terão ainda de notificar a CMVM quanto à revisão do DIF.

Idioma do DIF

  • Complementando o Regulamento PRIIPs, a Circular estabelece que os DIFs poderão ser redigidos em língua portuguesa ou traduzidos para a mesma, podendo ainda ser redigidos ou traduzidos num idioma de uso corrente nos mercados financeiros internacionais (e.g. inglês), sendo nesse caso necessário, para efeitos de entrega ao investidor não profissional, que o mesmo declare que domina esse idioma e que aceita receber o DIF nesse idioma;
  • Em derrogação do ponto anterior, e apenas no caso da prestação exclusiva dos serviços de receção e transmissão e de execução de ordens relativas a PRIIPs e, bem assim, no caso de uma transação por iniciativa do cliente, parece decorrer da Circular que o regime linguístico standard não se aplica. Não sendo claro se qualquer língua poderá ser aceite, não é, em todo caso, congruente que o tratamento de uma transação por iniciativa do cliente seja efetuado de forma mais restrita do que uma situação em que a iniciativa coube ao intermediário financeiro.

Publicidade referente a PRIIPs

  • A Circular reforça que os produtores e distribuidores de PRIIPs estão legalmente vinculados às normas e princípios referentes a elementos de promoção comercial, assim como o disposto no artigo 9.º do Regulamento PRIIPs;
  • Até à entrada em vigor do regime jurídico nacional sobre PRIIPs, as mensagens publicitárias relativas a PRIIPs supervisionados pela CMVM não estão sujeitas à sua aprovação prévia.

Reporte ao abrigo da Instrução da CMVM n.º 3/2013

  • Embora a Circular confirme a revogação da Instrução da CMVM n.º 3/2013, a exigência de reporte ao abrigo desta Instrução mantém-se aplicável às entidades relevantes, pelo que deverão continuar a elaborar tais reportes até à extinção dos produtos financeiros complexos produzidos ou comercializados até 31 de dezembro de 2017, mas que continuem em carteira dos clientes.

Conclusão

Tendo em conta os requisitos decorrentes do Regulamento PRIIPs, do seu Regulamento Delegado e da Circular e considerando ainda os requisitos constantes no Projeto de Regulamento da CMVM e a possibilidade de a ASF vir também a publicar um regime próprio aplicável aos produtos de investimento com base em seguros, consideramos essencial que os operadores de mercado, quer se tratem de intermediários financeiros, quer se tratem de companhias de seguros, continuem os trabalhos de preparação da entrada em vigor do regime de execução do Regulamento PRIIPs melhor referido acima, não descurando, no entanto, todas as obrigações decorrentes desde já do Regulamento PRIIPs, do Regulamento Delegado e, no caso dos intermediários financeiros, da Circular.

Só dessa forma poderão, efetivamente, garantir o cumprimento de todos os requisitos decorrentes do pacote legislativo PRIIPs que estabelece, sem sombra de dúvida, algumas das regras de maior complexidade de implementação a que o mercado assistiu na última década. 

Consulte aqui o recente artigo dos mesmos autores sobre MiFiD II.