Remunerações de executivos de topo revistas em tempos de COVID-19

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(TRIBUNA Daniel Jarman, Vice-Presidente, Analista, Investimento Responsável, BMO GAM. Comentário patrocinado pela BMO GAM.)

A pandemia de COVID-19 está a provocar uma crise económica mergulhada na incerteza. O setor industrial e os governos viram-se forçados a reagir a ameaças à economia mundial nunca antes vistas e quase inimagináveis.

Os conselhos de administração estão, agora, mais dispostos a aceitar que poderá ser necessário fazer cortes nas remunerações dos executivos de topo, algo quase inédito. Em muitos países, os governos lançaram programas de apoio à remuneração de funcionários, o que resultou numa redução da necessidade de despedimentos a curto prazo. Esses apoios ao emprego foram amplamente bem recebidos pelo setor industrial e espelham uma intervenção sem precedentes dos governos no mercado de trabalho.

Comparação entre a crise financeira mundial e a pandemia de COVID-19

Existem muitas semelhanças, mas também muitas diferenças, entre estas duas crises históricas. Uma das semelhanças mais evidentes é o impacto sentido na economia, embora o encerramento de setores inteiros este ano não tenha precedentes e tenha resultado no layoff de funcionários, no congelamento ou na redução de salários e em despedimentos – sem fim à vista.

De uma perspetiva do governo das sociedades, uma diferença significativa em relação à crise financeira é a forma como as comissões de remuneração e os quadros executivos reagiram através do ajuste das suas remunerações. Durante a crise financeira, assistimos ao congelamento de salários e à limitação de incentivos em muitas empresas por todo o mundo. Mas foram muito poucas as empresas fora do setor bancário que reduziram efetivamente a remuneração dos seus quadros executivos e superiores. Durante a crise atual, temos observado cortes na remuneração dos quadros executivos e superiores num número significativo de empresas. Embora estes cortes sejam temporários, alinhando-se com os restantes funcionários em layoff ou que foram despedidos, a mudança de atitude é notável, quando comparada com a crise financeira.

Remunerações de executivos de topo analisadas de perto

O nível de remuneração dos quadros executivos aumentou consideravelmente ao longo dos últimos 30 anos, assim como a sua análise no contexto da restante força de trabalho. Hoje em dia, os dados relativos ao rácio entre a remuneração dos CEO e o salário médio nas empresas já são amplamente divulgados (por exemplo, no Reino Unido e nos Estados Unidos) e a análise atenta por parte dos stakeholders a estes números também aumentou. Já não são só os clientes que estão atentos à publicidade negativa, mas também os funcionários e outras pessoas relacionadas com a empresa.

Apenas alguns dias depois do início do confinamento, à medida que o impacto potencial ao nível do emprego se tornou evidente, organismos do setor industrial e investidores começaram a lançar diretrizes que propunham às empresas “dividir o mal pelas aldeias”, incluindo pelos quadros executivos. E isso não foi ignorado. Pouco tempo depois do confinamento, muitas empresas começaram a anunciar cortes na remuneração dos seus quadros superiores como medida para a preservação de capital. Muitos desses cortes foram sugeridos pelas próprias administrações, que mostraram uma forte empatia com os restantes funcionários.

Na sequência destas pressões, muitas empresas adiaram aumentos durante, pelo menos, um ano. Uma das práticas mais comuns foi adiar esses aumentos até que a economia viva dias de maior certeza. O aumento da remuneração de executivos de topo numa altura em que outros funcionários enfrentam medidas de layoff poderia ter um impacto na reputação, o que justifica esta abordagem.

Além disso, as empresas têm sofrido uma grande pressão nos últimos anos para reduzirem as contribuições para o regime de pensões por parte dos seus quadros superiores, para que estas se aproximem das da restante força de trabalho.

Bancos cortam remunerações e dividendos

Dado o impacto da COVID-19 na economia real, as entidades reguladoras agiram no sentido da preservação de balanços sólidos em setores-chave. No Reino Unido, o governo pediu aos bancos que suspendessem o pagamento dos dividendos referentes a 2019. Noutros países europeus:

  •  o Banco Central Europeu publicou orientações para que os bancos suspendessem o pagamento dos dividendos relativos a 2019 e 2020 até, pelo menos, 1 de janeiro de 2021;
  • a Autoridade Suíça de Supervisão dos Mercados Financeiros (FINMA) recomendou às empresas com sede na Suíça que cancelassem propostas de dividendos.

Estas ações visavam melhorar a capacidade dos bancos de lidarem com perdas e suportarem empréstimos.

Neste contexto, foi animador – e inédito – ver um número significativo de grandes bancos a anunciar várias ações para a redução da remuneração dos seus quadros executivos, incluindo o corte de salários, o corte ou abdicação de bónus e o surgimento de acordos para o adiamento de aumentos nas compensações.

Concluindo, o papel dos investidores nunca foi tão importante no que diz respeito a passar uma mensagem clara aos conselhos de administração relativamente às remunerações. Vamos continuar a trabalhar com as empresas no sentido da garantia de remunerações justas e apropriadas às circunstâncias. Apesar de as circunstâncias atuais terem uma duração limitada (assim o esperamos), podemos tentar encarar este ano e as reduções temporárias observadas como o primeiro passo para alterações a longo prazo.