A Retail Investment Strategy é uma avalanche para a indústria de wealth management na Europa. Afonso Barbosa, diretor executivo da Az.R, explica o que está em cima da mesa: os eixos de intervenção da diretiva e os seus requisitos.
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COLABORAÇÃO de Afonso Barbosa, diretor executivo da Az.R.
As autoridades europeias não estão satisfeitas com a evolução da indústria de Wealth Management (WM) e preparam-se para adotar regulamentação com potencial para a transformar, na forma como esta se relaciona e vende produtos ao cliente, e no posicionamento dos players na cadeia de valor do negócio.
Existe hoje extensa regulação setorial na atividade da prestação de serviços em mercados e instrumentos financeiros (MIFID II), dos fundos de investimento (UCITS e AIFMD) e dos produtos de investimento através de seguros (IDD, PRIIP e Solvency II).
A atual regulação obrigou a indústria a um esforço contínuo de investimento, em recursos e tecnologia, na adaptação a regras cada vez mais rígidas. Não obstante, a UE considera não existirem condições suficientes para que os investidores de retalho (ou não profissionais) tenham acesso à informação que permita a escolha de produtos e serviços de acordo com as suas preferências e necessidades, bem como não estarem assegurados mecanismos suficientes de proteção e tratamento adequado por parte de produtores e distribuidores.
A Diretiva Retail Investment Strategy (RIS) procura colmatar estas questões, para que os investidores obtenham um nível de tratamento e proteção similar, independente do tipo de produtos e das formas de promoção e distribuição. É uma diretiva modificativa o que, desde logo, gera desafios à indústria ao promover a convergência de regras entre setores (eg. dos produtos de investimento e dos produtos de investimento com base em seguros), bem como a aplicação in facto de medidas já existentes.
Um outro desafio resultará dos prazos: a Comissão Europeia (CE) aprovou a Diretiva em maio de 2023; a aprovação pelo Parlamento Europeu e Conselho da UE deverá ocorrer até final de 2024. Após a publicação, os Estados-Membro terão 12 meses para a transpor para a legislação e regulamentação nacional, e 18 meses para a entrada em vigor, i.e no 1º semestre de 2016, um prazo ambicioso, considerando a natureza das alterações.
Principais eixos de intervenção da Diretiva RIS
Começamos por sintetizar os mais importantes requisitos e restrições introduzidos pela RIS.
Fig.1 – Principais eixos de intervenção
Alterações com impacto no negócio
(i) Conflitos de interesse e os incentivos à distribuição
Embora não proíba o pagamento de incentivos, com algumas exceções a nova Diretiva introduz essa inibição em vendas não objeto de aconselhamento, mantendo a proibição na gestão discricionária e no aconselhamento independente.
Quando autorizados, os distribuidores passam a informar os clientes sobre os incentivos e como impactam a rentabilidade do investimento, sendo ainda obrigados a um teste de atuação no interesse dos clientes.
As salvaguardas são reforçadas com a clarificação do aconselhamento independente (onde os incentivos são proibidos) e o não independente, e da forma como o distribuidor se apresenta perante o investidor não profissional.
Estas medidas, conjuntamente com as do modelo de aconselhamento, alteram as regras hoje em vigor, que permitem o pagamento de incentivos, se reforçarem a qualidade do serviço (MIFID) ou não forem prejudiciais (IDD), abordagem que permite latitude interpretativa.
Três anos após a adoção da Diretiva, a CE avaliará os impactos das novas regras sobre incentivos. Sem evidências de evolução benéfica para o investidor não profissional, a CE poderá adotar medidas reforçadas, incluindo a abolição integral dos incentivos à distribuição (o seu objetivo inicial).
(ii) Novo modelo de aconselhamento na distribuição
A Diretiva introduz ou reforça diversas obrigações ao nível do aconselhamento ao investidor. Em função da complexidade dos produtos, reforça a exigência de análise, pelo distribuidor, da adequabilidade do produto, teste realizado antes da venda e considerando a pertinência da oferta ao portefólio do investidor (uma novidade que colocará desafios da reação do cliente, tratamento de dados pessoais…).
O aconselhamento será suportado num conjunto alargado de produtos financeiros adequados às necessidades do cliente concreto, obrigando à recomendação daquele que apresentar a melhor relação custo-benefício e à apresentação de, pelo menos, um produto sem características adicionais não necessárias (e geradoras de custos acrescidos) – eg. no extremo, o advisor poderá ter de sugerir um ETF sobre o S&P500, quando o cliente pretenda investir no mercado americano de ações, em contraponto à proposta de um fundo de gestão ativa.
Por outro lado, para incentivar serviços de baixo custo, advisors independentes poderão prestar aconselhamento limitado sobre produtos não complexos e com boa relação custo-benefício, com base em testes de adequabilidade mais reduzidos.
O novo modelo reforça os requisitos processuais, da obtenção de informação abrangente do cliente (incluindo das suas carteiras) à apresentação prévia de relatório sobre o investimento.
Se o resultado da avaliação (que inclui critérios de capacidade para suportar perdas e de tolerância ao risco) for negativo, o intermediário não poderá, à partida, concretizar a transação.
Complementarmente, a RIS promove o reforço das competências dos advisors que atuem junto de investidores de retalho, suportado no alargamento do perímetro de conhecimentos e em certificações individuais.
(iii) Análise custo-benefício e aprovação de produtos e preço
A RIS aplicará transversalmente medidas sobre a relação custo-benefício dos produtos e introduzirá novas regras na formação do preço:
- Quantificação de todos os custos de produção e de distribuição, bem como do retorno esperado considerando as características do produto;
- A sua comparação, antes da oferta no mercado, com benchmarks de custos e performance desenvolvidos pela ESMA ou pela EIOPA;
- Um desvio negativo significará que o produto tem uma má relação custo-benefício, não podendo ser distribuído ou recomendado, salvo se tais custos se provarem justificados e proporcionados.
As autoridades procuram assim reforçar o combate à cobrança de custos indevidos, a partir de medidas que se inserem num sistema de governação na aprovação (e revisão periódica) de produtos financeiros que incluí (a) requisitos de identificação do mercado-alvo e adequação do produto e sua distribuição às necessidades e objetivos daquele, (b) a análise custo-benefício e (c) o reporte do processo de aprovação às autoridades.
São de salientar as consequências da análise de custo-benefício dos produtos, em conjunto com as avaliações, cliente a cliente, no novo modelo de aconselhamento, só possíveis de endereçar com capacidades de massificação operacional.
Em acréscimo aos requisitos processuais, será muito reforçada a informação trocada entre players, autoridades de supervisão e associações europeias.
Alterações com impacto na organização e processos
As seguintes medidas vão influenciar, essencialmente, os processos dos players e a sua estrutura de custos.
(iv) Informação a investidores de retalho
Para o reforço da informação são implementadas as seguintes medidas:
- Modernização e adaptação das divulgações à distribuição digital;
- Informação normalizada sobre custos dos produtos (incluindo pagamentos a terceiros), a explicação da finalidade e impactos no rendimento esperado;
- Reforço das informações pré-contratuais exigidas nos produtos de investimento com base em seguros;
- Maior clareza na informação de custos e performance do produto nos relatórios anuais. Nos seguros financeiros serão incluídas projeções, por cliente, do resultado esperado no fim do período contratual ou recomendado;
- Reforço dos alertas obrigatórios para produtos de risco mais elevado.
(v) Comunicações e práticas comerciais
A Diretiva introduz novas regras nas comunicações de marketing, pela imposição de conteúdos equilibrados entre riscos e benefícios dos produtos e a inclusão imediata das características.
Produtores e distribuidores passam a repartir as responsabilidades sobre os conteúdos e comunicações comerciais, próprias ou de terceiros em seu nome.
Estas regras vão gerar novos requisitos aos players, como (a) a existência de políticas sobre comunicações e práticas comerciais, e mecanismos de supervisão da responsabilidade do órgão de gestão, ou (b) o registo de comunicações, estratégias e práticas de marketing.
Este é o primeiro de um conjunto de artigos com os quais abordaremos os impactos da Diretiva RIS na indústria.
Pelas suas características, os impactos mais relevantes da RIS ocorrerão ao nível do modelo de negócio. Por outro lado, a Diretiva colocará os distribuidores no centro da mudança na indústria, mas impactará, de forma desproporcional, os produtores. Os diferentes tipos de impacto e as opções da indústria serão os tópicos centrais dos próximos artigos.