Rui Machado (IMGA): “A potencial recuperação da atividade económica na China poderá ser a principal surpresa positiva para 2023”

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Rui Machado. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Rui Machado, diretor de Investimentos, da IM Gestão de Ativos.

O ano de 2022 ficará gravado na história não só pelo início da guerra da Ucrânia, mas também pela forma como a inflação sofreu um agravamento exponencial. Nesse sentido, 2023 terá um ponto em comum, nomeadamente o papel absolutamente fulcral da inflação na evolução dos mercados de capitais.

Apesar das nossas perspetivas de uma maior normalização das taxas de inflação, acreditamos que 2023 voltará a ser um ano difícil para a generalidade dos mercados. No entanto, pensamos também que a volatilidade deverá continuar a níveis elevados, oferecendo assim boas oportunidades de investimento ao longo do ano para os investidores com um horizonte temporal mais alargado.

As obrigações e os mercados acionistas

O nosso cenário central aponta para um ano ainda negativo no que diz respeito a obrigações de longo prazo, embora longe da dimensão do que aconteceu este ano. Nos mercados obrigacionistas as nossas escolhas incidem sobre prazos mais curtos e nas emissões de qualidade creditícia superior. Estes segmentos deverão oferecer retornos muito interessantes para o nível de risco subjacente, sendo por isso os investimentos onde estamos particularmente otimistas.

No que diz respeito aos mercados acionistas, o nosso cenário é de um ano com retornos próximos do nível neutral, no entanto, pensamos que não seja de excluir a possibilidade de uma nova correção que visite os mínimos de 2022 durante o ano que se avizinha. Assim, entramos em 2023 com um posicionamento relativamente cauteloso, aguardando pacientemente por uma maior visibilidade no que diz respeito à inflação e taxas de juro.

Riscos

À semelhança da generalidade dos investidores, a nossa maior preocupação continua a centrar-se na inflação e nos riscos que potencialmente poderá vir a colocar na normalização das políticas monetárias. Uma inflação persistente e significativamente acima dos objetivos dos principais bancos centrais mundiais, levará de forma quase inevitável a políticas ainda mais restritivas, agravando um cenário económico que já se espera ser bastante frágil.

Uma recessão económica global é um cenário provável, embora as nossas expectativas apontem para uma profundidade e duração pouco significativas. Contudo, os riscos de downside suplantam em grande medida os riscos de upside, pelo que mesmo um pequeno desvio negativo pode vir a colocar em causa este cenário cauteloso.

A potencial recuperação da atividade económica na China, fruto do cancelamento total ou parcial das medidas Covid-zero, poderá ser a principal surpresa positiva para 2023. Caso esta economia retome a sua trajetória de crescimento, isso levará não só a um aumento global da atividade económica, como impulsionará a normalização das cadeias de distribuição, afetando assim duplamente o crescimento económico global.

Fundos recomendados

Nesta fase do ciclo económico, onde ainda subsistem dúvidas sobre a evolução das políticas monetárias, mas os riscos parecem ser relativamente moderados, pensamos que os investimentos em emissões obrigacionistas de curto prazo oferecem o melhor binómio risco/retorno. Neste sentido, os nossos fundos de curto prazo e também os nossos fundos multiativos (todos eles também com investimentos nestes ativos), deverão ter condições para produzirem em 2023 níveis de retorno acima da média.

Perspetivas da inflação

A inflação deverá sofrer um forte decréscimo ao longo do ano, resultado da diluição de alguns efeitos de base, mas também da recente queda no preço das matérias energéticas. As dúvidas subsistem principalmente na Europa onde o efeito de ajuste salarial é menos célere do que nos EUA e as pressões para aumentos salariais significativos no início do ano se deverão intensificar.

Apesar da queda perspetivada, o nível de inflação deverá manter-se ainda acima do objetivo da Fed e do BCE, o que implica potencialmente um nível de taxas de juro que poderá asfixiar as respetivas economias. Este é um risco evidente cujas consequências podem vir a ser muito negativas, contudo, o nosso cenário central aponta para uma relativa resiliência destas economias.

A mais longo prazo o cenário é ainda mais incerto e de difícil previsão, em especial nas economias desenvolvidas. Apesar dos efeitos estruturais tendencialmente deflacionistas, como a evolução tecnológica e o envelhecimento das populações, o processo de desglobalização - que sofreu um forte impulso após a guerra na Ucrânia - e a transição energética deverão pesar fortemente no outro prato da balança.