Rui Machado (IMGA): “Acreditamos que em 2022 a COVID-19 terá progressivamente uma menor importância, no entanto, o grau de incerteza é grande”

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Rui Machado. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Rui Machado, diretor de Investimentos na IM Gestão de Ativos.

Depois de 2020 ter sido um ano muito atípico e que perdurará durante muito tempo na nossa memória, em 2021 as expectativas iniciais apontavam para um ano relativamente mais calmo, onde a vacinação em massa levaria a uma nova normalidade e consequente retoma económica. De facto, não obstante, alguns retrocessos e incertezas em diversos momentos durante o ano, esse foi o cenário dominante. O período mais contrastante com este panorama de recuperação ocorre precisamente no final deste ano, com a descoberta da variante do vírus SARS-CoV-2 apelidada pela Organização Mundial de Saúde como Ómicron.

Assim, após 2021 ter ido ao encontro das elevadas expectativas, as perspetivas para 2022 permanecem construtivas. Antecipa-se um abrandamento do ritmo de crescimento económico global, mas num patamar em que a generalidade dos principais blocos económicos continuará a crescer acima do seu ritmo potencial e em plena convergência para a trajetória de crescimento pré-pandémico.

O cenário traçado não é desprovido de riscos e esses riscos para 2022 deverão assentar em três vertentes principais: a evolução da pandemia, da inflação e das políticas monetárias. Cada um destes riscos poderá ser suficiente para colocar em causa a retoma económica em curso, mas existe uma relação próxima entre eles, pelo que é necessário também ter em conta as suas interconexões, o que nos remete para a sua análise e para a exploração de como estes riscos se poderão transformar em oportunidades.

Pandemia

A evolução da COVID-19 mantém-se como a grande incógnita para o próximo ano. A possibilidade do surgimento de novas variantes é uma ameaça bem real, em especial num momento em que a vacinação parece dar mostras de uma menor eficácia a longo prazo e apenas alguns países desenvolvidos têm uma taxa de vacinação significativa. O acesso a vacinas nos países emergentes é ainda muito restrito, o que possibilita o aumento de novas variantes e impede uma retoma económica verdadeiramente sustentável.

A variante Ómicron foi descoberta na África do Sul apenas no final de novembro e, por isso, o conhecimento científico sobre os seus potenciais efeitos é ainda muito escasso. O pouco que se sabe aponta para um número de mutações anormalmente elevado, o que poderá significar uma maior facilidade de transmissão e possível resistência às vacinas atualmente em circulação. Esta descoberta não só levou a uma importante correção dos principais ativos de risco, como veio levantar muitas dúvidas sobre as perspetivas para 2022, em especial se se vier a confirmar uma maior perigosidade desta variante.

Apesar desta incerteza, os fabricantes que utilizam tecnologia mRNA na produção da vacina para a COVID-19 rapidamente afirmaram que, se necessário, poderão adaptar as suas vacinas para combater de forma mais eficaz esta variante. Por isso, paradoxalmente, esta variante poderá até servir de tubo de ensaio para o reforço ao combate da COVID-19, o que deverá significar menos medidas de confinamento e um retomar definitivo da normal atividade económica.

Acreditamos que em 2022 a Covid-19 terá progressivamente uma menor importância, no entanto, o grau de incerteza é grande, não sendo de excluir a possibilidade da existência de novas vagas de transmissão, tal como veio acontecer ao longo deste ano. Em 2021 a pandemia fez cada vez mais parte do nosso quotidiano e, apesar disso, as populações habituaram-se de alguma forma a viver com o vírus, mostrando um enorme nível de resiliência, mesmo nos piores momentos. Salvo um recrudescimento muito significativo da pandemia, pensamos que este deverá continuar a ser o sentimento dominante no próximo ano.

Inflação

A taxa de inflação deverá manter-se relativamente elevada ao longo de 2022, embora com uma tendência de normalização, em especial no segundo semestre. As forças de caráter mais estrutural que estiveram na origem das pressões desinflacionistas pré-pandémicas, com destaque para a inovação tecnológica, a globalização, a inversão da pirâmide etária e a sobrecapacidade instalada, não desapareceram por completo e deverão servir de travão a um fenómeno inflacionista descontrolado ou prolongado no tempo.

Um fenómeno inflacionista mais pronunciado poderá produzir um impacto imediato no consumo privado, via a afetação dos rendimentos reais. Caso este se prove mais persistente do que o esperado poderá impulsionar a definição de preços em setores não relacionados, assim como originar um acréscimo das expectativas inflacionistas de médio/longo prazo, com potenciais implicações no crescimento sustentado e acelerado dos salários, contribuindo desta forma para um período alargado de inflação acima do objetivo dos bancos centrais. Embora este não seja o nosso cenário central, não pode deixar de ser considerado, até porque as suas implicações seriam muito significativas.

Será também importante analisar o impacto de todas as medidas económicas expansionistas por parte dos EUA e da Europa, em especial com os planos Build Back Better e Next Generation EU, respetivamente. Além do apoio à recuperação económica, é natural que estes dois planos possam criar alguma pressão inflacionista, não só pela sua dimensão, mas também pelas áreas de atuação, como por exemplo a transformação para uma economia mais verde, cujo impacto inicial deverá ser um importante aumento do investimento e possível acréscimo do preço da energia.

Políticas monetárias

Um dos principais riscos para o ano que se avizinha é a possibilidade dos bancos centrais, com a intenção de controlarem a inflação, incorrerem no chamado policy mistake, criando condições financeiras demasiadamente restritivas que coloquem em causa a recuperação económica. Este é claramente um erro que vemos com maior probabilidade de ocorrência nos EUA, uma vez que na Europa não parecem estar criadas as condições para o BCE voltar a subir taxas de juro num futuro próximo.

Num volte-face relativamente à retórica até então assumida, a Reserva Federal dos EUA adotou uma postura de elevada preocupação com a evolução da inflação no passado recente. Nesse sentido, procedeu ao início do tapering em novembro, anunciando que esse processo decorreria ao longo de aproximadamente oito meses, ou seja, de forma mais célere do que anteriormente sinalizado. Passadas três semanas deste anúncio oficial, o seu presidente, Jerome Powell assumiu que o fenómeno inflacionista poderá não ser transitório como defendido até então e reconheceu a possibilidade de duplicação do ritmo de redução das compras de ativos já em dezembro, para desta forma criar condições para subir as taxas diretoras prematuramente, se necessário.

Se este discurso mais hawkish der lugar a uma postura mais agressiva do que a esperada, então o nosso cenário mais otimista para os ativos de risco poderá ser colocado em questão. Este possível policy mistake não será bem recebido pelos investidores, não só porque colocará em causa a recuperação económica, como também a margem de manobra para desapontamentos nos ativos de maior risco é quase inexistente devido a valorizações relativamente elevadas.

Mercados acionistas

O nosso cenário central para 2022 assenta numa continuação da valorização dos mercados acionistas, embora reconheçamos que os riscos são maiores e o potencial de subida é bem menos atrativo do que aconteceu este ano. Os níveis de volatilidade deverão sofrer oscilações significativas, aconselhando, assim, um posicionamento mais tático e flexível ao longo do ano.

Os resultados das empresas deverão continuar a ser o grande suporte para a evolução dos mercados acionistas, sendo pouco provável uma expansão relevante dos múltiplos, em especial caso se concretize a expectativa de subida de taxas de juro.

No que diz respeito a estilos, o ponto fulcral deverá estar quase totalmente dependente da evolução das taxas de juro. Um cenário de subida de taxas deverá levar a um outperformance de value, o que beneficiará a Europa face aos EUA devido ao seu pendor mais value e cíclico. Por outro lado, uma eventual correção dos ativos de risco e/ou manutenção do atual regime de taxas de juro baixas poderá continuar a beneficiar o cariz mais tecnológico/growth dos EUA.

As valorizações relativamente atrativas dos mercados emergentes vão ao encontro dos riscos para a classe de ativos e da reduzida exposição dos investidores a estes mercados. Não obstante, possíveis surpresas positivas em matéria de crescimento, a normalização da inflação, uma postura branda dos bancos centrais e a estabilização dos riscos relacionados com a China poderão contribuir para um desempenho superior deste segmento.

Mercados obrigacionistas

À semelhança do que aconteceu em 2021, pensamos que o próximo ano será novamente de muita volatilidade para a generalidade dos mercados obrigacionistas.

As taxas core deverão evidenciar uma tendência de subida, principalmente via taxas reais, embora o trajeto possa não ser linear. Os principais riscos que identificamos para 2022 poderão servir de travão para uma subida muito expressiva, sendo também de destacar o excesso de liquidez como fator para uma procura crescente à medida que as taxas venham a subir, limitando assim uma subida de taxas muito agressiva. Neste cenário, continuamos a privilegiar níveis reduzidos de sensibilidade a flutuações nas taxas de juro.

Ao nível da dívida governamental europeia, pensamos que Itália e Grécia têm condições para fazer outperformance face ao restante mercado, devendo continuar a contar com o suporte das compras do BCE, mesmo após o término do PEPP.

A inflação deverá convergir para níveis controlados e, por isso, a capacidade das emissões inflation linked repetirem o outperformance deste ano estará bem mais limitada.

Existe o claro risco do aumento de taxas de juro originar um alargamento de spreads, o que seria particularmente penalizador para crédito investment grade, embora a continuada procura por yield venha a limitar esse cenário. Estamos especialmente construtivos para alguns segmentos específicos tais como subordinadas e híbridas, face ao acréscimo de yield e ao reduzido risco de perdas de capital.