O valor da seleção de fundos é muitas vezes encarado à luz do valor da gestão ativa. Mas mesmo considerando um mundo imaginário em que os mercados seriam perfeitamente eficientes (que não o são), que valor aportam os selecionadores?
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OPINIÂO de Miguel Rêgo, global head of Analysis da FundsPeople.
O título parte da conclusão: o papel do selecionador de fundos é indispensável em qualquer instituição que os distribui ou recorre a fundos de terceiros para construir os seus portefólios. Não há como negar esta evidência quando os argumentos que permitem chegar a essa conclusão são vários e são robustos. São argumentos que coincidem frequentemente com os que emergem do debate em torno da batalha entre a gestão ativa e a gestão passiva. No entanto, se a ascensão dos ETF como veículo de investimento e ferramenta de gestão de carteiras poderia, em algumas mentes, por em causa a evidência do valor de um selecionador de fundos, a verdade é que tem, exatamente, o efeito oposto.
O argumento poderia ser: se os mercados fossem efetivamente eficientes e a geração de alfa fosse uma improbabilidade, o papel de um selecionador de fundos poderia ficar relegado para um nível secundário. No entanto, mesmo para os crentes de uma forma ultraforte de eficiência nos mercados — pessoas cujo mundo ideal gravitaria em torno de ETF ou fundos passivos de baixo custo e colados a benchmarks — o papel dos gatekeepers dos fundos está longe de ser irrelevante.
Imaginemos que tal mundo existe. Mesmo que a tarefa de seleção seja simplificada, perante um universo de mais de 3.0001 ETF na Europa, carteiras cujo propósito é acompanhar um benchmark, o selecionador de fundos enfrenta uma dura realidade: há muitos milhares de benchmarks no mundo e 2.335 distintos no universo Europeu de ETF. Se um ETF passivo segue um benchmark, fica evidente que o ponto de partida da seleção do ETF é a escolha do benchmark. Mesmo quando um benchmark tão tradicional como o S&P500 sem cobertura cambial é selecionado, há que decidir se falamos de price return, total return ou net total return. Algumas categorias, como a de US Equity Large Cap Value tem um benchmark distinto para cada ETF. Só entre os ETF europeus da categoria de ações de elevada capitalização norte-americanas encontramos 144 benchmarks distintos. A tarefa não se revela simples.
Número de benchmarks individuais distintos e número total de ETF europeus por categoria de ETF
Categoria | Número De ETF Europeus | Número de Benchmarks Distintos |
Asia ex-Japan Equity | 47 | 33 |
Asia Fixed Income | 13 | 12 |
Commodities Broad Basket | 30 | 22 |
Commodities Specified | 243 | 162 |
Communications Sector Equity | 16 | 15 |
Consumer Goods & Services Sector Equity | 43 | 42 |
Emerging Markets Fixed Income | 30 | 28 |
Energy Sector Equity | 38 | 37 |
Equity Miscellaneous | 66 | 61 |
Europe Equity Large Cap | 270 | 200 |
Europe Equity Mid/Small Cap | 34 | 30 |
Europe Fixed Income | 215 | 195 |
Financials Sector Equity | 30 | 27 |
Fixed Income Miscellaneous | 64 | 54 |
Global Emerging Markets Equity | 76 | 53 |
Global Equity Large Cap | 196 | 144 |
Global Equity Mid/Small Cap | 13 | 11 |
Global Fixed Income | 58 | 53 |
Greater China Equity | 44 | 33 |
Healthcare Sector Equity | 39 | 35 |
Industrials Sector Equity | 34 | 33 |
Infrastructure Sector Equity | 12 | 12 |
Japan Equity | 59 | 47 |
Miscellaneous | 235 | 142 |
Money Market Miscellaneous | 14 | 13 |
Natural Resources Sector Equity | 16 | 16 |
Options Trading | 18 | 9 |
Precious Metals Sector Equity | 12 | 12 |
Real Estate Sector Equity | 33 | 28 |
Sterling Fixed Income | 27 | 23 |
Technology Sector Equity | 109 | 107 |
Trading Tools | 455 | 300 |
UK Equity Large Cap | 27 | 18 |
US Equity Large Cap Blend | 144 | 92 |
US Equity Large Cap Growth | 20 | 13 |
US Equity Large Cap Value | 19 | 19 |
US Equity Small Cap | 12 | 9 |
US Fixed Income | 121 | 101 |
Utilities Sector Equity | 11 | 10 |
Other | 132 | 84 |
Total | 3075 | 2335 |
Como já referido, se o papel de um ETF é acompanhar o benchmark, a eficácia e eficiência com que o que o faz torna-se uma pedra angular do processo de seleção, que não o é à mesma escala no universo de fundos ativos. Tracking error e tracking difference são chavões que preocupam o selecionador de ETF. A liquidez do próprio veículo de investimento, por seu lado, ganha relevo na seleção de um ETF, quando num fundo tradicional o foco é somente na liquidez dos ativos subjacentes. Para alguns investidores, em particular para os institucionais, a liquidez do ETF pode afetar de forma relevante as estratégias de entrada e saída da posição. Uma baixa liquidez tem o desagradável efeito de aumentar o bid-ask e, consequentemente, o custo de transação, um desafio que o fundo tradicional não enfrenta.
O tipo de réplica, com o risco de contraparte ou de uma desadequada réplica por amostragem são desafios adicionais e, olhando para a mais recente tendência do mercado, os ETF ativos, ainda mais se esbatem as fronteiras da seleção e mais complexidade se acrescenta ao processo.
Entrando em terreno comum com os fundos tradicionais — mutual funds —, a fiscalidade é um fator de complexidade na análise e tem as suas particularidades em função do domicílio do próprio veículo e da estrutura de réplica. A eficiência fiscal é mais uma pedra no sapato do selecionador. Em Espanha, em particular, os fundos tradicionais têm uma vantagem fiscal para investidores particulares, que os ETF não têm. Mais um desafio: o que é a melhor solução para um cliente individual, pode não o ser para os institucionais, como o podem ser o fundo de pensões da própria instituição em que trabalha.
Sejam fundos ativos ou passivos, tradicionais ou ETF, os fatores não quantitativos são importantes para contornar as pedras que o investidor pode encontrar no caminho. A idoneidade e qualidades profissionais das pessoas que gerem o fundo, a robustez do processo a granularidade da filosofia de investimento, a qualidade do serviço prestado pela entidade gestora ao nível da transparência e informação, o peso que o investidor terá na atividade da entidade gestora… São tudo fatores nos quais um olhar experiente na seleção de fundos facilmente identificará arestas a serem limadas.
Os mercados não são perfeitamente eficientes
Evidentemente, o anterior pressuposto de que vivemos num mundo de eficiência ultraforte de mercado não é realista. Na realidade, sabemos que os mercados estão muito longe de incorporar de forma eficiente toda a informação a cada momento e que o trabalho dos gestores de ativos pode adicionar, e efetivamente adiciona, alfa. Aqui, poder-se-á argumentar que muito poucos adicionam alfa, pelo que mais vale não gastar energias a selecionar um fundo ativo, quando 90% destes não superam o benchmark? Entramos então numa discussão que coincide com a eterna batalha que confronta a gestão ativa e passiva.
E se estes números avassaladores, citados do relatório SPIVA que a S&P Dow Jones Índices publica anualmente, são baseados em premissas simplistas (que discutirei mais adiante), é fácil de contra-argumentar de uma forma simplista: se apenas 10% dos fundos ativos supera o benchmark, isso significa que “apenas” 3.0001 fundos dos mais de 30.0001 fundos ativos europeus adicionam valor. 3.000 fundos europeus que superam o benchmark são muitos fundos e um “apenas” que configura o vasto universo de trabalho dos profissionais de seleção.
Mas a verdade é que mesmo 10% é um número redutor e diverge muito entre as diversas categorias de fundos. É nos mercados de ações que o trabalho se revela mais desafiante. Com base no mais recente SPIVA Global Scorecard, 12,2% dos fundos de ações globais superavam o benchmark a 10 anos. Enquanto que em ações norte-americanas esta percentagem era de 15,29%, no caso dos fundos norte-americanos, nos fundos europeus da mesma categoria era de apenas de 3,34%. Não obstante, olhando para amostra considerada no estudo, falamos de 118 e 15 fundos outperformers.
Taxas de underperformance de acordo com o SPIVA Global Scorecard Mid Year 2024 - principais categorias europeias e norte-americanas
Região | Categoria (SPIVA) | 3 anos (%) | 5 anos (%) | 10 anos (%) | # de fundos na amostra na categoria | # de fundos na amostra outperformers a 10 anos | |
Ações Globais | EUA | Global Funds (USD) | 92,17 | 86,42 | 87,8 | 253 | 31 |
Ações EUA | EUA | All Large-Cap U.S. | 86,08 | 77,26 | 84,71 | 773 | 118 |
Europa | U.S. Equity (EUR) | 96,19 | 93,31 | 96,58 | 428 | 15 | |
Rendimento Fixo em USD | EUA | General Government Funds | 88,57 | 91,43 | 100 | 40 | 0 |
EUA | IG Short & Intermediate Funds | 23,75 | 31,65 | 57,24 | 167 | 71 | |
EUA | General Investment-Grade Funds | 36,26 | 60,67 | 85,86 | 82 | 12 | |
EUA | High Yield Funds | 64,02 | 51,81 | 76,92 | 172 | 40 | |
Europa | Corporate Bond (USD) | 61,67 | 67,21 | 78,38 | 60 | 13 | |
Europa | High Yield Bond (USD) | 61,36 | 63,53 | 84,38 | 87 | 14 | |
Rendimento Fixo em Euros | Europa | Corporate Bond(EUR) | 47,13 | 53,82 | 81,74 | 349 | 64 |
Europa | Government Bond(EUR) | 43,45 | 60,59 | 90,00 | 164 | 16 | |
Europa | High Yield Bond(EUR) | 38,67 | 72,09 | 73,97 | 182 | 47 |
E como nem só de ações vive o mercado, pelo contrário, as taxas de outperformance superam os 23% em fundos de high yield norte-americano a 10 anos e os 18% em obrigações corporativas em euros no mesmo período. A cinco anos, estas percentagens superam os 48% e 39%, respetivamente. Ou seja, é certo que a gestão ativa não é a panaceia, mas também que estes números não são desculpa para não buscar o alfa. Cabe a um profissional especializado — o selecionador de fundos — saber se em cada compartimento de seleção o cliente ou o gestor fica melhor servido com um fundo de gestão ativa ou passiva.
Aplicando as taxas de outperformance a 10 anos derivadas das tabelas anteriores ao universo europeu de fundos tradicionais, encontramos 417 potenciais outperformers em ações globais e 90, em ações dos Estados Unidos. Em obrigações europeias são 566 os fundos que potencialmente superam o benchmark a 10 anos. Estes números mostram bem como há muito alfa para se descobrir no mercado, e saem ainda mais reforçados se considerarmos que são números que dizem respeito apenas ao segmento líquido do mercado. A grande e crescente oferta no universo dos ativos privados configura toda uma paleta mais para o trabalho dos selecionadores de fundos.
Taxas médias ponderadas de outperformance do SPIVA Global Scorecard aplicadas ao universo europeu de fundos
Média ponderada das taxas de outperformance a 10 anos de acordo com o relatório SPIVA | Número de fundos na categoria na Europa | # de potenciais outperformers | |
Ações Globais | 12,20% | 3 419 | 417 |
Ações EUA | 11,06% | 815 | 90 |
Rendimento Fixo em USD | 24,55% | 334 | 82 |
Rendimento Fixo em Euros | 18,35% | 3 084 | 566 |
Mastigados os números, mastigam-se agora os métodos destes estudos tão citados contra a gestão ativa. Sistematizando:
- Estes estudos apenas consideram retorno, pelo que ignoram o risco. A maximização de retorno de uma carteira não é o objetivo último de todos os fundos. A gestão do risco pode ser penalizadora nestas estatísticas, mas proteger o investidor de cisnes negros que podem impactar as carteiras durante décadas. Pode também ir ao encontro dos vieses comportamentais do investidor e permitir que durma bem à noite.
- As estatísticas não consideram os objetivos particulares de cada investidor (distribuição de rendimentos, por exemplo) nem a fiscalidade.
- Não consideram a investibilidade (ou falta dela) de determinados índices de obrigações ou de outros ativos de menor liquidez, ou difícil acesso.
- É considerada uma única classe por fundo com o critério de ser a que detém um maior volume de ativos. Isto faz com que sejam comparados fundos cuja classe com mais ativos é a de maior custo, com outros em que o oposto é verdade.
- E, finalmente, num mundo tão rico em benchmarks, consideram um único benchmark para cada categoria (e são poucas, as categorias) de fundos.
Os milhares de fundos europeus de obrigações corporativas europeias são todos medidos pela mesma escala. É redutor e cabe ao profissional da seleção de fundos olhar para a oferta com a granularidade que ela merece.
Aquele que foi o grande colega e amigo de Warren Buffett no seu percurso à frente da Berkshire Hathaway, Charlie Munger, dizia que os gestores de investimentos não eram mais que “fortune tellers or astrologers who are dragging money out of their clients’ accounts”. Mesmo ele saberia, certamente, que estava a generalizar, considerando que ele e o seu parceiro são conhecidos por ser dos melhores gestores ativos da história. De forma paradoxal, o próprio Warren Buffett diz que a herança da sua esposa será investida 10% em treasuries de curto prazo e 90% num fundo indexado de muito baixo custo. É uma pessoa muito ocupada e certamente que lhe custa delegar em alguém a seleção de um fundo das centenas ou milhares de fundos que superam o S&P500 a longo prazo. Mas, mesmo assim, alguém terá que decidir: que fundo indexado vou colocar na carteira da esposa de Warren Buffett? Cabe a um selecionador de fundos fazer esse trabalho.
1 Morningstar Direct, a 5 de novembro de 2024
2 SPIVA Global Scorecard Mid Year 2024