A equipa da Sixty Degrees, nas suas perspetivas para o segundo semestre, aborda temas como a crescente tensão geopolítica, a subida da inflação, e ainda as matérias-primas.
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TRIBUNA escrita pela equipa da Sixty Degrees.
A evolução da pandemia, os esforços para a sua contenção e os programas de vacinação têm estado no centro das preocupações a nível mundial. Os países do hemisfério Norte, à exceção da China, enfrentaram um final de 2020 / início de 2021 com elevada pressão nos respetivos sistemas de saúde, com confinamentos e atrasos no rollout da vacinação, cujo impacto económico continuou a ser muito negativo, especialmente na Europa, no decorrer do primeiro trimestre.
A atividade económica registou comportamentos diferenciados entre setores de atividade e entre geografias, levando a que os apoios e subsídios estatais a empresas e cidadãos se mantivessem em vigor, na generalidade dos países, acrescentando ainda maior pressão sobre as contas públicas.
Desde o início do ano, uma nova preocupação tem competido com a pandemia pela atenção dos investidores: a subida da inflação. Desde março de 2020 que as matérias-primas têm visto os seus preços subir de forma consistente (petróleo WTI 250%, cobre 84%, madeira 222%, até 18/6) o que se tem traduzido em algumas pressões inflacionistas em segmentos específicos, como o preço das rendas, dos automóveis em 2.ª mão, da energia ou da alimentação.
Neste enquadramento, surge uma terceira preocupação, quanto a nós ainda pouco incorporada no comportamento dos mercados: a crescente tensão geopolítica. A China está cada vez mais pressionante, quer no desenvolvimento de tecnologia militar, quer na obtenção de posições de força que lhe permitam ter acesso a recursos. Desempenha assim um papel cada vez mais central na região da Ásia-Pacífico, pressionando Taiwan, a Índia, o Japão ou mesmo a Austrália, fazendo uso do seu poderio económico para moldar a opinião emitida pela Europa sobre a própria China e confrontando-se cada vez mais com os Estados Unidos a nível diplomático e comercial.
Cenário Central
Para o segundo semestre de 2021, o cenário central desenvolve-se com base no pressuposto de um aumento de volatilidade nas três variáveis chaves atrás identificadas.
No que respeita à pandemia, importa salientar a possibilidade de surgimento de novas variantes, que não são efetivamente combatidas em função dos níveis de imunidade alcançados nas principais economias. A este propósito, começam a surgir sinais de cansaço causados pela manutenção de medidas de confinamento e pela lentidão com que, dado o nível de vacinação, as populações poderão regressar à sua rotina normal.
Relativamente à inflação, após uma subida acentuada e praticamente contínua dos preços da maioria das matérias-primas e de muito bens, onde os produtores têm conseguido passar o respetivo aumento para os consumidores, é expectável que o discurso menos expansionista da Reserva Federal norte-americana, durante a segunda metade do ano, se venha a acentuar e que dessa forma altere a perceção dos investidores no sentido da maior probabilidade de início do ciclo de subida de taxas (tightening). A evolução do preço do petróleo, bem como um movimento adicional de subida das taxas de juro de mercado, serão bons barómetros para perceber o sucesso do discurso de contenção.
Coloca-se a questão se esta subida da inflação poderá ser temporária ou assumir um caráter mais permanente. As razões explicativas do aumento de preços têm sido variadas, mas destaca-se a inflação do lado do produtor, numa situação que envolve preços das matérias-primas e energia em alta, estrangulamentos nas cadeias de valor globais e disrupções na logística, a par de uma recuperação da procura.
Até agora os bancos centrais, incluindo a Fed e o BCE, têm encarado a subida da inflação como temporária, mas existem riscos claros quanto à permanência desta postura no futuro. De facto, na última reunião da Fed foram já evidentes as alterações introduzidas, que deram início ao debate sobre a eventual redução do ritmo do programa de compras de ativos. No limite, os bancos centrais encontram-se numa posição difícil, receando que um aperto da sua política monetária possa vir a causar disrupção, tendo em conta a recuperação ainda algo vulnerável, da procura agregada. Esta situação é particularmente relevante no caso do BCE, dado que o output da Zona Euro ainda se encontra abaixo dos níveis pré-pandemia e os estados-membros ainda necessitam de yields baixas em função do seu elevado nível de endividamento.
Nesta fase, parece-nos que é necessário manter uma postura flexível e admitir a possibilidade da inflação nos próximos anos poder de facto vir a situar-se num patamar superior ao das últimas décadas, nomeadamente pós-2008.
No campo geopolítico, as manobras desenvolvem-se mais lentamente, mas além da fricção já identificada e centrada no papel da China enquanto superpotência, são ainda de assinalar (i) a maior cooperação entre a Alemanha e a Rússia para a conclusão do gasoduto Nordstream 2, em especial após a decisão dos Estados Unidos em deixar cair as sanções à construção do mesmo, colocando a Ucrânia numa posição ainda mais frágil, e; (ii) a escalada de violência no Médio Oriente, com a recente invasão de Gaza por Israel e o ataque encoberto a várias infraestruturas e instalações militares no Irão, onde nos últimos meses explodiram desde fábricas de material militar até ao maior navio militar.
Em termos de asset allocation, mantemos a preferência pelo investimento em ações e matérias-primas vs. obrigações. Tendo em conta o aumento esperado da volatilidade, preferimos a postura de correr para a saída ao menor alarme e de voltar ao mercado caso a correção não se manifeste.
Nesta fase, as ações mantêm o seu potencial de subida, em função da passagem da subida de preços dos inputs aos consumidores, o que permite a continuação de margens saudáveis, e de continuarem a servir de refúgio face às yields negativas que se verificam numa larga parte do mercado de rendimento fixo.
Em termos geográficos, continuamos a preferir o dinamismo das economias norte-americana e asiáticas que têm beneficiado com a retoma mais rápida da atividade económica, do respetivo consumo privado e da subida de preços das matérias-primas, associada à eletrificação da economia com vista a um menor impacto ambiental. Já na Europa, continua pendente o impacto que advirá do final das moratórias de crédito, previsto para setembro de 2021, bem como da concretização do plano de revitalização que ainda mal saiu do papel.
Relativamente às matérias-primas, mantemos a nossa leitura quanto à existência de problemas estruturais na produção e nas cadeias de logística, que podem ser confirmados pela escassez de investimento em novos projetos, apesar dos preços das matérias-primas estarem em franca recuperação e pela falta de elasticidade das cadeias de logística, especialmente no transporte marítimo que demora a responder à procura e onde o número de ordens de novos contentores estabeleceu um novo recorde recentemente. A rápida recuperação da economia chinesa aliada ao efeito dos estímulos monetários e fiscais na aceleração económica nos EUA, provocaram um impulso muito positivo na procura global de commodities. Num contexto de maiores níveis de inflação, como já mencionado acima, a alocação a commodities poderá revelar-se uma boa opção para proteger e potenciar a rentabilidade das carteiras.