Sixty Degrees: “As matérias-primas e os ativos alternativos são também classes de ativos onde reconhecemos potencial para retornos positivos em 2022”

António Marques Dias, Catarina Quaresma, António Mello Vieira, Filipe Barreto, Virgilio Garcia, CFA, Nuno Sousa Pereira, Sixty Degrees.
António Marques Dias, Catarina Quaresma, António Mello Vieira, Filipe Barreto, Virgilio Garcia, CFA, Nuno Sousa Pereira, Sixty Degrees. Créditos: Vitor Duarte

TRIBUNA escrita pela equipa da Sixty Degrees.

As perspetivas económicas para 2022, deverão manter-se muito condicionadas pela evolução da própria pandemia. O surgimento de novos surtos de infeção, obrigando à introdução de algum grau de restrições, poderá continuar a prejudicar de alguma forma a recuperação económica. O prolongamento da crise de saúde pública deverá adiar a resolução dos desequilíbrios entre oferta e procura, despoletados pela pandemia, com implicações negativas sobre a evolução futura da atividade a nível global.

Em 2022, é expectável que a imunidade global aumente em resultado do avanço dos programas de vacinação e da própria contração da doença. A prazo, a COVID-19 deverá tornar-se endémico e sazonal, à semelhança da gripe e de outros coronavírus existentes. No entanto, em função do forte envolvimento político numa questão puramente sanitária, o caminho a percorrer até se atingir a fase endémica adivinha-se longo. Pela positiva, espera-se uma contínua melhoria no avanço científico, quer ao nível das vacinas, quer dos tratamentos disponíveis, sendo expectável o surgimento de novas soluções terapêuticas ao longo do tempo.

Tensão geopolítica

Ao longo do último ano, as tensões geopolíticas entre as maiores potências mundiais têm vindo a tornar-se mais notórias. A principal situação, que tem captado a maioria das atenções internacionais, prende-se com a tensão entre os EUA e a China, nomeadamente com o extremar das demonstrações militares e a retórica territorial em torno de Taiwan. No capítulo económico, apesar da Guerra Comercial, iniciada pelo presidente Trump, estar oficialmente em pausa, o gabinete do presidente Biden tem mantido os protestos devido à subsidiação de setores como o aço, as células fotovoltaicas e os semicondutores. A segunda questão geopolítica com relevância a nível mundial, é a presumível escalada de forças russas junto à fronteira Ucraniana. Para reduzir a probabilidade deste conflito, a Rússia tem procurado um compromisso firme dos EUA em que a NATO não se estenderá para Este e que a Ucrânia não se juntará ao Tratado do Atlântico Norte, deixando o território ucraniano com um estatuto que não permita o posicionamento de armamento de longo alcance capaz de ameaçar o território russo.

Inflação

Tendo assistido, ao longo da última década, à implementação de políticas monetárias expansionistas por parte dos bancos centrais das principais economias desenvolvidas – EUA (exceção durante o período de 2016 a 2019), Zona Euro e Reino Unido – eis que o fenómeno do aumento não transitório da taxa de inflação volta a ressurgir, numa altura aparentemente improvável por ter sido antecedida por um período de forte contração económica, resultado dos efeitos provocados pelas medidas de contenção da pandemia de COVID-19. A título de exemplo, as principais variações no Índice de Preços no Consumidor (YOY em outubro 2021) foram: EUA - 6,2%, Zona Euro - 4,1%, Reino Unido - 4,2%.

No entanto, é nossa convicção que o recente aumento da taxa de inflação não tem como principal causa as políticas monetárias expansionistas, levadas a cabo pelos diversos bancos centrais desde o final da primeira década do século XXI. Deve-se sim a uma mistura entre a alteração dos fluxos de capitais internacionais (inflação dos ativos) e a escassez generalizada de produtos (inflação pela procura), resultante dos bloqueios, provocados pela medidas de combate à COVID-19, que interromperam a cadeia de produção e de logística, especialmente por causa da gestão denominada Just-In-Time onde as empresas reduzem os seus stocks ao mínimo indispensável. Por outro lado, a permanência dos programas de compras de ativos, maioritariamente de títulos de dívida pública, pelos bancos centrais das principais economias, acabou por trazer as taxas de juro das obrigações para níveis perto de 0%, eliminando assim o papel de equilíbrio desta categoria e levando os investidores a preferir o investimento noutras classes de ativos onde se têm destacado as ações e o setor imobiliário (inflação dos ativos).

Para 2022, apesar do aumento significativo da taxa de vacinação nos países desenvolvidos quando comparada com o final de 2020, verifica-se que o surgimento de novas variantes, como é o caso da Ómicron. Cenário que poderá continuar a ser enfrentado com mais restrições ao bom funcionamento das economias o que deverá agravar os referidos bloqueios nas cadeias de produção, de logística e de consumo. É neste cenário que o nível geral de preços ainda deverá permanecer elevado no próximo ano, perdendo a sua classificação de transitório para assumir uma figura mais permanente.

Crise alimentar

Uma das causas para o aumento do nível geral de preços, ao longo do último ano, tem estado ligado ao incremento do custo dos bens alimentares. O Índice de Preços dos Alimentos da FAO (Food and Agriculture Organization das Nações Unidas) aumentou 27,3% em relação a novembro de 2020, colocando-o no nível mais alto desde junho de 2011, em termos nominais, e desde 1975 em termos reais. Em termos anuais, entre novembro 2020 e novembro 2021, assistimos a aumentos de 23,3% no preço dos cereais, 51,4% nos óleos vegetais, 19,1% nos produtos lácteos, 17,7% nos preços da carne e 37,9% no açúcar.

Vários fatores têm contribuído para aquela que começa já a ser chamada de crise alimentar, com a redução do abastecimento de bens alimentares, a saber:

  1. As medidas de confinamento e as restrições à livre circulação de pessoas afetaram tanto a logística de abastecimento agroalimentar como a contratação de trabalhadores temporários durante a época das colheitas;
  2. As medidas de combate às alterações climáticas têm insistido na redução da utilização de adubos e fertilizantes químicos que permitem um crescimento mais rápido das plantações;
  3. O preço do etanol e de outras matérias orgânicas de origem vegetal – biomassa – tem aumentado com a crescente procura por energias renováveis.

O despertar das Central Banks Digital Currencies (CBDC’s)

As criptomoedas privadas têm vindo a ser alvo de maior escrutínio por parte dos governos em virtude da sua capacidade para facilitar a fuga de capitais. Contudo, os bancos centrais (BC’s) querem lançar as suas criptomoedas (CBDC’s) não só com o objetivo de reduzir o branqueamento de capitais e a dimensão da economia paralela, mas também para aumentarem a eficiência dos governos na cobrança de impostos. Segundo o BCE e a Fed, as suas criptomoedas deverão ser acessíveis, robustas, seguras e eficientes, mas, ao mesmo tempo, deverão permitir que os BC’s aceitem depósitos diretamente de entidades não bancárias, contornando assim o atual sistema bancário. Neste sentido, ficam dúvidas sobre as necessidades futuras de emissão de dívida governamental e sobre a possibilidade de voltarmos a ver novos bailouts na banca. Por outro lado, as CBDC’s continuarão a ser moeda fiat, criadas por BC’s sem qualquer ativo a servir de garantia, sendo muito difícil de identificar quais os problemas económicos específicos que as criptomoedas permitem atualmente resolver, para além da capacidade de cobrança de impostos e de imposição de taxas de juro negativas sobre os depósitos.

Conflitos sociais

Segundo o Carnegie Global Index, o número de protestos antigovernamentais relevantes atingiu o seu valor mais elevado em 2021, tendo-se registado mais de 238 protestos dispersos por mais de 100 países à volta do planeta. Destes, mais de 25 foram diretamente relacionados com a pandemia de COVID-19, em particular com as consequências da resposta política ao problema sanitário e a imposição de confinamentos. Estas medidas políticas têm levado ao incremento da contestação social em função da (i) má gestão governamental da crise, (ii) obrigatoriedade do uso de máscara e uso de certificados de vacinação, (iii) perceção de que os líderes políticos têm vindo a usar as restrições para esmagar as vozes dissidentes e (iv) destruição do regular funcionamento das economias. Por outro lado, a vacinação não trouxe a desejada acalmia, já que muitos governos continuam a implementar medidas draconianas sempre que um surto ou uma nova variante do vírus aparece no horizonte.

Ativos financeiros

O enquadramento atrás apresentado parece apontar para um cenário de estagflação (inflação superior ao crescimento), com desafios muito acutilantes em função da crescente pressão que colocam sobre os maiores agentes de mercado, os bancos centrais, para que haja mudança nas suas políticas. Ao longo dos próximos meses/anos, será interessante acompanhar se teremos capacidade para passar de um regime de apoio institucional à economia e aos mercados financeiros, onde até agora se privilegiou a compra massiva de dívida a taxas baixas ou negativas, para um ambiente de maior contenção e refreio financeiro. O intuito seria de recuperar os indicadores económicos-chave para fazer a crises futuras, com especial destaque para o peso da dívida sobre o PIB, o sobre-endividamento das famílias e empresas, o desejado aumento do rendimento disponível das famílias e forte investimento produtivo do lado das empresas.

As ações continuam a ser o ativo financeiro preferido em termos de retorno, apesar de termos uma abordagem flexível na sua gestão em função das potenciais mudanças no regime de mercado. Com a alteração rápida de contexto, entre restrições à mobilidade, quebras de logística, possível aumento das taxas de juro e retirada dos estímulos financeiros às economias, algumas empresas poderão ter dificuldade em manter a previsibilidade dos seus resultados. Consequentemente, será natural o aumento da volatilidade dos mesmos, o que associado à menor liquidez disponível, poderá dar origem a movimentos bruscos nos mercados financeiros. Após o rally dos mercados acionistas, desde março de 2020, é expectável que os fatores atrás mencionados possam culminar num aumento da volatilidade, realçando a importância que deveremos dar às várias vertentes da gestão dos riscos.

Nesse sentido, existem setores que deverão manter o crescimento, ainda que de forma não linear, com destaque para os setores tecnológicos, as soluções energéticas, a digitalização de serviços com enfoque na presença no metaverso, a educação à medida, a exploração espacial e os IoT (Internet of Things). Assim, será normal que os países cujo tecido empresarial esteja mais exposto a estes setores vejam o seu mercado acionista sair beneficiar face aos demais. Neste caso, destacamos os Estados Unidos mas também a China que, apesar dos constrangimentos legislativos, está a criar regras para um mercado mais forte e menos dependente de setores como o imobiliário.

As matérias-primas e os ativos alternativos são também classes de ativos onde a Sixty Degrees reconhece potencial para retornos positivos em 2022, mas com um grau de risco mais elevado do que as ações, em função das dinâmicas da sua procura/oferta e da volatilidade do seu preço nos mercados mundiais. As matérias-primas deverão beneficiar da subida generalizada da inflação, do efeito percecionado da sua maior escassez e do aumento do apetite dos investidores por ativos físicos/privados. Neste ambiente, também o imobiliário, arte, coleções, vinho e todo o género de ativos reais podem vir a ter um desempenho favorável, por serem bens únicos, finitos ou de difícil substituição, o que fará com que a subida de preços devido à inflação se traduza na subida de preços destes ativos a longo prazo.

Já o segmento das obrigações e os produtos de mercado monetários são classes que deverão ter um desempenho negativo em 2022. Atualmente, com taxas de remuneração muito baixas (ou negativas nalguns casos) e num cenário, já em materialização, de subida de inflação, estes serão os ativos cujos retornos reais serão, com uma elevada probabilidade, negativos. O risco de crédito não deverá ser negligente, especialmente em emitentes tidos como muito seguros, mas com níveis de dívida elevados,  que poderão sofrer grandes choques resultantes de externalidades negativas, como a subida das taxas de juro.

Com o advento do blockchain e a demonstração das suas valências, foi criada uma nova classe de ativos digitais que inclui não só as moedas criptomoedas mas também os NFT’s. Estes são ativos únicos na medida que a sua disponibilidade foi inscrita no blockchain aquando da sua criação, e, até ao momento, continuam a ser muito procurados. É difícil perceber se estes ativos vão manter a sua atratividade, se serão estes ou alguma outra versão e se poderão passar o teste do tempo, por isso, a Sixty Degrees mantém-se em avaliação do seu potencial e, para já, não irá fazer qualquer investimento direto.