Este é um olhar psicológico de Jorge Silveira Botelho, CIO BBVA AM Portugal, sobre o real impacto de uma má gestão de expectativas, onde muitas vezes o sentimento sobrepõe-se à realidade económica, condicionado-a de um modo evidente, mas não necessariamente irreversível.
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TRIBUNA de Jorge Silveira Botelho, CIO da BBVA AM Portugal.
O mundo já experimentou uma Grande Depressão, muitos de nós neste século vivemos intensamente a Grande Recessão, mas neste pós pandemia o que emergiu em termos económicos e sociais, foi acima de tudo uma Grande Frustração.
As famílias depois de terem estado privadas de uma vida normal nestes últimos anos, esperavam que ano de 2022 lhes proporcionasse simplesmente a possibilidade de voltarem a priorizar as suas opções e recuperar o tempo perdido. Mas mais do que isso, existia no ar um enorme orgulho de uma superação coletiva da humanidade, que abria o espaço para um dos maiores saltos civilizacionais da sua história, assente num quadro de uma maior sustentabilidade e de um brutal choque tecnológico, fatores que também iriam dinamizar atividade económica e induzir uma verdadeira transformação dos modelos económicos vigentes.
Foi com esse sentimento de um choque civilizacional e de regresso à normalidade que as famílias entraram em 2022, com a expetativa que todos os constrangimentos económicos e sociais que tinham emergido com a pandemia, gradualmente se iriam dissipando.
Mas infelizmente, depressa estas começaram a perceber que nem tudo se iria passar como era suposto. A persistência de maiores ruturas nas cadeias de abastecimento, os dissabores de uma guerra inusitada e a abrupta inversão de política monetária, transformaram um cenário idílico num cenário terrífico, onde os preços dos bens alimentares, os preços da energia e os custos dos empréstimos, asfixiavam prematuramente a formulação de quaisquer desejos. Por outro lado, os Bancos Centrais perderem-se num bipolarismo extremado, que oscilou entre uma altiva displicência e o excesso de zelo, contribuindo decididamente para alimentar ainda mais esta Grande Frustração. Depois, somaram-se os media, as conversas de café, os problemas nos aeroportos, e outros tantos pretextos regionais para se afogarem as mágoas. Isso explica porque se instalou o sentimento crónico de uma recessão, uma espécie de um pretexto cómodo que permitia sanar toda esta uma enorme frustração…
Todavia, é importante reter que tudo isto sucede, num contexto de mercado de emprego dinâmico, e depois de se acumularem importantes poupanças durante a pandemia, tendo as famílias também usufruído de uma forte subida dos preços das habitações próprias, o que se traduziu por um acréscimo significativo do seu património líquido. E de facto, até parece que tudo se desvaneceu, como se não houvesse uma memória coletiva de que tínhamos superado uma pandemia, nem tão pouco a noção que tínhamos estruturalmente por diante uma das épocas mais desafiantes de atividade económica, onde o salto tecnológico enraizado na sustentabilidade e na longevidade da raça humana produziu uma alteração irreversível na estrutura de preferências dos consumidores.
Felizmente que, a descida a pique dos índices de confiança do consumidor ainda não se traduziu numa forte desaceleração da atividade endógena da economia, nem tão pouco numa reversão das dinâmicas do mercado de trabalho. Mas muitos dos estragos podem-se tornar crónicos se não imperar o bom senso. Um dos fatores críticos para esta segunda metade do ano prende-se com o ritmo de desaceleração da inflação conjugado com a assertividade da comunicação dos Bancos Centrais.
Em bom rigor, alguns dos sinais que inflamaram esta Grande Frustração parecem começar a dissipar-se, fruto do desanuviamento visível das cadeias de produção e do recente ajustamento dos preços das matérias-primas, esvaziando em parte a argumentação estrutural de uma recessão. É certo que a guerra continua a ser um fator de risco acrescido nos mercados de energia, com especial incidência no preço do gás natural na Europa, mas na realidade já assistimos a forte ajustamento de commodities agrícolas e de metais industriais desde os seus máximos deste ano. Aos preços de sexta-feira, o preço de fecho dos contratos do trigo já caía cerca de 27%, encontrando-se pouca acima dos preços que estavam antes do início da guerra, (fonte: Bloomberg). O algodão caiu muito recentemente, acumulando perdas de mais de 35% desde os seus máximos. Em termos de metais industriais, o níquel, o minério de ferro, o alumínio, o zinco e o cobre, já caíram 60%, 54%, 40%, 31% e 30% desde os máximos, respetivamente (fonte: Bloomberg).
Para muitos, pode ainda não parecer intuitivo, mas se imperar um pouco de bom senso existem todas as condições para que The Great Frustration se extinga em si mesmo, sem trazer um grande mal ao mundo. Este é um período das nossas vidas onde provavelmente a constatação de não termos recuperado o tempo perdido, vai ficar classificado nos anuários da história como apenas isso, uma fase de uma Grande Frustração.