Um erro não forçado!

Jorge_Silveira_Botelho
Vito Duarte

Por definição, um erro não forçado num jogo de ténis ocorre quando um jogador comete um erro que não foi induzido pela resposta a uma bola difícil jogada pelo adversário. O que está na base deste erro é que este foi auto infligido.

Existe uma certa corrente económica que enaltece a aplicação abusiva de taxas de juro negativas, defendendo que os efeitos secundários desta medicação cingem-se à limitação de alguns bancos gerarem resultados. Fica assim no ar, uma sensação que o uso prolongado de taxas de juro negativas não é susceptível de provocar grandes danos, à parte de um “castigo” bem merecido aos bancos.

Mas não deixa ser estranho e contraditória que esta postura seja adoptada pelo Banco Central Europeu (BCE), quando este é o primeiro a reconhecer que ainda não está ciente dos riscos que estão implícitos nesta teoria. Não é normal que uma entidade como o BCE, reconhecido pela qualidade dos seus processos e por estar rodeado pela mais fina flor da inteligenzia económica europeia, ao fim de cinco anos de taxas de juro negativas, não consiga destrinçar os diferentes riscos e os impactos económicos e financeiros que estão associados a esta política, sabendo de antemão que um fenómeno temporário de taxas de juro negativas tem um enquadramento completamente distinto, de um fenómeno permanente.

Neste contexto, a atual discussão sobre taxas de juro negativas no seio do BCE assemelha-se cada vez mais a um erro não forçado, com a acrescida gravidade do jogador não querer assumir a responsabilidade do mesmo. O BCE, em vez de querer resolver este problema de forma pragmática e imediata, teoriza sobre o tema de forma hermética, centrando-o exclusivamente na questão dos lucros de alguns bancos, mitigando a dimensão dos riscos de transmissão da sua política. Num recente estudo publicado pelo Deutsche Bank sobre este assunto, constata-se que os bancos na zona euro são responsáveis por 75% do crédito às empresas e cerca de 90% do crédito às famílias, o que contrasta com os EUA, onde o peso é cerca de metade e um terço, respetivamente.

Subestimar por isso o papel dos bancos na transmissão da política monetária à economia real na zona euro é despropositado. Mas também é insensato, ignorar por completo as distorções e o impacto nas expectativas e no comportamento dos agentes económicos do fenómeno prolongado de taxas de juro negativas:

- Como se explica a ausência de qualquer valor no risco soberano europeu de longo prazo, quer no mercado core, quer no mercado periférico, quando por exemplo as taxas de juro a cinco anos em Portugal proporcionam uma rentabilidade nominal de 0,08%?

- Como se justifica a tomada de risco desenfreado no mercado imobiliário em todas as geografias da zona euro, de todo o tipo de perfil de investidores, ávidos de retorno e fascinados por uma rentabilidade implícita virtual e pretensamente sem risco?

- Como se compatibiliza o aumento da esperança de vida e o envelhecimento da população na Europa, com uma curva de rendimentos que oferece retornos reais negativos a curto, a médio e a longo prazo?

Responder a estas questões e julgar que tudo se resolve com a eventual adopção de um complexo esquema de estratificação da taxa de juro de depósito, para mitigar o efeito perverso das taxas de juro negativas nos resultados dos bancos, é no mínimo uma análise leviana. O problema de taxas de juro negativas prolongadas não se resume aos resultados dos bancos, mas sim, está presente em diferentes dimensões na economia e no estrangulamento dos mecanismos de transmissão da política monetária à economia real.

Hoje são reais os riscos de uma política prolongada de taxas de juro negativas, desde a criação de bolhas especulativas, à deterioração das expectativas dos agentes económicos sobre evolução do ciclo económico, tanto mais que a materialização da incapacidade de se gerar poupança para o investimento e para o consumo futuro, em última análise reduz o PIB potencial de uma economia. Parece por isso intuitivo, que se este erro não forçado não for corrigido em tempo útil, corremos o risco perverso de tropeçar numa inevitável espiral deflacionista.