Os 3% são, provavelmente, os novos 2%

James Ashley
Créditos: Cedida

“Estruturalmente não vamos voltar ao mundo onde estávamos em 2017 ou 2018. Ocorreram mudanças muito profundas em dimensões muito distintas”, alertou James Ashley o responsável Soluções de Estratégia de Advisory Internacional na Goldman Sachs Asset Management numa recente visita a Portugal. A inflação, um tema que andou apagado durante uma década, volta a ganhar cor e volume e a preencher as preocupações dos economistas. E segundo o especialista, é algo que não se vai esbater tão depressa. “Ao longo dos últimos 20 anos, o mundo foi sendo construído sobre três pilares: energia barata, trabalho barato e liberdade de movimento de produtos e serviços através das fronteiras e sem grande fricção”, diz. Três pilares que, segundo diz, já não se aguentam com a mesma firmeza.

Comecemos pela energia. “A história da energia atualmente está muito interligada com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. É um evento geopolítico que se pode resolver por si próprio, mas mesmo que se resolva, enfrentamos um problema maior: a descarbonização da economia”, alerta. Para o profissional, o movimento das economias e das empresas no sentido do net zero e toda a dinâmica que será necessária para que se possa fazer essa transição, vai requerer “mudanças muito profundas que vão ser, quase certamente, inflacionárias”. “Estamos habituados a energia barata, mas seja pela geopolítica, seja pelo combate às mudanças climáticas, não a vamos ter mais”, atesta.

Por outro lado, como destaca James Ashley, ficámos também habituados ao longo das últimas décadas a um mundo em que o outsourcing da produção na China era barato. Isto ao mesmo tempo que a circulação de bens e serviços se tornava cada vez mais facilitada e barata também. “Produzir na China e transportar para a Europa, Estados Unidos ou América do Sul era algo que fazia sentido em termos económicos”, diz o especialista.

Do cíclico ao estrutural

Contudo, vemo-nos agora numa situação em que a China se tornou menos atrativa. “Em termos cíclicos, por um lado, por causa das políticas de Covid zero, a incerteza regulatória e a incerteza política, mas estruturalmente também”, aponta. “Desde há 20 anos, o custo da unidade de trabalho aumentou 200%. É agora menos atrativo economicamente centrar a produção na China e importar. O trabalho barato já não é uma realidade”, exclama. “É evidente que deveríamos celebrar. Mais de 800 milhões de chineses serem elevados do nível de pobreza para a classe média é importante em termos humanos, mas, economicamente, é dispendioso”, acrescenta.

Para James Ashley, se, por um lado, o investidor atento pode encontrar oportunidades na relocalização da produção para países como a Indonésia ou as Filipinas, a verdade é que aquela “fonte única e vasta de trabalho barato já não existe mais”. E toda a reconfiguração das cadeias de abastecimento é mais um fator que vai pesar no novo regime que enfrentamos. “Acho que os bancos centrais vão enfrentar um percurso muito difícil a tentar trazer a inflação de volta para níveis de 2% no longo prazo, e as pressões estruturais de que falamos fazem com que os 3% possam ser os novos 2%”, conclui.