A incerteza e a volatilidade fazem parte dos mercados. Contudo, quando ambas chegam com mais força, quem atua profissionalmente na gestão de carteiras e faz dos mercados financeiros vida, tem a tendência de colocar nos pratos da balança o que correu bem e menos bem. No mais recente encontro realizado pela FundsPeople com a colaboração da HSBC, os ETF foram o tópico de conversa, e precisamente algumas intempéries recentes nos mercados financeiros serviram para colocar em perspetiva o uso e eficácia destes produtos, mas sobretudo a sua adequabilidade. Serão os ETF - e citando Simon & Garfunkel - uma bridge over troubled water?
Pandemia: cenário de teste
O primeiro cenário turbulento que veio à memória foi a pandemia. Para Ana Onofre, gestora de fundos na Montepio GA, esse foi o grande teste para os ETF, nos últimos anos. “Como toda a gente nessa altura, experienciámos resgates. Também em termos de investimento direto, experienciámos dificuldades de venda de determinados títulos porque não existiam compradores, e os preços eram terríveis”, começou por lembrar. No entanto, o exercício de memória permite-lhe também recordar o positivo que foi estarem investidos em ETF. “Esses conseguimos vender com facilidade. O processo de liquidação dos ETF correu na perfeição, e essa foi uma forma de obtermos a liquidez que queríamos e precisávamos, e sem fazer restrições de volume, nem movimentos disruptivos nos portefólios”, assinala.
Comparando com o investimento direto, a profissional enfatiza as escolhas que por vezes se têm de fazer entre vender um determinado título em detrimento de outro, sendo que os tempos conturbados são muitas vezes sinónimo de falta de compradores. Nesses casos, assinala, “acabam por ter um portefólio menos balanceado” do que queriam. Com o recurso a ETF, não só deteta maior facilidade em manter esse equilíbrio num determinado portefólio, como também sente que acrescenta liquidez ao mesmo.
Igualmente, Marta Bretones Benavides, responsável de ETF e Indexing Sales para a Península Ibérica na HSBC, tem a memória fresca quanto ao caos vivido nas primeiras semanas de pandemia. Por isso, na sua perspetiva, “quando uma crise destas está para chegar, ter investimento em ETF é algo que pode de certa forma salvar o investidor de momentos complicados”. Recorda que o mercado “estava seco”, e não havia opções de venda nenhumas e, desse modo, consegue lembrar bem como viu os ETF comportarem-se. “Para mim foi muito impressionante ver como os ETF geriram essa situação, porque podia dizer-se que não existia liquidez nos ativos subjacentes, mas os ETF tinham oferta e preços atrativos”, refere. Resumindo, para a responsável “o ETF torna muitas vezes a vida de um gestor de carteiras mais fácil”.
Igualmente, para Rui Broega, diretor da Gestão de Ativos do BiG, os ETF desempenham um papel crucial numa carteira durante eventos voláteis. Proporcionam “diversificação, liquidez e eficiência de custos”, e, além disso, “a sua estrutura permite aos investidores diluir o risco por uma vasta gama de linhas de investimento, reduzindo o impacto de flutuações acentuadas em qualquer investimento individual”. O profissional do BiG recorda que sendo estes “ativos negociados em bolsa, poderão ser transacionados intradiariamente, permitindo flexibilidade para se adaptarem rapidamente às mudanças nas condições do mercado”. Adicionalmente, Rui Broega fala dos baixos custos de estrutura e da transparência, que também “tornam os ETF uma opção interessante, mantendo o equilíbrio da carteira durante os períodos de volatilidade”.
Adicionalmente, Tomás Drumond, gestor de portefólios na BPI Vida e Pensões, destaca a função de amortecedor que os ETF têm em tempos mais conturbados. É da opinião de que estes produtos conseguem “ser uma espécie de almofada face ao benchmark”, “porque é sabido que dentro de uma determinada banda de ação estaremos mais ou menos próximos do benchmark”, relata. Algo que contrasta com uma estratégia ativa, em que, como diz, acaba por ser mais cuidadoso nos trades que efetua.
ETF de obrigações: democratização
A emersão dos ETF de obrigações e as suas vantagens face a outros instrumentos de dívida foram ainda outro dos tópicos abordados. Marta Bretones Benavides entende que esse êxito se explica por vários fatores. Primeiro, porque “os mercados secundários onde esses ETF atuam têm uma profundidade em termos de bid-offer, e isso traz liquidez para o mercado”. Assim, tanto os gestores de carteiras como alguns clientes finais "sentem que encontram acesso aos ativos, algo que não é assim tão fácil quando se investe diretamente num título de rendimento fixo". Mas este não é o único ponto relevante. A responsável assinala a democratização criada por estes produtos, já que os investidores finais podem aceder à classe de ativos mais facilmente. “Antigamente, era mais difícil acederem por causa dos valores mínimos requeridos em alguns produtos de rendimento fixo; agora com os ETF é mais fácil. Podem investir, por exemplo, dois ou cinco mil euros num ETF e ter acesso ao mercado de rendimento fixo, e assim diversificar todo o seu portefólio”, pontualiza.
Essa facilidade em aceder a um conjunto de títulos de rendimento fixo de uma só vez também é assinalada por Tomás Drumond. Exemplifica: “Por exemplo, se se investir num ETF de obrigações do tesouro da zona euro, haverá exposição a obrigações finlandesas ou mesmo estónias, o que numa carteira de obrigações normal não aconteceria porque não há liquidez nesses títulos”, aponta.
Gestão ao longo da curva de yields
Outra das vantagens que o gestor da BPI Vida e Pensões releva nos ETF de obrigações tem que ver com as decisões tomadas ao longo da curva de yields, algo que os ETF governamentais ajudam, e muito. Embora nos primórdios dos ETF de obrigações estes cobrissem toda a curva de yields, agora as opções são mais granulares. “Existem soluções específicas para a parte curta, intermédia e longa da curva, e isso torna a nossa vida mais fácil quando queremos incrementar ligeiramente a duração, e estar mais expostos à parte final ou frontal da curva”, realça o gestor. Totalmente de acordo, Ana Onofre realça essa mesma usabilidade, destacando que usam ETF de obrigações “quando querem fazer um target da duração de uma determinada forma”, pois “existe muita diversidade de ETF para usar ao longo da curva”. O mesmo aplicar-se-á ao nível da gestão de geografias e regiões? Para os dois gestores não. Para Tomás Drumond, nesse ponto, “o investimento direto é mais benéfico”, e para Ana Onofre os ETF de obrigações “não funcionam assim tão bem para esse fim”, pois a decisão de uma ligeira subponderação de uma região ou país não é possível fazer com a mesma eficácia que se faz com o investimento direto.
Para Rui Broega, por seu turno, a diversificação entre vencimentos é de facto uma vantagem dos ETF de obrigações, à qual adiciona a diversificação “entre setores e geografias”, o que permite equilibrar “o risco das ações durante a turbulência do mercado e proporcionar fluxos de rendimento estáveis”, ao mesmo tempo que se tem “liquidez, diversificação, transparência e eficiência de custo”.