Pactos, coligações e novas eleições: as gestoras internacionais fazem as suas previsões

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fdecomite, Flickr, Creative Commons

Depois da realização de uma das eleições gerais mais tensas em Espanha dos últimos anos ficam no ar ainda muitas incógnitas por resolver. Embora Espanha seja um dos países que oferece com antecedência os números definitivos da recontagem eleitoral, ainda faltarão semanas para conhecer quem será finalmente o novo primeiro ministro. Que implicações veem as entidades internacionais?

“Embora grande parte da atenção destas eleições se tenha centrado no Vox, estas eleições são muito mais uma história que tem a ver com a evolução dos partidos tradicionais, o PSOE e o PP. O PSOE definiu-se com êxito como um partido de centro esquerda razoável, apesar de ter assistido à queda do seu governo há uns meses. O PP obteve o seu pior resultado na história depois de anos num contexto marcado pelos desafios da corrupção e depois de ter sido superado pelos partidos de ambos os lados. Por um lado pelo Vox à direita, e pelo Ciudadanos que ocupou mais espaço no centro direita. Por isso o Vox é apenas uma parte da história destas eleições. Embora seja um partido populista em muitos aspetos, difere da Frente Nacional em França e da Liga em Itália porque não alberga fortes impulsos eurocépticos”, resume Stephanie Kelly, economista política da Aberdeen Standard Investments.

Para gestoras como a ASI estas eleições representam mais um episódio de fragmentação do sistema político espanhol que tem estado presente desde a crise financeira no país. É a tónica geral entre as entidades estrangeiras: “Depois das três eleições em quatro anos, o panorama político espanhol passou de ser um Estado bipartidarista tradicional, para um sistema mais fragmentado e polarizado”, sentencia Alvise Lennkh, analista da Scope Ratings.

Possíveis pactos

Dito isto, as gestoras internacionais fizeram as suas previsões. Lennkh vê como muito claro que só Pedro Sanchez, líder do Partido Socialista (PSOE), pode formar o próximo governo de Espanha dada a derrota histórica do conservador Partido Popular (PP) (descendo para 66 dos 137 assentos parlamentares). Mas fará falta um acordo para conseguir a maioria necessária, e especialistas como Kelly têm claro que se prolongará no tempo inclusive para uma coligação informal.

Como recorda o especialista da Scope Ratings, mesmo que a esquerda some os lugares dos partidos mais pequenos que não procuram a independência regional, o total é de 175 assentos, ou seja, 1 a menos do que a maioria absoluta. “A necessidade de chegar a acordos, inclusive com partidos separatistas como o ERC (15 lugares), onde a Catalunha obteve o maior número de lugares, pode dar lugar a um governo central débil cuja capacidade para aplicar reformas que abordem as vulnerabilidades económicas subjacentes do país – uma dúvida pública elevada, desafios no mercado laboral e baixa produtividade – é limitada”, argumenta Lennkh.  

Para além disso, embora em princípio descartada pelos líderes de ambos partidos, tecnicamente também se poderia formar um governo entre Ciudadados e o PSOE (180 lugares no total). “Uma coligação com os Ciudadanos é uma opção”, coincide Kelly, “mas Pedro Sánchez opôs-se veementemente”. Steven Trypsteen, economista do ING, também coincide nos números que dão, mas é um cenário improvável: “Albert Rivera já o descartou antes das eleições. Acredita que Sanchez foi demasiado benevolente com os catalães quando foi primeiro ministro. E parece pouco provável que Sánchez queira governar com Rivera”. Os mais otimistas relativamente a esta opção são os analistas do banco JP Morgan: “Não devemos interpretar uma falta de diálogo entre o PSOE e o Cs nas próximas semanas como uma indicação de que a opção centrista é inviável”. Esperam pressão por parte do establishment doméstico para que ambos unam forças embora sejam conscientes de que qualquer diálogo não será público já que o Cs concorrerá com o PP para liderar a direita.

Como resumem da JP Morgan, todas as portas estão abertas e não se pode descartar ainda novas eleições devido à complexidade das relações. “Há que vigiar a postura do ERC já que insistem em linhas vermelhas radicais, como um referendo de autodeterminação, e será mais difícil negociar a opção de uma coligação de esquerdas”, comentam da entidade. Terão que passar meses, para além de se avaliar o resultado das eleições regionais de 26 de maio, convocadas ao mesmo tempo dase europeias, até que o governo se forme, vaticinam Lennkh e os analistas da JP Morgan.

Embora o resultado destas eleições provavelmente obrigue a formar um governo de coligação pouco usual, de novo com os independentistas, é improvável que aconteçam mudanças no rumo do país e nas perspetivas económicas, veem as gestoras.

Para Kelly, isto significa que poderemos assistir  a mais imobilismo político em Espanha. “A boa notícia é que a economia espanhola tem resistido bem, inclusive neste período de crescimento mais débil, e as reformas estruturais que se puseram em marcha depois da crise deverão apoiar este crescimento”.

Impacto no mercado

Mas apesar de não terem assim tão claro quem governará finalmente Espanha, as entidades internacionais não temem o impacto desta incerteza nos mercados. Os investidores não costumam receber bem os resultados eleitores independentemente de quais é que estes são, já que na maioria das ocasiões a reação do Ibex 35 na primeira sessão pós-eleitoral tem sido de queda.

As repercussões não vão ser tão importantes como quando as eleições italianas deram lugar a uma coligação entre o Movimento 5 estrelas e a Liga Norte, e visto que analisamos empresas atendendo aos seus fundamentais, poucos dos integrantes do índice europeu se verão afetados substancialmente”, afirma Matt Siddle, gestor de ações europeias da Fidelity.

O foco a ter em conta de verdade é o mercado de obrigações e este reflete calma entre eleições. As obrigações do tesouro espanholas esta segunda-feira estavam nos 101 pontos base. Como recorda Andrea Iannelli, diretor de investimentos da área de obrigações da Fidelity, as obrigações espanholas têm-se comportado extremamente bem durante os últimos seis meses, tanto em termos absolutos como relativos face aos BTP italianos. “O cenário político não é diretamente comparável e não esperamos que este resultado das eleições gerais espanholas se converta numa grande fonte de volatilidade, face à mais que provável aliança de esquerda entre os independentistas”, analisa.

É certo que um impasse político demasiado longo pode afetar negativamente a economia se empresas e consumidores adiarem as suas decisões de investimento. “Mas embora a incerteza política em Espanha tenha sido alta nos últimos anos, a economia tem-se saído bem”, recorda Trypsteen. Embora reconheça que as vigas que têm suportado o crescimento – as reformas estruturais e a fortaleza global – já não são tão fortes, a entidade não modificou as suas perspetivas para o país. “A desaceleração explica-se melhor por causa de um contexto externo mais débil e um regresso a ritmos de crescimento mais normais”, afirma.