Paul Smith, CFA Institute: “Temos que restabelecer o sentido de confiança e propósito na comunidade de investimento”

Paul Smith, CFA Institute
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É curioso como a principal missão que o homem que lidera a instituição que representa a maior e mais internacionalmente reconhecida comunidade de analistas financeiros certificados atribui às finanças está longe de ser uma missão quantitativa, mas sim subjetiva: a felicidade. A felicidade no sentido de que a função dos profissionais da indústria da  gestão de ativos e de patrimónios é nada mais nada menos do que ajudar a sociedade a atingir as suas aspirações. “Eu sei que soa estranho, mas o facto é que todos queremos o mesmo na vida. Sejamos portugueses, americanos ou chineses, queremos viver uma vida decente e que os nossos filhos cresçam com uma boa educação, felizes e seguros. Isso é a definição de felicidade. E se pensarmos bem, é esse mesmo o papel que as finanças desempenham: ajudar as pessoas a viver uma vida rica, sustentável e feliz”. Quem o diz é Paul Smith, o presidente e CEO do CFA Institute, instituição que representa mais de 170.000 profissionais de investimento em todo o mundo, em entrevista à Funds People na sua mais recente visita a Portugal.

No entanto, Paul Smith mostra alguma desilusão quando observa que a perceção na sociedade é exatamente o oposto desta missão. “Se andarmos pelas ruas de Lisboa a perguntar às pessoas qual acham que é o propósito das finanças elas diriam que não é fazer crescer a sua riqueza. Diriam sim que é para fazer crescer a nossa riqueza (dos profissionais de investimento)”. É neste contexto que o presidente do CFA Institute clama pela necessidade de reconquistar a confiança e a boa reputação na sociedade. “A nossa grande batalha para os próximos dez anos é enfrentar os “monstros gémeos” que estão no nosso caminho, que são a regulação e a crescente apatia dos investidores relativamente ao mundo do investimento. Temos que restabelecer o sentido de confiança e propósito na comunidade de investimento. Provar o nosso valor. Porque senão, a par com a crescente regulação, veremos cada vez mais investidores a adotar soluções como o robo advising, a indexação e outras formas básicas de gestão ‘do it yourself’ dos investimentos”. Mas desengane-se quem fica a achar que Paul Smith encara a tecnologia como uma ameaça. Pelo contrário. “Eu vejo a tecnologia como uma oportunidade. E como todas as coisas é uma oportunidade em transformação. Sabemos perfeitamente que alguns postos de trabalho vão desaparecer. E aqui temos que ser espertos no que se refere ao nosso posicionamento numa indústria que vai ser mais e mais veículada pela tecnologia no futuro. É um facto que não podemos ignorar”, comenta.

“O que tentamos fazer com a nossa formação, curriculum e liderança é deixar claro que os charterholders do futuro têm que ser mais ‘T-shaped’. Terão que ter abrangência, a par da profundidade. O profissional de há 10 anos atrás tinha apenas profundidade. Muito boas competências técnicas, mas muito pouca abrangência. Poucos ‘soft skills’, pensamento estratégico... O profissional do futuro tem que ser mais formato ‘T’ e menos formato ‘I’ e esse é um grande desafio para nós”, metaforiza Paul Smith.

Tecnologia, ESG e gestão passiva

Além da tecnologia, o investimeno socialmente responsável e ESG e o peso crescente da gestão passiva têm vindo a moldar a indústria. Mas Paul Smith é contundente quando questionado sobre o tema. “No curriculum do CFA evitamos dizer que um tipo de investimento é melhor que outro. O que tentamos fazer é dar aos nossos candidatos e charterholders os factos, expo-los em profundidade suficiente a todos os temas da indústrias e serão eles a definir o que é importante e do seu interesse. Damos os factos e não as opiniões. No entanto, o que fazemos à posteriori, com a nossa liderança, é influenciar o debate e ser bastante mais provocatórios acerca do tal propósito das finanças e como as finanças podem contribuir para solucionar alguns dos problemas mais intrincados que as nossas nações enfrentam”, explica. Neste sentido, Paul Smith opina que tanto a gestão passiva como o ESG cumprem o seu papel. “Não existe nunca uma única solução. O que vemos com a gestão passiva, por exemplo, é que tem impulsionado a utilização da tecnologia para providenciar soluções a um menor custo para as pessoas. E quando penso em tecnologia e finanças vêm-me à memória três benefícios. Escala, possibilitando a produção de soluções a um mais baixo custo. Maior valor para o cliente, menos para o provider, o que é importante. Transparência, com o cliente a perceber exatamente o que está a acontecer e possibilitando a criação de carteiras mais individualizadas do que no passado. E, finalmente, consistência de aconselhamento, considerando que podemos tratar todos os clientes dentro de um determinado grupo de igual forma e de maneira muito mais eficaz do que num mundo financeiro pré-tecnologia”. Para o presidente do CFA Institute todas estas características são muito importantes para o re-estabelecimento da confiança junto dos clientes, mas também são vantagens de um meio que pode muito mais facilmente chegar às faixas etárias mais jovens. “Portanto, quanto mais conseguirmos casar a tecnologia com bons conselhos financeiros, mais facilmente conseguiremos construir uma indústria que é focada no valor para o cliente”.